Dia seguinte
Guadalupe se levantou mais cedo que Atílio e foi a preparar o desjejum, pois agora a casa estava cheia.
– Vou buscar alguns ovos no galinheiro. – Amélia diz pegando uma cesta.
A jovem ficou a esperar na cozinha mexendo um tacho de mingau de milho.
– Bom dia! – Gabriel diz sorrindo para Guadalupe.
–Bom dia, dormiu bem?
–Sim, agora que estou de volta. Quero te pedir desculpas pelo que fiz no dia do seu casamento, posso imaginar o que esse monstro possa ter feito a você por minha causa.
– Atílio não é um monstro Gabriel, ele me perdoou pelo que você fez e estamos felizes juntos.
– Não pode amar uma pessoa tão orgulhosa, um verdadeiro patife como ele é!
Jamile se levantou e não viu Gabriel ao seu lado, decidiu descer as escadas e procurar pelo marido.
– Gabriel? – Jamile perguntou e acabou ouvindo boa parte da conversa dos dois na cozinha...
– Eu te amo Guadalupe e não consigo admitir que esteja com esse homem por sua própria vontade. Ele não vai agir contra seus pais se formos embora todos daqui!
– Pois eu estou apaixonada e feliz e trate de entender e se conformar com isso Gabriel, não nos cause problemas e sobretudo a filha dele.
– Bom dia! – Jamile interropeu os dois.
Gabriel se afastou um pouco mais e logo Amélia voltou com os ovos interrompendo o flagra, Atílio despertou e parecia sequer ter descansado. A carga emocional dos últimos dias estava lhe tirando a paz, fez sua higiene pessoal e um tempo depois se juntou a Celina, Leandro, Jamile e Gabriel na mesa de jantar.
Guadalupe e Amélia ainda terminavam de colocar os bolos, omeletes e mingau de milho sobre a mesa. Jamile e Celina estavam surpresas com a habilidade da anfitriã, que mesmo cega tinha muito mais dotes como dona de casa que as duas juntas.
– Venha princesa, deixe que Amélia termine de nos servir! – Atílio diz segurando a mão da esposa.
– Será que Josué recebeu seu telegrama Atílio? – Leandro pergunta.
– Por certo que sim, ele nunca falha a um pedido meu e já deve estar chegando.
Esperavam ansiosos pelo advogado que os ajudaria a realizar os trâmites legais para a compra da propriedade que haviam escolhido no dia anterior.
– Vai comigo falar com os donos da casa, minha irmã? – Leandro perguntou para Celina.
– Não, vá você. Prefiro ficar por aqui mesmo!
Ela já tinha feito muitos planos para aquela manhã.
– Jamile, gostaria de dar um passeio comigo mais tarde? – Guadalupe convida a enteada, ela não parecia ter gostado do convite.
A jovem ficou em silêncio, não havia gostado de saber que seu marido amava Guadalupe e só estava ali por ela. Ainda mais depois de lhe ouvir propor uma fuga juntos.
– Ela te fez uma pergunta, não vai responder? – Gabriel insiste.
– Sim, vamos dar um passeio Guadalupe.
Atílio era o silêncio em pessoa, tomaram o café da manhã e logo o advogado chegou e saiu junto com Leandro. Pouco tempo depois, Guadalupe subiu as escadas de braço dado com Atílio.
– Vou com Sebastião á cavalo até a fazenda dos Antunes, ele me disse que alguns animais nossos atravessaram para lá e o maldito atirou neles! – Atílio estava nervoso, aquela afronta havia deixado ele nervoso e queria tirar satisfação o mais rápido possível.
– Não quero que brigue, converse e entrem em um acordo. – Guadalupe passou a mão no antebraço do marido enquanto disse.
– O que menos quero na vida são mais problemas, fique despreocupada. Estou indo apenas para conversarmos!
Ele pegou o chapéu e foi até o estábulo onde Sebastião já o esperava com o cavalo selado e pronto para irem.
– Sebastião, pode selar um cavalo para mim também? – Gabriel pediu.
– Sim senhor.
– Muito cuidado para não confundir as coisas e se achar dono de tudo o que é meu. – Atílio não gostou nada de ver o rival e agora genro dando ordens em sua propriedade.
– O que é seu é de sua filha também!
Atílio franziu o cenho, Gabriel estava testando sua paciência e o limite dela estava bem próximo.
– Aqui está. – Sebastião lhe entrega as rédeas do cavalo.
Ele pegou as rédeas e montou saindo dali, Atílio e Sebastião fizeram a mesma coisa. Cavalgaram por alguns minutos e viram os corpos de seis vacas que haviam sido baleadas pelo vizinho de fazenda.
