O Egípcio romance Capítulo 14

Bato na porta e a abro. Logo vejo Raissa sentada em uma cadeira na sacada. Ela se levanta e vem em minha direção.

— A salamo a-leikom. A paz esteja com você — Raissa me diz com um sorriso.

— Aleikom es Salam. A paz esteja com você também — digo, eu tinha aprendido com ela como responder ao cumprimento.

Ela pega a minha mão e me leva para a sacada. Nos sentamos nas cadeiras em frente a uma mesa que do alto eu podia ver os fundos da mansão, onde uma linda piscina brilha convidativa irradiando os raios do sol da tarde. Eu a encaro com um sorriso.

— Você me parece bem melhor, diferente da garota que me ligou em casa.

Ela me dá um sorriso sem graça.

— Desculpe ter feito você vir até aqui. Mas, quando te liguei, eu estava dentro do mármore do inferno. Hassan nervoso, gritando com mamãe, dizendo que iria embora.

— Tudo bem, amiga é para essas coisas — eu falo, com compreensão.

Raissa continua:

— Quando te liguei, eu estava muito nervosa. Hassan tinha saído de casa cantando os pneus com a Ferrari, mamãe gritando que seria bom que ele sumisse mesmo. Allah! Orei tanto para ele voltar, eu não suportaria sua ida novamente. Então, meia hora depois que eu te liguei, ele voltou. Parecia mais calmo, trouxe até um suco de laranja para mim. Disse para eu me acalmar e me fez deitar em seu colo. Ficou comigo dizendo para eu ficar bem, que ele não irá embora. Eu só sei que eu apaguei. Desculpe-me.

Com certeza ela não sabe do calmante que Hassan colocou no seu suco. Ele parece ser do tipo que não sabe lidar com os seus próprios sentimentos, e isso se reflete em lidar com os sentimentos dos outros também.

Era mais fácil acalmá-la com artifícios do que enfrentar o problema.

— Karina, eu me sinto tão sozinha. Mamãe sai toda hora, eu não gostaria de ficar sem Hassan. Ele é o único que me entende e me dá atenção e carinho. E você, é claro…

Eu peguei as mãos de Raissa.

— Hassan e eu conversamos. Ele disse para te tranquilizar e dizer que ele criará raízes aqui. Para você não se preocupar.

Ela vira imediatamente a cabeça, tentando entender se me ouviu direito:

— Mash'Allah — “Graças a Deus”, ela diz entre lágrimas. — Eu pensei que ele tivesse dito isso para eu me acalmar. Então é verdade?

— Sim.

— Passei seis meses pedindo a Allah para meu irmão voltar. Seria terrível ver ele ir embora novamente.

Eu fungo. Hassan deve ter um grave motivo para agir assim.

— Raissa, desde quando ele age assim com sua mãe?

— Desde sempre. Desde que me conheço por gente, eles têm antipatia um pelo outro.

— E seu pai? Como via isso?

Raissa solta o ar.

— Teve um tempo em que meu pai não conversava com Hassan, ele protegia minha mãe. Ele não gostava de ver o lar dividido e culpava Hassan por isso.

— Você não acha estranho isso?

Raissa me encara séria:

— Não sei. Hassan é filho de meu pai com a primeira mulher. Nós somos meio-irmãos. Meu pai vivia no Cairo e casou-se muito novo. Os casamentos lá são arranjados. Quando Hassan tinha 15 anos de idade, sua mãe morreu do coração. Depois de um ano, meu pai conheceu minha mãe. Ele enfrentou toda a família e casou-se com ela, e, com o dinheiro que ele tinha conseguido como comerciante de tapetes, ele veio para a Inglaterra, com ela e Hassan.

Então, com os olhos marejados de lágrimas, falou do irmão.

— Então acho que Hassan é um revoltado. Ele sofreu muito para se adaptar ao país. Sempre arisco, rebelde. Ele não queria ter saído do Cairo. Quando eu nasci, Hassan já tinha 20 anos. Então eu não acompanhei muito essa fase de adaptação dele.

Eu a olho pensativa.

É isso mesmo? Isso é revolta? Mas já teria passado essa fase, afinal hoje ele parece ter se adaptado bem ao país, aos costumes. Bem, mas talvez tenha ficado um ranço entre eles por todos esses anos.

