Improvável romance Capítulo 11

|KAYRA|

Subo na moto com a cabeça fervilhando de pensamentos confusos, com o peito apertado em angustia e disparo em alta velocidade rumo a direção de minha casa. O ronco barulhento do motor me faz bem por alguns segundos, abafa as frases negativas que rodam em minha mente constantemente, e ativa a adrenalina nas minhas veias fazendo-me deixar todos problemas para trás no asfalto durante alguns minutos.

O ar fresco também é um amigo muito bem-vindo que me faz pensar que sou apenas um pássaro livre voando sem medos ou preocupações neste instante. Mas a soma de todas essas sensações boas que me acometem por um breve período, se desfaz no exato segundo em que estaciono o veículo na garagem de casa. Um silêncio sepulcral cai feito uma pedra sobre o local extenso e um tanto vazio quando desligo o motor da moto, e retiro a chave da ignição.

Chegou a hora de enfrentar a dura realidade. É o que concluo com um suspiro resignado e uma pequena dose de desânimo e tristeza, ao descer da moto e seguir em direção a porta de casa pela entrada da garagem mesmo, pois não possuo um pingo de ânimo de caminhar até a entrada principal como a maioria das pessoas fariam em meu lugar.

Ainda bem que não sou como elas, certo? Então não me importo. É o que penso comigo mesma, enquanto praticamente me arrasto para o interior do imóvel, mesmo não querendo fazê-lo. Eu não queria estar em casa neste momento, queria estar no hospital cuidando dos meus pacientes e ocupando minha mente com uma pancada de coisas úteis que poderia estar fazendo pela vida de outras pessoas que necessitam da minha ajuda. Contudo, graças à um babaca de marca maior estou presa aqui, nesse lugar cercado por quatro paredes sem nada para fazer.

Passando pela sala de estar jogo minha bolsa de qualquer modo sobre o sofá, e estou prestes a seguir para o banheiro para tomar um banho, e talvez cair na cama na tentativa de dormir para ver se desse modo o tempo passa mais rápido até chegar a bendita segunda-feira, porém algo captura meu olhar de repente e chama minha atenção.

É uma foto de família sobre a mesinha de centro. Estamos nós quatro presentes na foto, meus pais, eu e minha irmãzinha montando cavalinho em minhas costas como sempre gostou de brincar comigo. Todos estão felizes nesse retrato tirado no aniversário de cinco anos de Kath. Sorrisos congelados nos rostos, as longas tranças bagunçadas na cabeça de Kath que as agita no ar, enquanto eu corro em volta do sofá com papai fingindo ser um monstro a nos perseguir, e mamãe mais a frente segurando o celular para bater a selfie que pega a cena de nós três protagonizando uma verdadeira bagunça atrás de si.

Eu ainda consigo me lembrar perfeitamente do som das risadas de cada um deles naquele dia dentro da minha cabeça. Também me recordo de um fato muito engraçado que havia acontecido naquela mesma ocasião, Kath como a esganada que era, havia comido sozinha a sobremesa daquela noite algumas horas antes do jantar, escondida em seu quarto. Mamãe ficou uma fera com ela quando descobriu o furto, e ainda pensava em como puni-la pelo crime no dia seguinte, quando a coitadinha recebeu a recompensa mais rápido do que poderia imaginar. Kath teve uma dor de barriga tão grande que passou o dia inteiro dentro do banheiro.

Então era de se imaginar que logo a bronca dos meus pais com ela passou bem rápido ao presenciarem o sofrimento da criatura logo no dia seguinte ao seu aniversário. Confesso que tive pena da pobrezinha, mas nem por isso deixei de atazaná-la pelo ocorrido, então comecei a chamá-la de maria cagona por vários meses como modo de irritá-la.

Kath ficava virada de ódio, é claro. Só faltava espumar de raiva, e era aí que eu a provocava ainda mais, só para ter o prazer e a diversão de ver suas bochechas redondas vermelhinhas, e ouvir seu gritinho desafinado me xingando. Coisas que agora eu não posso ver ou ouvir pelo menos mais uma vez antes de dormir, pois eles se foram.

Kath era uma verdadeira peça... e minha maior alegria, o meu xodó. Ela, papai e mamãe fazem tanta falta. Às vezes sinto tanta saudade deles que meu coração fica pequeninho do tamanho de um caroço de milho que poderia ser esmagado a qualquer instante sem o menor esforço.

Fungo quando percebo que caí de volta a velha e dolorosa sensação de nostalgia que vez ou outra insiste em me atingir quando vejo essa foto. Balanço a cabeça para dispersar a multidão de pensamentos tristes que querem roubar minha mente e perturbar meu estado de espírito já abatido.

Isso é culpa do cansaço, penso comigo mesma e desvio o olhar para a bancada que divide o ambiente da sala e cozinha da casa. É por esses e outro motivos que não gosto de vir para casa e ficar sozinha. Com a cabeça e o tempo ociosos, sou muito mais propensa a ficar melancólica por causa do sentimento de solidão que me acomete toda vez que percebo que minha família não estará a minha espera ao final do dia.

Não há mais ninguém aqui além de mim. Nem uma planta, e menos ainda um animal de estimação. Eu não tenho a mínima paciência para destinar atenção a outro ser vivo que precise de carinho e cuidados contínuos da minha parte. Isso exigiria muito de mim, mas é o que certamente Kath amaria ter, eu pondero enquanto caminho até a cozinha e abro uma garrafa de vinho ainda lacrada desde a última década que eu havia feito compras no mercado.

Não pego uma taça ou um copo para me servir, apenas bebo direto do gargalo com pressa DE eliminar o sentimento amargo que está entalado na minha garganta e que me faz querer chorar sem motivo algum. Não sei quanto minutos ou goles se passam, mas noto que meu rosto de repente começa a ficar úmido, então passo uma mão para conferir o que está havendo. Está molhado. Eu estou chorando. Mas por que? Eu nem gosto de chorar, então por que estou fazendo isso agora?

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