Além do horizonte romance Capítulo 31

Guadalupe

Fiquei deitada com minha mãe, mas ambas sem conseguir pegar no sono pois a preocupação nos deixava vigilantes. Muitas horas depois, os homens voltaram para casa, sujos e muito cansados de combater o fogo.

– Felizmente conseguimos salvar uma parte da plantação, mas o prejuízo foi enorme. – Atílio diz ainda transpirando e se sentando ao lado da esposa na cama.

– Sinto muito por isso meu amor!

– Bens materiais a gente conquista novamente, tudo o que tenho de mais precioso está aqui na minha frente. – Atílio beija a mão de Guadalupe.

– Muito bem filho e já que felizmente tudo se resolveu, Leonel e eu iremos para casa. – Ester se levanta dizendo e Atílio responde.

– Se preferirem podem ficar e descansar, Leonel trabalhou muito.

– Estou cansado realmente, mas prefiro descansar na minha velha cama.

– Está bem então, vou pedir a Paulo que os leve para casa de carro. – Atílio foi pedir ao peão para levar seus sogros.

Luíza, Saulo e Margareth foram para casa. Apesar do que havia acontecido e do vexame de Gabriel, havia sido um jantar agradável e ainda na volta para casa...

– Depois de todas as coisas que aconteceram, eu não pude dizer o que eu pretendia nesse jantar. – Luíza disse e sua mãe questionou.

– E o que foi?

– Sebastião e eu, iremos nos casar assim que ele sair da prisão, claro se vocês concordarem.

– Ainda não estou convencido sobre o motivo da surra que ele deu no primo de Atílio. Só se falam nisso por todos os lugares que tenho andado.

– Foi por ciúme de mim e um mal entendido papai, mas tudo vai se resolver e vou me unir a ele. – Luíza dizia empolgada, mas sua expressão ia contra sua fala.

– Não parece estar muito empolgada com o noivado.

– Mas vou ficar mamãe, Sebastião e eu seremos felizes assim como Guadalupe e Atílio são.

– Tenho certeza que sim filha.

Dia seguinte

Gabriel acordou com uma baita ressaca e sem esse lembrar do que havia acontecido e no vexame que havia dado durante o jantar. Jamile entrou no quarto com uma bandeja nas mãos, havia um café forte e sem açúcar que Amélia havia feito para ajudar a curar a ressaca e algumas fatias de bolo.

– Coma e trate de voltar ao trabalho, precisam de você lá no milharal. – Jamile praticamente joga a bandeja no colo de Gabriel.

– No milharal?

– Enquanto você estava caído aqui nesta cama e bêbado, atearam fogo na nossa colheita e meu pai disse que perdemos boa parte dela Gabriel.

– Quem faria algo assim? Não tivemos chuvas com raios ou algo que justifique um incêndio natural.

– Foi provocado. – Jamile responde.

Gabriel tomou o café bem rapidamente, lavou o rosto e desceu as escadas ainda terminando de abotoar a camisa.

– Onde está Atílio? – Gabriel pergunta e Amélia responde.

– Foi conversar com os peões.

Ele foi até lá, todos estavam reunidos.

– Temos um inimigo poderoso, mas eu tenho bons homens ao meu lado. Quero que de agora em diante façam turnos para vigiar a casa e os arredores da fazenda, Igor Antunes não vai descansar até me destruir por completo. – Atílio estava dando instruções e solicitando que a fazenda ficasse sob uma maior vigilância.

– E por que ele quer tanto assim te destruir, Atílio? – Gabriel pergunta.

– Vejo que amanheceu bem, mesmo depois do grande vexame que fez no jantar. – Atílio ironizou, ainda estava furioso com o genro.

– Não estamos aqui para discutir meu comportamento.

– E muito menos para que eu diga a você o óbvio, Igor é um homem orgulhoso como eu. Quer medir forças! – Atílio responde e Gabriel revida.

– Tudo poderia se resolver com uma conversa amigável.

– Então vá até lá Gabriel e prove da sua benevolência por si mesmo.

Gabriel não quis discutir com ele, ainda mais na frente dos peões. Mesmo se odiando os dois agora precisavam unir forças contra esse homem.

Na capital

Leandro se preparava para a primeira cirurgia, estava nervoso e ansiava que tudo desse certo para poder voltar para casa e tentar conseguir o perdão de Luíza.

– Você está tão calado mesmo antes de virmos para cá, já estava assim. Estou assustada com esse seu silêncio Leandro.