— Vocês são tão prósperos. Por que essa rixa ainda?

— E eu entendo? Meu pai, com o dinheiro, comprou um hotel pequeno, e com o passar do tempo ele comprou um terreno baldio ao lado e aumentou o hotel. Hassan estudou Hotelaria e, com o seu conhecimento e de meu pai na cultura e língua árabe, eles atraíram os árabes para o hotel. Com todos os requisitos que um árabe está acostumado. Inclusive as janelas voltadas para Meca, para onde nosso povo era direcionado. Então eles juntos aumentaram a fortuna, construindo mais hotéis. Hoje os nossos hotéis são conhecidos por todo o Cairo. Agora meu irmão abriu um nos Estados Unidos. Mas eu sei que ele pode fixar residência aqui, e suas viagens poderiam ser esporádicas.

— Seu pai morreu há um ano, não é isso?

Raissa aperta os lábios com tristeza.

— Sim.

— E você nunca perguntou para ele por que sua mãe e Hassan brigavam tanto?

— A guerra entre Hassan e minha mãe não era declarada. Hassan sempre respeitou muito meu pai. E eu nunca pensei que a raiva entre eles fosse tão grande. Apenas com a morte de meu pai eu senti o quanto eles se odiavam.

— Mesmo assim, você nunca perguntou para o seu pai por que eles não se gostavam?

— Sim, um dia comentei isso com meu pai. Ele desconversou. Fugiu do assunto, essa é a verdade.

— Entendo…

Raissa balança a cabeça em negativa.

— Não, você não entende. Meu pai sempre protegeu minha mãe. O homem árabe, quando ama sua mulher, ama para valer. Eles se entregam de corpo e alma e meu pai a venerava. Entendeu?

De repente, me dá vontade de entender um pouco mais de Hassan.

— E Hassan? Ele segue a religião do seu país?

— A religião ao pé da letra não, embora lemos o Alcorão e cremos em Allah. Mas não há em nós um fanatismo. Ele se desprendeu um pouco da religião quando veio para cá.

De repente, eu me vi louca para saber tudo sobre o homem que conseguiu me fazer pedir para ser beijada por ele e que virou minha cabeça em tão pouco tempo. Desde que eu o conheci, ele não saía da minha cabeça, eu me sinto totalmente abalada por ele.

— E quanto à cultura de vocês e às tradições?

Raissa riu.

— Hum, está muito interessada?

Eu fico vermelha.

— Imagina! Eu só estou tentando entendê-lo, para ver se consigo entender essa rixa com sua mãe.

— Que bom. Geralmente as mulheres ficam loucas por ele, mas sei que você não é assim. E é bom mesmo, pois Hassan não se envolve seriamente com uma mulher. Ele não as leva a sério. Quando as coisas esquentam, ele cai fora.

— Não, eu sei — digo, tentando controlar minha respiração e as batidas do meu coração.

Raissa graças a Deus não percebe nada e me diz:

— Se Hassan seguisse os costumes, já estaria casado, e não galinhando por aí, mas aí é que está, isso se aplica a ele, mas com relação às mulheres eu acredito que ele tem mente fechada. Um dia, quando ele resolver se casar, ele irá procurar uma moça das nossas origens, toda certinha, que se veste toda coberta e virgem.

As palavras dela me decepcionam um pouco. Acho que no fundo eu estava sonhando que ele realmente estivesse interessado e que pudesse me levar a sério, mas pelo visto eu sou uma aventura para ele.

Deus! É claro que sou! O cara é árabe. Viveu até uns 18 anos no seu país de origem, o que ele vai querer com uma garota como eu?

Raissa boceja.

— Desculpe-me. Você acredita que eu ainda estou com sono?

Eu sorrio para ela.

— Bom! Agora que está bem, e está mais tranquila, eu vou embora. Amanhã preciso ir cedo à loja.

— Não! Vamos tomar o café da tarde juntas.

Eu respiro fundo.

— Bem, só se for aqui no seu quarto.

— É claro, pode ser, sim. Vou ligar para a cozinha e pedir para elas providenciarem isso.

— Ah, gente rica é outra coisa! — digo, com um sorriso.

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