Seis meses depois...
- RUSSO -
Deslizo a língua pela seda e enrolo olhando pra porta da minha sala que se abre revelando o homem de olheiras fundas e olhos vermelhos com um envelope nas mãos.
Eu não preciso perguntar o que é , tenho certeza que se trata do resultado do exame de DNA que eu só tive tempo de mandar fazer mês passado . E só mandei fazer mesmo por causa dele que vivia me enchendo o saco , por mim eu nem corria atrás disso .
Minha mulher agora que está se curando dos seus traumas , a psicóloga tem ajudado nisso , seus pesadelos pararam e eu não quero dar um motivo pra eles voltarem . Por isso que independente do resultado que estiver ali , ela nunca vai saber , não por mim .
Gam - Eu acabei de pegar lá na clínica, trouxe os dois - ele coloca um envelope lacrado encima da minha mesa e senta na cadeira com o outro em mãos , está tremendo e isso é bem visível.
-- Já viu o resultado ? - pego o esqueiro no meu bolso e acendo o baseado dando o primeiro trago enquanto espero sua resposta .
Gam - Não tive coragem - ele engole em seco e tira o olhar dos papéis, trazendo pros meus - E acho que nem vou ter .
Confirmo soltando a fumaça lentamente, entendendo só agora o porque dele ter vindo .
Ele quer que eu veja o resultado .
Dou outro trago no meu finin só pra relaxar e estico minha mão pegando o envelope encima da mesa , abro e tiro as duas folhas de dentro .
Hesito por alguma razão antes de começar a ler e usando desse tempo Jão entra na sala falando:
Jão - Eu escolhi um terno foda pra tú, irmão. Se liga só nessa beca ... - sua voz some e ele encara o Gam - O que é que esse fodido tá fazendo aqui ? - me olha - E que porra é essa aí ?
Ele parece puto , muito puto .
Caminha rápido na minha direção, joga o terno preso num cabide e protegido por uma capa encima de mim e arranca o resultado das minhas mãos.
Seus olhos vão de um lado ao outro rapidamente enquanto ele ler a folha , a decepção brilhando quando suas orbes castanhas se erguem pras minhas .
Eu travo por um momento , sem reação . Não tive coragem de contar a ele sobre o que o Zeca disse antes de ser morto , a ninguém na verdade , ficou que só quem sabia era eu e o Gam .
Jão - Fizeram um exame de DNA entre A MINHA FILHA e esse filho da puta sem eu saber ? - a decepção dar lugar a fúria.
Levanto deixando o baseado no cinzeiro e o paletó no braço da cadeira que eu estava sentado .
-- Cê tá com o resultado aí , pô - falo o óbvio - Então sim - ele rir nervoso - Vai querer saber o por quê ? Ou vai dar uma de doido primeiro?
Jão - Então sim ? - debocha rasgando o papel - Tú teve tempo pra me falar e quer fazer isso agora ? Ah , vai se fuder.
Engulo a saliva , nervoso , nunca vi ele tão revoltado assim.
-- Antes de matar o Zeca ... - começo, sem dar chance pra ele me interromper - Ele disse que a Afrodite era filha dele e...
Jão - E tú acreditou ? - me interrompe - Porra , Russo . Pai da Afrodite sou eu - ele bate no próprio peito , os olhos enchendo de lágrimas - Fui eu quem acordava de madrugada pra cuidar dela , eu quem a embalava até que ela dormisse nos meus braços, eu que dei amor e criei aquele mulherão da porra que tú chama de "minha pretinha " . ENTÃO EU SOU O PAI DELA ! - respiro fundo , vendo as lagrimas descerem pelo seu rosto .
Isso tá doendo mais do que deveria. Será que é porque agora eu sou pai e passo por tudo que ele acabou de mencionar ?
Gam - Você não é o biológico - a voz embargada me faz virar na sua direção com meu coração quase saindo pela boca - E eu e a Afrodite não somos irmãos - ele treme igual vara verde segurando o seu envelope aberto - Como isso é possível ?
Jão - Eu sou o pai dela e é isso o que importa - puxo o ar novamente e me viro pra ele , frustrado com tudo isso - Tú não tinha esse direito - aponta pra mim - O direito de me lembrar que a parte mais importante da minha vida não carrega o meu sangue nas veias.
-- Porque nunca me falou ? - sei que também não tenho o direito de perguntar isso , mas mesmo assim pergunto, é minha única dúvida nesse momento .
Jão - Por que tanto pra mim , quanto pra Tabita , eu era o pai da Afrodite - ele olha pra parede , o olhar ficando distante como de quem se lembra de algo - Ninguém nunca soube , mas a Tabita teve gêmeas . Uma delas era minha , a que morreu no parto - dessa vez , ele olha nos meus olhos - Faz idéia do quanto eu sofri quando tive que enterrar uma das minhas filhas ?
-- Não. Não fasso idéia - engulo a saliva que desce com dificuldade , o simples fato de saber dessa história fazendo minha garganta fechar.
Jão - Não, você não faz - repete , ele enrola o papel rasgado nas suas mãos e o joga no lixo ao lado da porta - Cê perguntou como é possível Afrodite não ser minha filha biológica e também não ser sua irmã ? - ele fala com o Gam dessa vez - A resposta é simples ; da mesma forma que o Zeca estuprou a Tabita e a engravidou , também fizeram com a sua mãe - dar de ombros, sorrindo amargamente - É a lei do retorno - diz e se vira , saindo.
-- Jão ? - chamo , sentindo um remorso fodido tomar conta de mim , ele para mas não se vira pra me olhar - Me desculpa por tudo - peço, pela primeira vez em muito tempo .
Jão - Não, eu não te desculpo - fico calado , ciente que dessa vez eu vacilei feio - Mas eu vou continuar indo na sua casa ver a minha filha e os meus netos . Você que se foda ! - ele dar dois passos e para - Ah , antes que eu me esqueça - me olha por cima do ombro - Vê se não esquece de sair antes dela acordar amanhã . Dá azar ver a noiva antes do casamento - e só então sai .
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: CALIENTE (morro)