– Quero poder voltar para casa.

– Já chama aquela vila de casa? – Celina pergunta ajeitando o travesseiro dele.

– Eu preciso ver Luíza de novo e falar com ela.

– Não me diga que pretende mesmo se casar com aquela caipira.

– Ela nunca aceitaria Celina.

– Claro que iria aceitar, compramos uma mansão e você é um rapaz jovem e distinto. Ela teria que ser muito estúpida para recusar você.

– Há muitas coisas que você não sabe e que não valem a pena ser ditas. Nunca imaginei em toda a minha vida que eu pudesse sentir alo verdadeiro por alguém, mas se eu não ver Luíza e não puder conversar com ela de novo, sinto que vou morrer.

– Não gosto dessa garota Leandro, mas se a ausência dela te deixou assim tão angustiado e infeliz. Vou te ajudar a se casar com ela!

– De verdade, faria isso mesmo sabendo que ela é humilde?

– Se Luíza é sua felicidade, vai se tratar e vamos voltar para casa. – Celina acaricia a mão do irmão e ele sorri.

Longe dali...

Raul Fontes chegava na cidade, chamando a atenção de todos por onde passava pela elegância e porte, carregado de malas e com boa parte de seus empregados para lhe servir. Se informou na cidade sobre como chegar na casa de Atílio, estava impressionado com a beleza daquele lugar.

Sebastião estava na cela, pensando em Luíza e no quanto esperou por aquela chance. Só precisava ficar livre daquela acusação, Leandro tinha ido para longe e agora só dependia dele mesmo para conquistar o coração da mulher que ama.

– Assim que eu sair vou trabalhar em regime dobrado, deixar nossa cabana mais segura e aconchegante para ela e os filhos que teremos. Não posso querer outra coisa da minha vida, que não seja ser feliz com ela!

– Falando sozinho Sebastião?

– Apenas sonhando acordado delegado.

– A sua sorte é que tem um patrão muito influente e poderoso e que perdoou a surra que você deu no primo dele. Ainda assim, terá que ficar mais alguns dias aqui até que o juiz volte para o condado e assine sua liberdade.

– Está bem! – Sebastião ficou cheio de esperanças.

Raul Fontes foi até a casa de Atílio saber como os filhos estavam, o telegrama enviado para ele noticiando sobre o incidente com Leandro não havia chegado em suas mãos a tempo.

– Tio, seja bem-vindo!

– Fico feliz em ver como você está prosperando Atílio, as terras que seu pai te deixou estão muito bem cuidadas.

– Apesar do incêndio que tivemos alguns dias atrás aos poucos estamos retomando a colheita de milho.

Guadalupe descia as escadas de braço dado com Jamile a cada dia as duas estabeleciam um laço de amizade, Gabriel ainda não a olhava como mulher, mas pouco a pouco ela tentava chegar ao coração dele.

– E quem são as duas belas jovens? – Raul pergunta.

– Filha de Atílio. – Jamile se apresenta.

– Muito prazer mocinha, realmente estou surpreso em saber que tem uma filha já grande.

– E esta princesa é minha esposa Guadalupe. – Atílio apresenta a esposa.

– Muito prazer.

– Duas lindas moças, meus parabéns. – Raul sorri cordialmente e retira o chapéu.

– Venha comigo tio, vamos conversar mais à vontade no escritório.

Os dois subiram as escadas, Raul é um homem de 53 anos. Sua esposa Mabel viria depois para a cidade, assim que ele se instalasse no local.

– Leandro e Celina foram para a cidade? – Raul pergunta.

– Na verdade não, aconteceram algumas coisas desagradáveis a uns dias atrás. Eles enviaram um telegrama avisando ao senhor, mas pelo visto não chegou a tempo.

– E o que aconteceu Atílio? Onde eles estão?

– Leandro adquiriu uma bela propriedade perto daqui e cuja chave foi entregue a mim pelo advogado, infelizmente meu primo se envolveu em uma briga com um dos meus peões e sofreu uma lesão facial. Celina e ele estão na capital fazendo o tratamento adequado, pois aqui não temos recursos.

Raul se levantou com as duas mãos na cintura, estava claramente irritado.

– Aposto que Leandro se deu ao desfrute com alguma mulher casada!

– Mais ou menos, na verdade despertou a fúria de um homem ciumento. – Atílio confirmou que o problema tinha sido mesmo por causa de uma mulher.

