O guarda levou Deirdre para preencher seus papéis de liberação. Mas, antes de terminar, ela perguntou:
― Com licença, você pode me ajudar a fazer uma ligação? ―
― Claro. ―
Ela recitou uma série de números e esperou, mas ninguém atendeu. Intrigado, o guarda que a ajudava pensou em voz alta:
― Parece que este número não pertence a ninguém, senhora. Com quem você estava tentando entrar em contato?
― Ophelia McQuenny. Ela é minha... mãe adotiva. ―
― Mãe adotiva? ― algo naquele nome soava familiar. Ele examinou os relatórios de morte ao lado dele e encontrou esse mesmo nome em um dos papéis.
Deirdre cerrou os punhos nervosamente:
― Então? Ela está bem? Ela mudou de número, certo? Você pode me dar o endereço da casa dela? ―
O guarda trocou um olhar com o colega.
― Por favor, me diga o endereço dela. Eu vou visitá-la ― a mulher acrescentou.
Deirdre pediu aos guardas para ajudá-la a entrar em um ônibus que a levaria para a zona leste de Neve. Foi uma jornada repleta de murmúrios e sussurros, sobre sua aparência, mas Deirdre fingiu ser surda e se segurou na poltrona da frente, ansiosa para reencontrar a mãe.
Brendan falhou em cumprir sua parte na promessa. Ele havia dito que ela só ficaria na prisão por cinco meses, mas todo o calvário tinha custado oito meses, sua visão e uma criança. Mas, enquanto sua mãe estivesse viva, ela poderia suportar qualquer coisa. Ela só precisava focar nisso.
Quando o cobrador avisou que ela tinha chegado onde desejava e ela desembarcou, de repente, ficou sem saber o que fazer. Este ambiente invisível era novo e desconhecido. Ela ouviu atentamente qualquer sinal de que alguém estava passando e estendeu a mão:
― Olá, desculpe-me, mas você pode me... ―
― Ahhh! Que diabos? Saia de cima de mim! ―
Deirdre ouviu um grito de mulher, antes de sentir um tapa em sua mão estendida. O impulso a derrubou e ela caiu na rua. Acariciando seu rosto cheio de cicatrizes, Deirdre cerrou os dentes e ergueu a cabeça, para tentar novamente:
― Desculpe, eu só esperava que você... ―
Mas, mostrar o rosto provocou ainda mais pânico. Um homem que devia estar com a mulher juntou-se à comoção dizendo:
― De onde diabos essa doida escapou?! Saia do caminho, Freddy Krueger. Aproxime-se de nós novamente e eu juro que você não vai gostar nada! ―
Deirdre estava acostumada a ser desprezada, então se levantou e continuou a procurar alguém gentil o suficiente para ajudar. Infelizmente, todos a ignoravam, como se estivesse pedindo esmolas, sem nem ouvir o que ela tinha a dizer. Fora isso, como a cegueira a tinha ensinado a prestar mais atenção em sua audição, conseguia ouvir os sussurros e comentários maldosos, dos passantes, enquanto conversavam entre si:
― O que aconteceu com aquela mulher, ela não deveria estar num hospício? ―
― Olha aquela mendiga, parece que saiu de um filme de zumbi! ―
― Deus, eu juro, se eu estivesse no lugar dela, não seria capaz de aceitar isso. Preferiria tirar minha própria vida! ―
“Tirar a própria vida?” Deirdre baixou os olhos sem vida e mordeu o lábio. Não, ela não podia fazer isso, sua mãe precisava dela. Elas só tinham uma à outra.
Pensando nisso, reuniu toda a sua coragem e tentou novamente. Ela conseguiu chamar a atenção de um pedestre, mas deixando a cabeça abaixada, para evitar chamar a atenção para o rosto:
― Desculpe! Como faço para chegar à Rua Prunus na zona leste, a partir daqui? ― e como estava preocupada que o estranho pudesse achar seu súbito pedido irritante, ela acrescentou ― sou cega, me desculpe. Não consigo chegar lá sozinha.
Sterling Fuller parou no meio do caminho. Seu rosto parecia ter congelado de susto, quando disse:
― Dee? ―
O coração de Deirdre deu um salto:
― Doutor, é você?
Sterling Fuller era um médico que tinha morado na periferia da cidade, por alguns meses. Deirdre tinha sido uma jovem de saúde frágil, então Sterling fazia algumas visitas domiciliares, de vez em quando, sem nunca pedir pagamento. Foi ele quem a ajudou a viver. Ele era o herói dela.
Deirdre nunca imaginou que encontraria o médico, tantos anos depois e o peso emocional de seu reencontro acidental caiu sobre ela, que quase começou a chorar.
Então, Sterling franziu a testa:
― Seus olhos! O que aconteceu com eles? O que... meu Deus! O que aconteceu com você? ―
― Eu... ― ela engasgou. A vida dela era um pesadelo. Ela se lembrou do dano que seu rosto havia sofrido e abaixou a cabeça novamente ― não importa, está tudo no passado. estou aqui para procurar minha mãe. ―
― Você está procurando a Ophelia... ― Sterling olhou para a bolsa que segurava. A urna estava aninhada dentro, junto com uma foto de Ophelia. Ele levava o objeto para casa, para que pudesse, pelo menos, dar à mulher algum lugar de descanso.
Ele moveu seu olhar, com uma pena profunda de Deirdre. A verdade parecia realmente cruel, então, Sterling se viu contando uma mentira:
― Bem, você perdeu o grande momento dela. Ela foi levada para o exterior, por causa de sua condição. ―
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