MAYSA
Said está junto à entrada, intensamente masculino, mesmo vestido com roupas típicas de um homem árabe, o Kandoora branco. Ele parece pensativo, mas não disperso. Os olhos negros dele logo me veem. Ele se endireita.
Caminho até ele pensando na cena da recepção. Isso me preocupa, Said não é nada bobo, com certeza irá me questionar.
Mas como poderia deixar a criança morrer? Se eu não tivesse agido rápido, ela teria tido uma morte encefálica.
Meu coração se agita no meu peito quando me lembro que saindo daqui, almoçaremos juntos. Eu o encaro, escondendo meu nervosismo.
— Desculpe a demora.
Said está diferente, há algo de diferente nele. Isso me preocupa. Ele sorri para mim.
—Tudo bem.
Almoçar com ele? Preciso dar uma desculpa e evitar esse almoço. Eu coloco a mão nas têmporas.
— Você poderia nos levar para sua casa? Eu estou com dor de cabeça.
Ele sorri debochado.
Ah! Agora sim. Aí está o Said que eu conheço!
— Por que esse pavor repentino de sair comigo?
Eu faço cara de paisagem.
—Pavor? Pavor nenhum.
— Então almoce comigo, se não vou achar que me esconde algo. E eu fiz minha parte, te trouxe aqui, é justo que você faça a sua.
Ele fala num tom casual, como se esse fosse um pedido corriqueiro, mas eu sei que há algo por trás disso. Sinto ele me observando, seus olhos analisando meu rosto, minhas ações. Tento ficar calma.
—Ah, tudo bem.
Não sei de onde tirei coragem para aceitar, mas me arrependo em seguida. Said chega ainda mais perto e me segura pelo braço, me conduzindo até o carro. Como sempre, ele gosta de dar as cartas.
Percebo em Said que ele não tem nada de refinamento ou gentileza ao me convidar para almoçar com ele. Eu sinto como se fosse uma intimidação silenciosa e isso abala o pouco de equilíbrio que tenho conseguido manter.
— Relaxe — Ele me fita de relance enquanto o carro pega a estrada. — Quero apenas conversar. Não somos inimigos, somos?
Eu forço um sorriso.
— Não. Claro que não.
Logo que o carro estaciona, visualizo o grande edifício feito de pedras medievais. Ah, por isso ele me trouxe aqui.
Said desce primeiro e abre a porta para eu descer. O lenço me incomoda, meu pescoço está úmido de suor, embora o carro esteja fresco pelo ar condicionado. Eu ergo um pouco o lenço para me refrescar. Sim, isso é a falta de costume.
Logo que entramos no restaurante, o Maitre nos indica uma mesa no canto. A temperatura está bem agradável, uma vez que o ambiente é claro e arejado.
Graças à Allah eu estou mais calma, considerando a gama de emoções que me domina. Quando nos sentamos, encaro Said do outro lado da mesa. Ele está com um lado de suas sobrancelhas ligeiramente levantada.
— Te incomoda o lenço?
Fico surpresa por ele ter notado o quanto me incomoda.
— Se você usasse um, veria o incômodo que é.
Said me desconcerta com seus olhos intensos sobre os meus. Por um instante o meu coração quase para. Uma sensação de alarme percorre a minha espinha, enquanto ele me observava em silêncio.
— Para uma moça árabe, você tem pensamentos bem rebeldes em relação a nossa cultura.
O comentário dele só serve para aumentar o meu constrangimento.
Eu deveria ficar com minha boca fechada.
Eu fecho a cara e o encaro séria.
— Apenas acho que é tudo mais difícil para as mulheres. Sou a favor da modernização dos costumes.
Said não consegue disfarçar a tristeza em seus olhos.
Said abalado pela minha opinião?
— Fale-me de você! — Ele pede de repente.
Agora era a minha vez de olhá-lo triste.
— Por favor, Said. Não gostaria de falar de mim...
O que mais me incomoda é que eu sei o fim da minha história. Eu e Said não temos futuro. Ele conservador demais. Isso me deixa triste, pois eu gosto dele. Mas é difícil voltar a viver nessa cultura.
O garçom nessa hora nos entrega o cardápio. Eu agradeço a Allah, e me escondo atrás dele.
— Já decidiu?
Eu coloco o cardápio na mesa.
— Sim, trufa assada, arroz com ervas e suco de abacaxi.
Said volta sua atenção para o garçom e pede o mesmo para ele. Como se quisesse perder tempo em pensar, como se comer fosse o menos importante e me estudar mais importante que um prato de comida.
Seus olhos pensativos pousam em mim, ele se recosta mais na cadeira. Allah! Ele consegue me deixar nervosa.
— Sabe, Adara. Estamos aqui, pois eu gostaria de te entender. Já pensou que isso é um passo para a sua liberdade?
A imagem de Naja com ele veio em minha mente e eu resolvo manobrar a conversa.
— E você? Naja não se incomoda de te ver acompanhado? Para quem segue os costumes do nosso povo, você tem um relacionamento bem aberto.
Ele abre um sorriso escandalosamente sexy, me deixando sem ar.
— Eu terminei com Naja. Não temos mais nada um com o outro.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Em seu lugar
Linda a história!!!!...