CALIENTE (morro) romance Capítulo 89

- AFRODITE -

-- Eu estou bem - minto pela enésima vez desde que percebemos que estávamos sendo perseguidos.

Marisa - Tem certeza ? - ela me olha com os olhos arregalados, o pânico evidentes neles.

-- Sim , tenho - minto novamente.

Na verdade eu não estou nada bem , meu corpo todo está tremendo , minha respiração falha e minha maior preocupação nesse momento é : manter meus bebês a salvo.

Não quero perder eles .

Sei que o Bóris está vindo , mas e se ele não chegar a tempo ? E se o pior acontecer ? ...

São tantos e se , que eu estou pirando.

O carro patina sobre a água do asfalto mais uma vez e outro grito da Marisa me assusta, nunca pensei que alguém pudesse gritar tanto como ela grita .

Me seguro mais firme na alça superior da porta , tentando manter meu corpo longe de impactos , sei o mal que isso faria a minha gestação.

Gege - Porra , porra , porra ! - ergo meu olhar pro moreno que aperta as duas mãos com força no volante e desvio pra imagem que aparece a nossa frente através do para-brisa .

Dois carros idênticos ao que está nos seguindo fechando a passagem .

É o nosso fim .

Meu coração bate na boca quando vejo que o Gege cogita a idéia de avançar e por isso digo :

-- Por favor , não faz isso .

Gege - Eu tô tentando salvar nossas vidas ! - diz sem me olhar , sua mão no câmbio de marcha pronto pra trocar e acelerar .

-- Como Gege ? A rua está fechada , o máximo que você vai conseguir é matar a gente mais rápido com essa idéia de louco.

O moreno grita de frustação e diminui a velocidade , parando a mais ou menos dois metros dos carros que no mesmo instante em que paramos tem suas portas abertas por vários homens armados.

Gege - Satisfeita ? - ele tira a arma da cintura e me olha por um momento - Se eu não morrer agora , o Russo me mata depois.

Respiro fundo .

" Seja forte e enfrente tudo que vier de cabeça erguida "

Lembro do seu conselho e engulo a saliva , eu nem vou ter a chance de me despedir dela .

Uma lágrima grossa e quente escorre pelo meu rosto , o medo dar lugar a raiva.

Porque tudo de ruim tem que acontecer comigo ?

Estremesso , o barulho de vários tiros me trazem pra realidade infeliz que eu me encontro.

Mais uma vez.

Marisa - O carro é blindado, a gente pode ficar aqui até o Russo chegar , né? - seus gritos entram em contraste com os tiros disparados contra as rodas do carro.

Gege - É blindado , não impenetrável sua burra . Uns dez tiros de fuzil nas janelas e todo mundo aqui desce de tobogã pro inferno.

Marisa - De tobogã , não !

Olho através do para-brisa mais uma vez e a imagem de um homem que sai de um dos carros embaixo de um guarda chuva me chama atenção.

Baixinho , buchudo e calvo .

-- É o Zeca - aponto chamando atenção dos dois que param de discutir pra olhar na direção dele .

Gege - Esse filho da puta ainda tá vivo ?

De repente, um tiro disparado contra o vidro de uma das janelas nos assusta.

Eles vão matar a Marisa e o Gege .

A certeza atravessa a minha mente quando os homens armados começam a disparar contra as janelas de ambos , deixando a minha intacta.

Gege se arruma no banco apontando sua Glock pra um deles mesmo sabendo que não tem chance contra ... Conto rapidamente .

Dois , quatro , oito homens fortemente armados.

Merda , o medo volta junto com algumas lembranças , as principais dela sendo a da noite em que o Zeca foi até o morro me pedir pra ir ver o Gam e a outra em que ele foi até o hospital querendo que eu intercedesse pelo seu filho .

Em ambas ele teve a chance de me machucar e não o fez .

Algo na minha mente se acende .

-- Ele veio atrás de mim - falo , a adrenalina sendo espalhada rapidamente pelo meu corpo - Não vai me machucar

Marisa - Você não. Mas a nós? Com certeza - ela me olha , o desespero e a raiva presente nas orbes azuis - Não quero morrer por sua causa.

-- Ninguém vai - abro a porta e no mesmo segundo os tiros param , um dos homens age rápido e se enfia dentro do carro me puxando com agressividade pra fora , sinto um pouco de dor quando ele me prensa contra a lateral fria do carro e resmungo - Calma , Por favor !

A chuva de vento me encharca em segundos e eu estremesso de frio .

Gege - Solta ela seu filho da puta! - ouço sua voz e logo o som ensurdecedor que faz meu ouvido zunir.

O cara que me segurava cai no chão com um tiro no pescoço e é impossível eu controlar o grito de horror que sai da minha garganta ao ver o sangue jorrando do buraco recém feito .

Meu estômago embrulha violentamente .

- Seu merdinha burro do caralho - outro cara desarma o moreno e o joga no chão , logo a Marisa é jogada ao seu lado .

Ambos com fuzis apontados pras suas cabeças.

Penso rápido , a certeza de não querer presenciar outra morte me faz gritar no alto dos meus pulmões :

-- ZECA ! Eu vou com você, só deixa eles em paz . Por favor - choro de ódio olhando na direção dele que vem caminhando lentamente pela chuva .

O sorriso formado na sua face me deixa enojada , eu nunca o vi antes .

Zeca - Não atirem - ele para na minha frente - Eu não queria que fosse assim minha pequena Di - sinto vontade de vomitar - Mas essa foi a única forma que eu achei de ter você e meus netos por perto - ele estende a mão pra mim - Vamos .

