Além do horizonte romance Capítulo 4

Leonel acordou com uma grande ressaca depois de toda aquela bebedeira do dia anterior, se sentou para tomar café com a esposa e a filha com a pouca vergonha que ainda lhe sobrava.

– Depois de velho, passou a nos envergonhar caindo de bêbado pelas tabernas. – Grita Ester.

– Fique calma mulher, não é para tanto. Estou aqui inteiro não estou?

– Como não é para tanto Leonel? Foi preciso que aquele homem te trouxesse de carro para casa por que você não se aguentava de pé.

– Aquele talzinho da cidade, ainda devo essa droga de favor a ele.

– Ele trouxe o senhor aqui? Atílio? – Perguntou Guadalupe interessada no teor da conversa de seus pais.

– E ele parecia preocupado pela idade e falta de juízo do seu pai...

O coração de Lupe se encheu de esperança e ela sequer sabia por que saber disso a fez sorrir.

– Então ele não é um homem ruim como eu pensava. – Diz ela deixando escapar um suspiro de fé.

– Talvez não seja, sabemos pouco ainda sobre ele paga fazer julgamentos. – Relembrou Ester, serviu um bolo para a filha e o marido enquanto via Lupe sorrir sem qualquer motivo.

Atílio passou a frequentar a missa regularmente para ver Guadalupe, Gabriel sempre estava por perto e não gostava nada dos olhares do rival para quela garota que ele tanto amava desde criança e ele acreditava ser sua noiva.

O padre havia marcado a cerimônia de crisma em que Guadalupe, Luíza e outra jovem da vila iriam receber o sacramento

– Sua benção padre. – Pediu Atílio beijando a mão do sacerdote.

– Que Deus te abençoe filho.

– Se o senhor permitir, quero oferecer um jantar em minha casa para a família das jovens. Quem sabe assim acreditem nas minhas boas intenções e deixem de fazer tantos julgamentos sobre mim? – Diz ele esboçando um sorriso cordial.

– Posso falar com eles esta tarde, seria uma boa oportunidade para que você consiga se relacionar melhor com os moradores daqui.

– Vou preparar tudo e no domingo à noite depois da cerimônia vou esperar todos em minha casa. – Diz Atílio firmando o compromisso com o padre.

No fim do dia, depois de organizar os eventos da igreja o padre foi até a casa de Gabriel e Luíza para fazer o convite.

Saulo teve que ser firme para convencer o filho a aceitar esse jantar, depois de muita conversa, ele aceitou afinal era parte importante na vida de sua irmã e de Guadalupe.

Se ele não fosse deixaria o caminho livre para Atílio se aproximar e isso ele não iria permitir jamais.

– Papai eu posso ir com o padre até a casa de Guadalupe? É que faz dias que não conversamos e ela tinha me pedido para ir. – Solicita Luíza ao recordar o pedido da amiga.

– Se o padre não se importar em te levar com ele na charrete. – Diz Saulo.

– Claro que ela pode vir e assim falamos mais sobre a crisma.

Eles seguiram para lá, assim que chegaram foram recebidos por Ester com um sorriso.

– Sentem-se por favor, vou chamar Guadalupe e meu marido. – Convida Ester guiando-os até a sala

– Vim fazer um convite para um jantar que irão oferecer para as jovens crismandas. – Diz o padre ao se sentar.

– Sim padre e onde seria esse jantar? – Pergunta Leonel chegando na sala e os cumprimentando.

– Na casa de Atílio, ele me pediu que convidasse as famílias. Por que uma vez recusaram o convite dele sem qualquer motivo.

– Meu pai recusou da primeira vez sem nem mesmo dar a chance de conhecer esse homem. – Guadalupe chegou e tratou de se envolver naquela conversa.

– E logo ele que foi tão gentil em trazer seu pai em casa a uns dias atrás.

– Então não vejo motivo para uma recusa. Esse homem tem feito muito pelas causas sociais da igreja e sem qualquer interesse nisso. – O padre estava firme em sua missão de desfazer a má impressão que tinham de Atílio.

