No dia do sequestro...
- NARRADOR -
Ele cresceu rodeado do amor fraternal .
Mas o perdeu na juventude.
Jurou nunca mais amar alguém pra que não sofresse com a perda como sofreu com a da sua mãe e irmã , falhou .
E agora , enquanto sua vida se esvai , aquela mesma dor que ele sentiu no dia em que as perdeu volta com tudo pro seu peito baleado.
Paralizado de dor e ouvindo sua mulher gritar por ele , o homem tenta se manter acordado , tenta levantar do chão molhado e frio mas não consegue .
Seus olhos pesam , a dor lancinante no peito aumenta drasticamente quando o automóvel que ele tem certeza estar levando sua mulher , seus filhos , seu tudo pra longe se afasta.
É demais pra ele.
" Eu sempre vou voltar pra você "
É a última coisa que ele sussurra à chuva fria que cai sobre seu corpo espalhando seu sangue pelo asfalto .
E então : seus olhos azuis acizentados se fecham .
A batalha contra a dor é perdida e tudo que resta são as lembranças do segundo infinito .
A lembrança do rosto daquelas que foram seu primeiro amor e perca , do seu melhor amigo e do furacão em forma de menina que ele escolheu pra chamar de mulher .
Da primeira vez deles que ele havia esquecido pois se drogou o suficiente para achar que tudo não passou de uma alucinação .
Da primeira vez que fizeram amor, do primeiro EU TE AMO dito com palavras , da felicidade em saber que iria ser pai .
De três.
Acabando , seu segundo infinito estava acabando e quando ele chegasse ao fim ; sua vida também chegaria.
Ele sabia que um dia isso aconteceria. Sempre soube .
Mas agora , ele não estava pronto pra partir .
Não antes de cumprir a promessa que ele fez a ela . A dona dos olhos que oscilam do verde pro mel dependendo do seu humor , daquela que ele tanto amou em vida .
"Eu sempre vou voltar pra você "
A lembrança do momento em que a promessa foi feita surgiu , e com ela uma vontade absurda de continuar vivo .
No hospital , no frio de um quarto de UTI , na superfície macia como a pele daquela que é a responsável por ele continuar lutando por sua vida , ele sussurrou ;
Eu sempre vou voltar pra você, Afrodite.
E então ;
Ele desperta .
[...]
- RUSSO -
O cheiro característico do hospital me irrita , mais até que a filha da puta repetindo pra mim não remover a agulha do meu braço.
Não vou o caralho .
Preciso ir atrás da minha mulher e nada , nem ninguém vai me fazer parar até que eu veja com meus próprios olhos que ela e nossos filhos estão bem .
Marisa - Por favor , Bóris . Você ainda está fraco pra sair daqui - paro ao ouvir meu nome e trinco meu maxilar encarando ela.
-- Tá maluca ? - me aproximo com dificuldade, sentindo minhas pernas moles igual gelatina , mas as sustento com o ódio que sinto - Me chamando de Bóris ?
Marisa - Foi sem querer , é que eu me acostumei a te chamar pelo nome - a piranha sorrir sem graça.
-- Então desacostuma desse caralho porque só quem tem moral e permissão pra me chamar assim é a minha mulher.
Respiro fundo puxando o ar que me falta , e derrotado sento na maca pegando o bagulho de ar o colocando no nariz novamente.
Faz dois dias que eu acordei nessa porra e desde então tá geral me tratando como se eu fosse morrer a qualquer momento.
As vezes a falta de ar me dá essa impressão também mas eu não posso me dar ao luxo de sarar completamente, não enquanto a minha dona não tiver do meu lado .
Pô , tô num medo fodido do pior ter acontecido , gosto nem de pensar.
Balanço minha cabeça e franzindo meu cenho me viro na direção da porta ao ouvir ela abrir de supetão.
Jão - Vim assim que vi a mensagem - ele me olha sorrindo , tá parecendo um retardado de tanto que faz isso - Pelo visto nem precisou da minha ajuda pra parar ele - o aspirante a comediante fala pra médica.
-- Mas vou precisar pra sair desse inferno - puxo o ar mais duas vezes e tiro o bagulho me sentindo melhor ao pisar no chão novamente - Tô pronto pra outra.
Marisa - Não tá não - ela vem parar na minha frente colocando as mãos no meu peitoral e as escorrega pra minha barriga, pego logo a maldade do seu ato e desço o tapão nas suas mãos .
-- Sai , filha da puta . Tá doida pra levar chumbo , não tá não?
Ben - Chumbo eu não sei , mas rola ? Isso eu tenho certeza - ergo meu olhar pra porta e por um segundo sorrio ao ver ele ali .
Safado se deu bem nessa merda toda , Jão me deu o papo que depois que ele recebeu alta o Pepe deu o comando da Rocinha pra ele .
Temporariamente, mas deu .
Ben - Sorriu pra mim ? - bate no ombro do Jão rindo - Ala cunhado , ele sorriu pra mim - mando dedo pra ele que continua falando enquanto eu caminho lentamente até eles - Na moral , ainda bem que tú acordou porque que eu tava pra usar aquele caralho de choque em tú, te trazer do inferno na marra .
-- Fala pra caralho - faço toque com os dois - Adianta , vamo embora daqui .
Jão passa meu braço pelo seu ombro quando eu me aproximo o suficiente pra isso , me ajudando assim como quando ele precisou eu ajudei , e juntos saimos os três desse inferno que tava me deixando maluco .
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: CALIENTE (morro)