– Que canalha, o que custava tocar o gado de volta ou nos avisar?
– Os Antunes são assim patrão Atílio, sempre resolvem seus conflitos com as balas e do mesmo jeito era o velho miserável do pai dele. Que o diabo o tenha! – Sebastião se lembrava bem de como era aquela família.
Os dois chegaram e logo um dos capangas do fazendeiro os abordou, passando a mão na arma no coldre do lado direito do cós de sua calça.
– Pode chamar seu patrão um momento? Ele e eu precisamos ter uma conversa de homem para homem. – Atílio pediu educadamente.
– Vou ver se por acaso ele tem tempo para falar com o senhor. – Adalberto cuspiu o fumo que mastigava e entrou na casa, enquanto os dois desceram de seus cavalos e alguns minutos depois ele voltou.
– Infelizmente ele não poderá atendê-los no momento, está muito ocupado agora.
– Diga a ele que não saio daqui até que ele venha falar comigo.
– Aconselho os dois a recuarem, meu patrão não é de brincadeira e é melhor que o senhor volte para casa agora mesmo. – Adalberto avisou com fúria no olhar.
– Bom, se ele tem medo de prosear comigo. Diga que quando sua coragem e honra em usar calças retornar, estarei esperando por ele em minhas terras! – Atílio deixou aquele rípido recado e deu as costas.
Sebastião arregalou os olhos, seu patrão havia se exaltado no uso das palavras e aquilo poderia render uma grande contenda. Atílio montou em seu cavalo e ele fez o mesmo, os dois saíram sob o olhar furioso daquele peão.
– Patrãozinho, acho que o senhor declarou uma guerra com aquele homem.
– Não tenho medo, o que custava vir conversar comigo feito homem? Quero que fique por perto para enterrar as vacas, voltarei e irei mandar Josué e Paulo para te ajudarem.
– Sim, senhor.
Guadalupe e Jamile passeavam por perto da fazenda, as duas eram tão diferentes uma da outra e a cada dia isso se tornava mais evidente.
– O rancho dos meus pais não fica muito longe daqui, e quem sabe um dia eu possa te levar lá para conhecer também.
– Como você conheceu meu pai, Guadalupe?
– Ele veio viver aqui com Amélia a uns meses atrás, disse que estava com um problema não muito grave nos pulmões e precisava de ar puro. Me viu cavalgando por essa região e então Atílio passou a me cortejar. – Guadalupe diz se lembrando de tudo.
– Veio da cidade para se casar com uma moça daqui.
– Acha estranho que ele tenha me escolhido, não é Jamile?
– Eu não disse isso.
– Mas sei que pensou, por que todos pensam assim! – Guadalupe se entristeceu.
– Eu sei o que Gabriel sente por você, ouvi a conversa dos dois mais cedo.
– E o que os sentimentos de Gabriel tem a ver com meu casamento e o de seu pai?
– Tem a ver por que ele te ama. E se sente algo por você é por que deu algum tipo de esperança a ele no passado. – Jamile forçou a voz.
– Você disse que nos ouviu, mas acho que presenciou apenas metade da conversa. Eu não sinto nada além de amizade pelo seu marido!
A poucos quilômetros dali, Atílio voltava para casa. Celina estava caminhando sozinha e tentando quem sabe encontrar ele, Gabriel ou até mesmo Sebastião por aquelas bandas. O viu de longe e logo jogou seu charme e começou a pedir ajuda.
– Atílio, por favor me ajude! – Celina gritou.
Ele prontamente foi até ela.
– O que aconteceu, está ferida?
– Acabei torcendo meu tornozelo ao pisar em uma pedra.
– Venha, vou te levar para casa.
Atílio a ajudou a montar no cavalo e agarrada a cintura dele os dois foram de volta para casa. Celina esfregava seus seios nas costas dele e até descia sua mão pela barriga do homem que tanto desejava.
– Celina pare com isso! – Atílio tentou se afastar dos toques mais íntimos.
– Não se lembra das nossas brincadeiras e de como você me fez mulher? – Ela diz sorrindo e passando a mão pelo corpo dele.
– Já faz um bom tempo, hoje sou um homem casado.
– Você ainda sente desejo por mim, eu sei que sim por que essas coisas, não se esquece assim.
– Se não parar, vai embora andando. – Atílio falou com firmeza.
– Você me ensinou a te mamar como um dos bezerros aqui da fazenda, me deixa fazer mais uma vez.
Ele puxou as rédeas fazendo o cavalo parar no mesmo instante, Celina havia passado de todos os limites.