– Mas essa tal lesão é tão grave assim? E esse tal agressor, onde está o maldito?

– Ele está na prisão já a alguns dias tio, a lesão felizmente pode ser tratada com as devidas intervenções cirúrgicas.

– Certo. Peço que me ajude a encontrar trabalhadores para minha casa. Pessoas honestas e dispostas a cuidar da casa e fazer o serviço pesado, diga a eles que pago bem!

– Pedirei os peões que me ajudem nessa incumbência e espalhem o convite pela região, até lá. Esteja à vontade e minha casa, é sua casa tio.

Alguns dias depois...

Raul mudou-se para a nova casa e conseguiu pessoas da região para trabalhar para ele, recebeu um telegrama de Leandro e Celina. Leandro passou pela primeira cirurgia e se recuperava bem no hospital a cada dia que passava, sentia sua angústia em voltar para casa crescer.

– Já está bem melhor e a próxima cirurgia acontecerá dentro de quinze dias, acho que será a última. – O médico diz ao retirar as ataduras de Leandro.

– Que seja doutor, só quero poder ir para casa!

Sebastião seria solto em poucos dias, Luíza ia visitar ele sempre que podia e levava algo para ele em gratidão, um bolo, um doce...

– Não gosto que você venha aqui Luíza.

– Achei que ficasse feliz com minha visita.

– Não é por isso bela, é que aqui não é lugar para uma moça decente como você.

– Nem tão decente assim, depois do que aconteceu.

– Esqueça o passado, quando eu estiver livre vou te dar os melhores dias da sua vida! – Sebastião se aproximou dela, mas como sempre a respeitou.

Amélia estava no quarto chorando e revisitando lembranças do passado dentro de uma velha urna de madeira, Jamile entrou silenciosamente e viu o que ela segurava nas mãos.

– Atílio? – Jamile pergunta e Amélia responde.

– Filha, por que entrou assim em silêncio?

– Essa roupa de bebê era do meu pai, não era?

– Sim, cuido dele desde pequeno. – Amélia alisou aquela pequena peça desgastada pelo tempo.

– Eu não acredito que essas lágrimas em seus olhos, sejam de uma babá com saudades do bebê que cuidou.

– E que outra coisa poderia ser Jamile?

– A senhora é a mãe do meu pai, não é? – Amélia correu para a porta e a fechou bem rápido, nem as paredes poderiam ouvir aquela suposição.

– Não repita isso, nunca!

– Sim é verdade, agora olhando bem para o seu rosto. São os mesmos olhos, por isso o ama e cuida dele com tanto carinho. Vamos se abra para mim e tire esse peso do seu coração. – Jamile pede a ela, secando uma de suas lágrimas.

Amélia chorou e a abraçou, eram 33 anos de angústia presa em seu coração.

– Eu tinha vinte dois anos, quando fui mandada para trabalhar na casa do comendador. Eu era muito bonita e logo ele começou a me cortejar e perseguir, mas sempre fui honrada e mantive forme. Certo dia, dona Maria estava acamada e havia sofrido mais um, dos seis abortos que havia tido desde que se casou e eu cuidava dela. Á noite ele me pediu que trocasse a roupa de cama do quarto em que dormia, nessa noite ele se deitou comigo e depois disso, muitas vezes depois sempre ameaçava minha família e as pessoas que eu amava. Até que eu fiquei grávida, Atílio nasceu e eu pude ser apenas sua ama de leite e sua babá, o comendador me perseguia o tempo todo para que mantivesse o segredo ou me afastaria dele. Maria sabia de tudo e aceitou ser mãe do meu filho que viria, faleceu alguns anos depois tentando dar um filho de sangue para ele pela sétima vez, o feto ficou retido em seu corpo causando uma infecção mortal. Dei à luz e seguimos assim até hoje.

– A senhora é minha avó! ¬– Jamile se emociona, as duas se abraçaram forte e choraram juntas.

– Por que, agora que o comendador está morto e não há razão para omitir, a senhora não conta para ele vó?

– Seu pai é orgulhoso, nunca aceitaria ser filho de uma empregada como eu.

– Meu pai está mudando, Guadalupe o transformou. Ele vai amar a senhora e lhe dar o lugar que merece na vida dele, assim como deu para mim.

Amélia não conseguiria dizer a verdade, não agora depois de tantos anos. Jamile jurou a ela que jamais revelaria aquele segredo.

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