Guadalupe começava a ter um sentimento de carinho por esse homem que parecia tão caridoso e cheio de boas intenções com todos.

– Tia, posso dar uma volta com Guadalupe um instante lá fora? – Pergunta Luíza querendo muito ficar a sós com a amiga.

– Claro que sim filha, mas fiquem por perto. – Diz Ester vendo as duas correrem para fora.

– Não demore Luíza, teremos que voltar daqui a pouco.

– Não antes do senhor comer o bolo que acabei de fazer padre.

As duas saíram de braço dado e foram conversar perto da cerca.

– A tantos dias não conversamos, desde que minha mãe adoeceu eu fiquei o tempo todo com ela e só temos falado brevemente na missa. – Luíza lamentava não poder estar mais presente na vida de Guadalupe como antes.

– Isso é verdade.

– Eu ouvi uns rumores sobre esse tal Atílio que nos fez esse convite...

– Que tipo de rumores? – Perguntou Guadalupe e por mais que negasse a si mesma, queria saber mais sobre ele.

– Que na cidade ele era muito galanteador e costumava desonrar todas as moças que queria.

– Rumores também podem ser falsos. – Guadalupe não queria que aquilo fosse verdade, as duas seguiram caminhando enquanto falavam.

– Você não acha esquisito ele querer dar esse jantar para nós três? Não fica parecendo meio estranho Guadalupe?

– Ele pode ter mudado...não sei o que pensar ainda, depois das duas vezes em que nos encontramos. – Ela engole seco ao recordar.

– Você se encontrou com ele? Anda me conta tudo. – Luíza guiou a amiga e se sentaram em um grande tronco.

– Eu não tive como te dizer antes, mas ele me encontrou enquanto eu seguia a cavalo levando a comida para o meu pai. Ele assustou Raio de sol e se não fosse seu irmão nos encontrar e me levar de lá eu não sei bem o que ele queria me dizer... – Guadalupe alisa as próprias mãos demonstrando nervosismo.

– Mas ele chegou a te falar alguma coisa? Tentou algo com você?

– Não deu tempo, Gabriel me levou bem rápido de lá.

– Gabriel não me falou nada disso, talvez tenha ficado tão irritado que nem quis tocar no assunto.

– E na igreja domingo, fiquei esperando minha mãe na sacristia. Ele entrou, eu me assustei e ao invés de sair de lá, corri para os braços dele.

– Ele te tocou? – Luíza arregalou os olhos.

– Sim, me abraçou forte contra o corpo dele e ainda me lembro do calor da respiração dele no meu rosto. – Ela não sabia como descrever aquela sensação, medo ou prazer?

– Deus...seu pai soube desse atrevimento?

– Não, e minha mãe pediu para mantermos segredo, não fica bem que alguém saiba que ele colocou as mãos em mim mesmo que tenha sido dentro da igreja.

– Meu irmão mataria ele! Pense bem amiga, case com meu irmão Gabriel. Ele te ama desde sempre e fica esperando por você a tanto tempo feito um bocó.

– Ele sabe da minha decisão, seu irmão precisa ter uma família e se não se casar vai passar da idade. – Diz Guadalupe se levantando.

– E esse tal Atílio?

– O que tem ele? – Ela parou e pensou.

– Sentiu alguma coisa quando ele te tocou? Algum sentimento de amor... – Luíza tinha curiosidade em relação aos sentimentos de Guadalupe e sabia que a felicidade do irmão dependia deles.

– Acho que uma mistura de medo e receio.

– Ele é um homem bonito, mas perigoso demais e principalmente para alguém como você.

Guadalupe se sentiu mal com o conselho de Luíza, não gostava de ser julgada por sua deficiência.

Não muito longe dali

Atílio preparou tudo com bastante esmero, a mansão estava bela e ele havia contratado outros empregados para ajudarem Amélia durante aquele jantar.

