Improvável romance Capítulo 26

|KAYRA|

Encegueirada de ódio, rancor, e com os frangalhos da minha dignidade enfiados no bolso, saio daquela mansão soltando fogo pelas ventas, e jurando a mim mesma que jamais cruzarei o olhar novamente com o sujeito covarde que havia me usado e metido o pé sem ao menos me avisar como gente civilizada faz, e também de seu comparsa estúpido e arrogante na mesma proporção, que agiu de um modo horrível comigo .

Nunca mais, eu juro, nunca mais eu piso meus pés nessa região dos infernos!

Eu prefiro morrer do que voltar num lugar que somente trouxe raiva e humilhação para minha vida. Bem, é claro que também me proporcionou muitas horas de diversão e prazer antes da merda toda explodir no dia seguinte. Contudo, esse pequeno e insignificante detalhe não faz a menor diferença nesse momento enquanto estou caminhando com os pés descalços, a trajetória do vexame, pelo asfalto quente, com o coração pulando feito um louco dentro do peito, o suor começando a correr pelo pescoço, testa e costas, devido o calor absurdamente quente do sol que brilha com todo vigor do horário de meio dia, como se não se importasse nenhum pouco com a situação de vergonha na qual me encontro agora.

Ele continua lá, pouco se lixando para mim, na força máxima de seu esplendor e me fazendo suar feito uma chaleira em ebulição no fogo alto.

Não sei por quanto tempo ando com a sola dos pés queimando, porque me recuso a calçar os saltos altíssimos outra vez, pois certamente iriam me impedir de caminhar com mais tranquilidade. Talvez tenha sido metros ou talvez quilômetros, eu não sei ao certo, até chegar ao estacionamento onde havia deixado minha moto estacionada na noite anterior, mas enfim, após um certo tempo eu consigo chegar.

Não foi tão difícil encontrar o lugar novamente, mesmo que seja em um bairro o qual eu nunca havia frequentado antes, contudo também não foi a coisa mais fácil de se fazer no mundo. Porém, os minutos ou horas que levei para chegar aqui foram de alguma forma bastante proveitosos, pois me deram um tempo para remoer e processar em minha cabeça todas as coisas que me aconteceram até o momento.

Eram muitas informações, muitas questões internas, muitas palavras negativas e sentimentos conflitantes que borbulhavam dentro de mim e que queriam explodir a qualquer segundo. E então por fim tudo explode como uma bomba, imprevisível e incontrolável, no instante em que paro diante da minha moto, sobre a sombra de uma velha árvore frondosa, e caio de joelhos no chão sem forças para continuar me contendo.

Sem ninguém a minha volta para testemunhar meu momento de vulnerabilidade, eu choro copiosamente. Deixo as lágrimas rolarem sem controle por meu rosto e pingarem no chão, com o coração em pedaços e sangrando. Eu estou tão ofendida e magoada nesse exato segundo que nem sei colocar em palavras o que estou sentido com precisão, se alguém me perguntar.

Não é o fato de ser abandonada no dia seguinte após uma intensa noite de loucura que me ofende. Não, longe disso. Essa é a coisa mais normal e comum de se ocorrer hoje em dia por aí. Cada um segue sua vida para cada lado como se nada tivesse acontecido, sem esperanças, promessas ou ressentimentos. Não há um acordo pré-estabelecido ou um compromisso a ser firmado em situações descompromissadas como essa. Todo mundo que embarca na aventura de uma noite só, já entra nessa sabendo que não se deve esperar nada mais do parceiro, e por assim adiante, do que além de algumas horas de diversão e prazer.

E eu tenho plena consciência disso, nunca neguei tal fato. Eu sabia bem no que estava me metendo quando decidi arrastar comigo o homem de olhos azuis misteriosos e hipnotizantes após cruzar o olhar com o meu, para o banheiro daquela casa de festa chique. Nunca esperei nada dele depois daquilo, nem criei expectativas ou delírios de estabelecer uma conexão, que dirá de um relacionamento, com o mesmo. Na verdade, a razão pela qual eu havia escolhido uma pessoa que não conhecia, era justamente essa, de não manter contato com a mesma depois que tudo chegasse ao fim e cada qual partisse em direções diferentes.

Mas e quanto a cordialidade depois de horas de intimidade, isso não conta como parte da educação? O que custa ser uma pessoa normal e civilizada por somente alguns minutos e dizer: "Foi muito bom até aqui, mas agora tchau e se cuida, valeu"? Nada! Não custa nem uma mísera moeda. Apenas uma boa dose de educação.

No entanto, o que mais me marcou de forma dolorosa e quase traumática, foi a forma como fui tratada no dia seguinte por um mero pau mandado que recebeu ordens para me "me pagar pelos serviços prestados e me despachar com um forte pé na bunda" , como se eu não passasse de um objeto descartável e indesejável a ser eliminado com a maior pressa possível pelo forte risco de contaminação.

As palavras ultrajantes, as acusações pesadas, e os olhares de julgamento e repulsa que aquele segurança havia lançado sobre mim há poucos minutos atrás, ainda estão marcados em minha pele, gravadas em meu subconsciente e não param de girar a todo instante feito um disco velho e arranhado. Repetindo e repetindo.

É uma tarefa um tanto difícil me colocar de pé após chorar por minutos a fio, e sentir meus joelhos começando a ficar dormentes por permanecerem na mesma posição por um tempo considerável, mas eu consigo, com algum esforço e determinação me levanto outra vez.

Eu não posso continuar no chão me derramando em lágrimas e me lamentando pelo o que aconteceu pelo resto da vida. Foi horrível? Com certeza! Mas isso tem que ter um fim imediato. Por esse motivo, com o dorso das mãos seco o rosto molhado e respiro fundo para recompor minha compostura, e forço-me a me recordar quem eu sou. Qual é a minha verdadeira essência.

Uma lutadora. Que nunca desiste da vida.

Eu sou Kayra Pextton, uma mulher forte, bem-sucedida, ousada e destemida que não se deixa abater pelo caos ou por mais ruim que possam parecer as circunstâncias a minha volta. Eu posso até cair por um breve momento, contudo sempre encontro forças para me reerguer das cinzas como uma fênix, e seguir adiante sem me prostrar diante das adversidades. Então eu reajo nesse instante. Eu me ergo e me coloco de pé outra vez e volto a voar sobre as rodas furiosas da minha companheira inseparável. Minha amiga Harley-Davidson.

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