Quarta-feira, Londres
Said
Procuro me distrair com a paisagem, olhando pela janela do automóvel. Londres é sempre um cenário muito bonito ao cair da tarde. As vidraças dos edifícios altos, modernos, refletem as cores azul do céu e as nuvens brancas, compondo um espetáculo belíssimo.
Não me sinto em casa nessa cidade. Aliás, nenhuma parte do mundo me proporciona uma sensação de aconchego, de identificação como no oriente médio. O clima desse país nos prega uma peça. O dia começa com um sol claro e brilhante, e depois pode terminar chuvoso.
Mulheres caminham apressadas pelas ruas, com roupas nada comportadas e que para mim revelavam muita coisa. Uma grande maioria anda seminua. E a outra parte com roupa apertada.
Ajeito-me melhor no banco incomodado. Eu me sinto inquieto. Viajei sem o endereço de Maysa. Preciso agora controlar minha ansiedade, e esperar Adara me ligar.
O Taxi estaciona em frente ao hotel. Sou recebido por um carregador de malas que pega minha bagagem. Logo que coloco meus pés no hotel, caminho observando tudo. Por puro profissionalismo, quem sabe assimile algo de bom daqui para aplicar no meu hotel? Mas acho difícil, os meus hotéis são os melhores do mundo. Esse aqui é fraco se comparado aos meus.
O hotel Magnus está até bem movimentado. Muitos homens de negócios, turistas caminham por ele. Mas o que me deixa contrariado, é um casal de namorados se beijarem na minha frente. A falta de pudor deles, logo me faz lembrar como esse país é diferente. Desvio meus olhos com ojeriza da situação.
Conforme avanço sinto que sou alvo da curiosidade das mulheres, os olhares femininos estão voltados na minha direção.
Por que olhavam para mim? Sou um extraterrestre por acaso? Não uso nada de diferente para elas me olharem assim, estou vestido igual a eles.
De cara fechada encaro todas elas. Na hora desviam os olhos de mim, intimidadas com meu olhar. Quando chego na recepção, uma atendente me dá um sorriso largo. Eu a encaro sério estranhando seu assanhamento. No meu país uma mulher não sorri assim para um homem estranho.
Ela fecha o sorriso quando nossos olhos se encontram. Engole em seco. Falo na minha língua:
—Meu nome é Said Mahara Sihan. Foi feita a reserva em meu nome.
Sexta-feira
Maysa
Olho meu reflexo no espelho e vejo a minha figura naquele vestido novo. Chiffon vermelho, tomara que caia, e um pouco acima dos joelhos. Suspiro com o pensamento:
O que Said diria se me visse vestida desse jeito? Com certeza me jogaria nos ombros e faria eu tirar essa roupa.
Não sinto nenhuma vitória por estar me vestindo assim hoje. Pois nunca foi o vestido.
Allah! Por que estou infeliz então? Quem sou eu hoje? Por que vejo a minha imagem como uma estranha?
Sinto-me tão diferente. A mudança não está no meu visual, mas o jeito que eu passei a enxergar as coisas. Me sinto tão infeliz. Vazia, como se por um momento tudo perdesse o sentido. Nem meu trabalho está preenchendo esse vazio. E olha que eu gosto do que faço.
Allah!
Não!
Não vou chorar!
Pare! Você nunca teria voz ativa se continuasse ao lado dele. Seria uma sombra do homem bem-sucedido. Se anularia por completo. Um zero à esquerda.
O que te separou dele foi o abismo dos costumes. Sim! Pense nisso. É isso que deixa claro os motivos de tê-lo deixado. Lembro-me de Said com seu jeito arrogante e seguro de sim.
Eu me pergunto agora: será que ele entendeu que não foi o vestido?
Sim, creio que sim. Infelizmente ele não tinha forças para mudar. Eu não o culpo... Ele é fruto da sociedade machista que ele vive.
Solto o ar com angustia e eu me pergunto: Reparou que tudo que você olha ou faz você se lembra dele?
Pare com isso!
Para que ficar cutucando a ferida?
Afasto meus pensamentos dele e digo para mim mesma: Pense na festa e em nosso convidado. George Smith, um jovem médico louro, alto. Muito amado por todos no hospital. Por causa do seu coração generoso ele viajará para a África, para o M.S.F, Médicos Sem Fronteiras. Deixará o conforto de sua casa e ficará em alojamentos improvisados no meio da selva.
Apesar das dificuldades, Smith está empolgado por esse trabalho. Ele estará em lugares que a maioria das pessoas só vê por meio do noticiário na televisão ou em documentários. Vivenciará o pior lado do homem, mas também conhecerá de perto o poder do amor ajudando o próximo.
Essa festa nada mais é que uma despedida para ele. Mesmo ciente da importância desse momento, não estou empolgada. Ultimamente sinto-me uma sonambula. Quando me vem à angustia, eu logo me consolo, dizendo que tudo é muito recente e que o tempo agirá como um apagador.
Muitas vezes me pergunto se algum dia eu sentirei por alguém o amor que eu sinto por Said.
Acho que não.
Bem, é cedo dizer...
Dou mais uma ajeitada em meus cabelos soltos, colocando alguns fios atrás para trás.
Eu o cortei. Fiz um corte repicado sem tirar o comprimento. Eles agora caem em camadas, valorizando meu rosto. Passo um lápis no olho e um batom telha. Os sapatos fechados de salto alto completam meu visual.
Ouço o toque da campainha, suspirando, saio do meu quarto e vou até a porta da sala. No olho mágico avisto a figura de Jéssica. Abro a porta, e logo sinto que há algo de errado. Ele me olha estranha.
— Allah! O que foi? —Eu pergunto. — Não me diga que algo deu errado?
Jéssica sorri, mas percebo um certo nervosismo no seu jeito de agir.
— Não claro que não. Está tudo certo. É que estou nervosa mesmo.
Eu sorrio debochada.
— Desde quando uma festa te deixa nervosa? — Fico pensativa. — Você está gostando de alguém que virá na festa?
Ela me encara com aqueles olhos verdes, muito expressivos e vejo neles apreensão.
— Pode ser. Depois eu te falo. — Ela me diz com um sorriso misterioso. Ela então aperta as mãos. — Você não acha melhor trocar de roupa?
Eu que pegava a minha bolsa, volto minha atenção para ela.
— Por quê? Não estou bem?
— Você poderia colocar aquele preto com decote quadrado que você tem. Você fica linda nele.
Eu meneio a cabeça sem entender.
— Eu só tenho calças jeans, camisetas. E uns vestidos mais velhinhos, que não daria para usar num momento como esse. Lembra que eu te falei que perdi todos os meus vestidos? E aquele preto foi um deles. E o que há de errado com meu vestido?
— E que está meio frio. Não tem nenhum casaquinho para colocar nos ombros. Um xale? Uma echarpe?
— Está frio? Pois aqui eu estou com calor.
Suspirando, vou em direção a sacada e abro a porta de vidro corrediça.
— Jéssica, está abafado. O que há com você? Está doente?
Ela sorri e passando a mão nos cabelos se senta.
—Ah! Devo estar mesmo.
Eu digo, nervosa:
— Jéssica, se levanta daí. Senão o nosso convidado irá chegar e estamos aqui ainda. Precisamos estar lá para recepcioná-lo.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Em seu lugar
Linda a história!!!!...