Por mais que fossem apenas três famílias e o padre, ele queria surpreender a todos e provar que era um homem abastado.

Logo viu chegar o motivo daquela reunião, estava linda em um vestido de cor vinho, seus olhos verdes pareciam ainda mais reluzentes naquela noite.

– Boa noite. Fiquem à vontade por favor! – Diz Atílio tentando controlar os olhares sobre Guadalupe.

– Obrigado e quero aproveitar para agradecer por aquela noite... – Leonel achou que deveria agradecer.

– Não precisa agradecer e se me permite dizer com todo o respeito, sua filha é a jovem mais bela que já vi! – Atílio disse aquele gracejo, não achou que pudesse ser visto com tom desrespeitoso.

– Agradeça o rapaz filha... – Ester pediu dando um leve cutucada na filha.

Guadalupe ficou calada e constrangida enquanto sua família olhava deslumbrada aquela mansão

– Ela ficou envergonhada com seu elogio senhor, mas nós vamos entrando e com licença! – Responde Luíza puxando Guadalupe para dentro e encerrando aquela cena.

Luíza levou a amiga de lá antes que o constrangimento fosse ainda maior ou que o irmão dela ouvisse aquele galanteio e a festa terminasse antes mesmo de começar.

Quando estavam todos sentados à mesa e o jantar era servido, Leonel bebia de maneira compulsiva envergonhando a esposa.

Em um canto reservado Amélia e Atílio conversavam.

– O pai dela está prestes a dar um grande vexame.– Afirma Amélia ao ver o velho senhor virar copos e mais copos.

– Deixe o velho se esbaldar, nunca deve ter visto tanta fartura na vida...deixe ele aproveitar. Como ela é linda, (suspiro) Deus!

– Mas pelo visto parece que você vai ficar só na vontade.

– Isso é o que nós vamos ver Amélia.

– O irmão daquela moça loira, assim como você não tira os olhos da ceguinha.

– Eu percebi, foi aquele borra botas que a levou no dia e que a segui a cavalo, está de olho nela. Mas quem vai colocar as mãos e muito mais, sou eu! – Responde Atílio virando um copo de vinho.

O padre se levantou.

– Se me permitem um instante eu gostaria de pedir ao nosso anfitrião que nos dê a honra de ouvi-lo tocar...Atílio é um exímio pianista. – Ele se levanta puxando as palmas para o dono da casa.

Envaidecido ele foi até o piano, se sentou no banco e tocou uma linda canção. Guadalupe sentiu seu coração transbordar a cada nota daquela música, nunca tinha escutado nada tão lindo e verdadeiro.

– Luíza? Ele não pode ser um homem ruim, isso é a coisa mais linda que eu já ouvi. – Guadalupe suspirava ao ouvir.

– Ele toca muito bem mesmo, mas não confunda as coisas amiga.

Depois de tocar, formalizou um brinde com vinho.

– Saúde a nossas jovens crismandas! – Atílio sorri e levanta a taça de vinho fazendo os convidados brindarem com ele.

Todos – Saúde!!!

– Muito obrigada pelo jantar, mas agora temos que ir. – Ester estava com pressa de ir para casa antes que o marido estragasse toda a festa.

– Assim tão cedo? Ainda temos muitos aperitivos e bebidas... – Diz Atílio, a última coisa que ele queria era que eles fossem embora levando seu objeto de desejo.

– Por mim ficaríamos um pouco mais... – Resmungou Leonel.

– De jeito nenhum, você já bebeu demais meu velho.

– E se Guadalupe quiser ficar um pouco mais também o padre e eu podemos levá-la para casa mais tarde. – Atílio sugere e desperta a fúria de Gabriel.

– De jeito nenhum!

– Eu posso responder por mim mesma Gabriel. – Diz ela irritada.

– Então quer voltar sozinha para casa com esse homem?

– Filho se acalme por favor. – Pediu Saulo segurando-o pelo ombro.