– Vai calar a boca ou desce agora?
– Está bem Atílio, quanta amargura.
Celina
Quanto mais me rejeita, mais gostosa vai ser a sensação de ter você de novo nas minhas mãos, Atílio. Aquela deficiente não é mulher o bastante para te realizar na cama e na vida!
Ela sorriu e eles logo chegaram em casa.
– Se ama mesmo meu pai, deveria cuidar melhor dele. – Jamile fala para Guadalupe, vendo ele no mesmo cavalo com Celina.
– Por que está dizendo isso? – Guadalupe pergunta.
– Por que ele acaba de chegar a cavalo com Celina, ela está bem abraçada a ele.
Jamile se sentiu parcialmente vingada, queria que Guadalupe sentisse um pouco da dor e ciúmes de ver seu marido desejar ou se acercar a outra mulher. Atílio viu as duas, deu a mão para que Celina descesse do cavalo e foi até elas. Nem passou pela sua cabeça que a filha pudesse ter feito uma insinuação tão absurda.
– O que achou da fazenda Jamile?
– Ela é muito bonita senhor. – Jamile respondeu de maneira nada cordial.
– Não pode fazer um pequeno esforço para chamá-lo de pai? – Guadalupe, queria que os dois tivessem uma relação mais próxima, mesmo sabendo o quanto isso seria difícil.
– Só vou fazer isso quando sentir que devo, não quero que me pressionem a sentir o que não sinto. Agora que seu marido chegou, vou para dentro ajudar Amélia na cozinha. – Jamile saiu, deixando os dois a sós.
– Quanta petulância essa menina tem! – Atílio exclama.
– Ela tem traços da sua personalidade.
– Então quer dizer que eu sou assim? – Atílio perguntou para Guadalupe se aproximando.
– Algumas vezes sim, mas mudando de assunto. Pode me dizer por que Celina estava no cavalo com você?
– E além disso, minha filha adora uma boa fofoca. – Atílio disse irritado.
– Então não ia me dizer se ela não tivesse visto?
– Claro que iria, Celina disse que torceu o tornozelo enquanto andava pela mata.
– Ela mentiu para se aproximar de você Atílio.
– Como pode afirmar que é mentira?
– E como ela entrou em casa agora, voando? Ainda está aqui fora? Me explique por que não te ouvi pedir a algum peão que a ajudasse.
– Eu eu...
– Sou cega, não tola!
– Você não é tola princesa, é mais esperta que eu e muito. Ela mentiu e você está certa.
– Quero ela fora da nossa casa.
– Leandro foi resolver os trâmites da compra, logo sairão daqui. Não tem por que se preocupar, Celina não tem o meu amor...você é minha vida, só você Guadalupe!
Guadalupe
Celina não era uma cisma minha, era um pressentimento e eu estava certa sobre ela o tempo todo. Jamile também me odeia por uma razão injusta, tantas adversidades e só Atílio se convertia em meu porto seguro.
Leandro chegou junto com o advogado e acertaram a compra da fazenda, no dia seguinte assinariam os papeis com o tabelião na cidade.
Leandro
Agora que fiz a vontade de meu pai comprando uma casa aqui nesse fim de mundo, tudo o que me importa é o encontro de hoje à tarde com Luíza. Quando ela for mais uma de minha coleção de amantes, poderei cuidar de separar Guadalupe e Atílio. Já posso sentir o cheiro das duas e seu sabor em meus lábios, ainda ei de ter ambas e quem sabe ao mesmo tempo em meu leito.
Longe dali
Atílio havia conseguido mais um inimigo em potencial, Igor Antunes nunca foi de deixar uma afronta sem resposta. É um homem de quarenta e dois anos cuja a vida era marcada por tragédias. Casou-se com vinte anos e sua primeira esposa faleceu de tuberculose levando junto o filho que os dois esperavam, agora está casado com Lucília a penas um ano e mesmo sem se amarem. Ela é uma jovem frágil e que está grávida de poucos meses do primeiro filho do casal, ele sempre quis ser pai e agora tinha de novo a chance de colocar um herdeiro no mundo para seguir com seu legado.
– Como se sente hoje Lucília? - Igor perguntou entrando no quarto onde ela repousava.
– Bem! Te ouvi conversar com Adalberto sobre o tal Atílio.
– Aquele bastardo não perde por esperar.
– Por favor Igor, sem mais confusões. Preciso de paz para trazer nosso filho ao mundo, falta algum tempo para que isso aconteça.
– Continue em repouso e tudo ficará bem, eu prometo.
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