Olho pra sua mão , pro Gege que me encara pedindo pra mim não ir , pra Marisa no chão falando o contrário ao temer pela sua vida , pra rua completamente vazia com os carros no acostamento e ergo meu rosto deixando a água fria que queima minha pele como brasa se fundir as minhas lágrimas.

Minha mente viaja e a imagem do homem que eu amo surge nela , meu peito dói com a certeza ; ele não vai chegar a tempo.

-- Vamos - por fim , falo , engulo meu choro e coloco minha mão encima da sua , deixando que ele me puxe pra de baixo do seu guarda chuva .

Tudo pra não deixar mais ninguém morrer por minha causa.

Zeca - Eu vou cuidar muito bem de vocês - ele tenta me abraçar de lado e eu me encolho com nojo , repulsa - Tudo bem , vamos por etapa .

Ele aponta pro carro e lentamente, ignorando todas as dores que sinto eu o acompanho.

Respiro fundo , minha barriga dói e por isso eu a envolvo com meus braços.

Vai ficar tudo bem - repito mentalmente - O pai de vocês vai vim nos resgatar , ele sempre vem .

E como se estivesse sido cronometrado , acontece.

O primeiro disparo vem acompanhado do ronco de vários motores de motos , elas surgem por todos os lados .

Umas 15 , direita , esquerda... Todos os lados .

Zeca tenta fechar a porta do carro quando a troca de tiros começa mas eu luto , esperneio e chuto seu rosto fazendo ele cair pra trás.

O esforço me faz sentir uma fisgada forte no pezinho da barriga e eu deito minha cabeça no apoio do banco .

Vou acabar perdendo meus bebês se continuar me esforçando assim.

Estremesso com o pensamento e começo a chorar denovo , não posso perder nenhuma das partes que me ligam ao Bóris, seria demais pra mim suportar nesse momento .

Russo - Eu vou acabar com a tua raça, seu filho da puta - a proximidade da voz carregada de ódio me faz olhar pro lado bem a tempo de ver ele dando um soco na cara do Zeca - Estourar tua cabeça sem dó por ter tocado na minha mulher .

Ele parece um animal sem controle, dando socos e mais socos no Zeca que tenta inutilmente se defender.

O sentimento de alívio me consome e eu respiro fundo fechando meus olhos quando o barulho dos tiros cessam e quem fica de pé são os homens do Bóris que param para assisti-lo .

- Fica caladinha e desce dessa porra agora - me assusto com a voz familiar e o frio do objeto de metal que é pressionado contra minha têmpora.

De novo não.

Abro meus olhos devagar e fito o moreno magro de quase dois metros de altura com o rosto cheio de hematomas .

Algo na minha mente me dá a certeza que foi ele quem me empurrou com maldade lá no forró e meu coração dói com mais essa traição .

Ele é sangue do meu sangue .

-- Porque tá fazendo isso , Taz ? - obedeço devagar, não tenho escolha - É por dinheiro ?

Taz - Por vingança, priminha . Teu marido matou alguém que eu amava e depois que você parir eu vou devolver o favor - ele puxa meu cabelo e eu gemo de dor quando percebo que mais uma vez sou feita de escudo humano - Sai de cima dele ou a vagabunda aqui morre !

Ele dispara pra cima e volta com a ponta , agora quente , pra minha testa que arde ao ser queimada.

Meu choro me faz soluçar, eu nunca pensei que o meu próprio primo, aquele que me chamou pra ser madrinha do seu filho de tão próximos que éramos seria capaz de fazer o que está agora .

Bóris olha por cima do ombro pra mim e obedece ficando em pé ao lado do Zeca que cospe sangue ao levantar e caminhar com dificuldade na nossa direção.

Zeca - Demorou mais chegou - passa do nosso lado - Trás ela .

Meu olhar se finca no do pai dos meus filhos , a promessa sendo feita através dele.

-- Eu te amo muito - movo meus lábios quando sinto o puxão que me faz andar de costas em direção ao carro .

Sinto um aperto estranho no peito e me desespero , mesmo sabendo dos riscos que eu corro eu tento me desvencilhar do meu primo pra correr até ele .

Alguém atira duas vezes .

O estrondo vindo do meu lado me faz ficar desnorteada por alguns segundos.

Paralizo.

Meu coração erra a batida dentro do peito quando eu vejo o pai dos meus filhos caindo .

Ai meu Deus , não , isso não.

Seus homens entram na sua frente e apontam pra gente .

-- Bóris ! - grito com toda a força que tenho , vejo ele tentar levantar , cambalear e cair novamente - Não ! Não !

Meus olhos ardem com as lágrimas que caem sem que eu as controle .

Ele vai morrer e a culpa vai ser minha.

-- Amor levanta , por favor , levanta! - grito olhando pro seu corpo no chão - Por ... - minha voz é abafada por uma mão que tampa a minha boca.

Taz - Cala a boca filha da puta - ele me arrasta com força pra dentro do carro e fecha a porta - Ele tá morto , queimando no inferno hora dessa - ouço seu riso - E a culpa é tua que parece um câncer , faz mal a qualquer um que se aproxima !

Balanço minha cabeça em negativa e choro mais ainda , desesperada, ele não pode ter morrido , não pode ter deixado a mim e aos nossos filhos , não pode .

Meu coração dói tanto que parece que está sendo atravessado com uma adaga.

Não sei qual dor é maior , a emocional ou a física.

O carro começa a se movimentar e eu solto um grito , esperando que ele alivie essa dor , mas não alivia.

Eu perdi o homem que eu amo e não existe dor maior que essa .

Ele não vai voltar pra mim , não dessa vez .

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