– Chega de confusão, senhor Atílio muito obrigada pelo jantar tudo estava excelente, mas temos que ir agora por que meus pais já estão cansados. – Diz Guadalupe para Atílio.

– Está...estão convidados sempre que quiserem vir a minha casa.

O desejo dele de poder tocar sua pele branca era enorme, talvez menor do que quebrar a cara de Gabriel, porém precisava manter o controle e não parecer rude.

– Muito obrigado padre a noite de hoje foi muito agradável.

– E acho que conseguimos retirar algumas más impressões que tinham de você. – O padre sorri para Atílio.

– É o que mais quero padre...

Todos foram embora...

– Viu a expressão dela enquanto eu tocava? – Pergunta ele envaidecido, Amélia sorri.

– Ela parecia encantada.

– Eu quero essa garota, mais do que quero respirar...eu preciso. – Diz ele fechando os punhos.

– Eles nunca vão confiar em você o suficiente para deixá-los a sós, como sei que pretende. – Amélia nega com a cabeça.

– Não a quero só por uma noite, ela é diferente e sente tudo de maneira mais intensa. Imagine todo o prazer que ela é capaz de ter? – Ele sorriu malicioso.

– Me poupe dos detalhes sórdidos dos seus desejos carnais.

– Quero que amanhã bem cedo mande Sebastião trazer o doutor Josué, tenho pressa em falar com ele.

– O advogado?

– Sim, ele mesmo Amélia.

– Posso saber o que pretende? – Pergunta ela com interesse.

– Quero me informar legalmente sobre o rancho do velho Leonel.

– Quer comprar aquelas terras? aquilo está em ruínas e não deve valer quase nada.

– Talvez eu precise. – Afirma ele.

Ele foi se deitar depois daquele dia cheio, pensar nela e no quanto gostaria de ver seu rosto antes de ir para a cama.

Enquanto isso...

Aquele homem não podia ser tão mal quanto diziam, quem sabe aqueles rumores pudessem estar errados ou de alguma forma ele pudesse ter mudado?

Era demais para uma garota como eu pedir que alguém como ele mudasse sua natureza carnal e devassa, se aquelas histórias sobre ele forem verdade pobre, caipira e ainda por cima cega.

Alguém como Atílio jamais olharia para mim a não ser por pena, mas aquela canção tão bela me fez pensar em coisas que jamais imaginei: como amor e bem querer entre homem e mulher.

Enquanto Guadalupe pensava, no quarto ao lado...

– Acha que esse tal está interessado em nossa filha? – Perguntou Ester levantando o cobertor e se deitando ao lado do marido.

– Ele é rico demais para olhar para ela, apesar de linda, nossa filha não tem mais nada além disso a oferecer e temos que ser francos!

– Mas ele a olhava muito e você estava tão envolvido com a bebida que sequer se lembrou de zelar pela filha.

– E o que queria que eu fizesse? Arrancasse os olhos dele por isso? – Diz ele se ajeitando embaixo dos lençóis irritado.

– Não, mas desde que esse homem chegou eu me preocupo pela nossa filha, ela se encantou pela música dele. E se Atílio quiser se aproveitar dela com todo o poder que tem não poderemos fazer muita coisa.

– Menos mal que ela tenha se encantado pela música, pior seria se fosse por ele. Temos que casar ela com Gabriel de uma vez e resolveremos todos os problemas de uma vez. – Responde ele.

– Ela não quer se casar, nem com ele que a viu crescer e nem com outro.

– Ela precisa entender que estamos velhos e não poderemos cuidar dela para sempre Ester.

– Ela vai sofrer tanto, se impusermos isso a ela.

– Sofrerá mais se ficar sozinha nesse mundo! – Ele responde ao se virar de lado.

– Sinto tanto em reconhecer, mas você tem razão meu velho.

– Falarei com o padre e apressaremos tudo, em poucos dias vamos casar Gabriel e Guadalupe e esse tal Atílio irá se conformar e se afastará de uma vez por todas dela.

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