Um arrepio de apreensão percorre a minha espinha. A mesma sensação que eu tive quando ele me pediu para cozinhar da primeira vez. Eu o assinto séria e saio do carro.
Avanço para dentro da casa, quase correndo pelos corredores e me abrigo dentro do meu quarto.
Nervosa, pego uma camisola, embora seja apenas três horas da tarde. Estou me sentindo impotente, nervosa.
E agora?
Bem, Zafira poderia me ajudar. E a cozinheira com certeza não estaria de folga!
Sim!
Amanhã eu falarei com elas!
Não adianta tapar o sol com a peneira. Eu amo Said.
Sinto-me horrível por mentir para ele. Minha vontade é contar-lhe toda a verdade.
Encho a banheira e fico horas de molho, me sentindo infeliz. Começo a chorar, tudo explodindo dentro de mim, com ondas de desesperança.
Juro para mim mesma que serei forte, que enfrentarei tudo cada dia, e convencerei Said que eu estou mudada. Ri para não chorar.
No começo eu pensava na minha irmã, minha preocupação era que tudo desse certo. Mas o que me incomoda agora, é eu estar gostando de Said. Eu me pergunto: Como eu lidarei com isso?
Depois de me enxugar coloco a camisola e me deito na cama. Meia hora depois, ouço batidas na porta. Visto meu penhoar e sigo até a porta.
Não acredito nos meus olhos. Zafira e uma serva arrastando um rack de rodinhas com uma televisão e um rádio. Eu afasto meu corpo para elas entrarem. Elas o colocam em frente à minha cama.
A serva sai. Zafira me estuda.
— Você aos poucos vai amolecendo Said, ele liberou a TV e o rádio. Vocês estão dando o que falar. O que mais se corre nessa casa é o boato que Said está gostando de você. Desde que você chegou ele anda diferente.
Meu coração se aperta no peito.
— Diferente como?
— Irritado, agitado...Menina, você não estranhou o fato de Said sair com você hoje?
Eu dou de ombros para ela.
—Nem um pouco. Ele me levou ao hospital para ver uma amiga, muito querida e....almoçamos juntos.
— E você acha normal? Em que mundo você vive? Aqui não é o Ocidente, Europa, América!
Ela me deixa confusa, ainda assim, eu arrumo uma desculpa, que não era só para ela, era para mim mesma, pois a ideia parece absurda:
— Ele só queria entender tudo que aconteceu. Creio que ele achou que num ambiente diferente, eu me abriria mais com ele.
Ela coçou a cabeça.
— Não sei, eu conheço Said desde que ele era um adolescente. E as coisas estão diferentes nessa casa.
Eu estou preocupada com o carneiro assado, e desconverso:
— Zafira, amanhã teremos um jantar. Ele me pediu para fazer um carneiro assado. Você me ajuda?
— Não. Eu e Salma não podemos tocar no carneiro e nem dar palpites, ordens do patrão.
Eu sinto o sangue fugir do meu rosto.
— Está vendo como é coisa da sua cabeça? Ele me trata como uma empregada!
— Ele disse que é sua especialidade.
Eu fico sem falas.
— Bem. Vou cuidar da vida, antes que ela se encarregue de mim. —Ela diz e sai.
Ela sai do meu quarto e eu fico ali, estática, olhando para a porta. A minha firme determinação de ser forte não vale nada em relação a essa dura realidade para a qual eu não me preparei.
Como fazer algo que nunca fiz na vida?
Deve ter no livro de receitas! Amanhã me preocuparei com isso. E que Allah me ajude!
Resolvo colocar meu caftan e ficar mais apresentável, caso Said me procure. Sim, é certo que ele está diferente, mas uma coisa não mudou, ele age ainda como se eu fosse sua propriedade. Entra no meu quarto sem aviso e não pretendo estar despreparada caso ele resolva me fazer uma visitinha.
Depois de me trocar, ligo a televisão e como era de se esperar, eu só vejo as imagens. Não consigo pensar em nada. Os acontecimentos dos últimos dias, não me dão tranquilidade. E os últimos são piores.
Fazer um carneiro?
Quando o relógio marca seis horas da tarde, ouço batidas na porta, com a mão trêmula, eu a abro e me obrigo a respirar, mesmo quando vejo Said parado ali, tão lindo, me encarando com um meio sorriso.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Em seu lugar
Linda a história!!!!...