Improvável romance Capítulo 28

|KAYRA|

A segunda-feira chegou com o prenúncio de que as coisas seriam boas dessa vez. Com o sol a pino no céu, saí de casa bem cedinho para ir para o trabalho, e por mais incrível que pareça, até o trânsito que geralmente é um tanto caótico nessa cidade abarrotada de pessoa e veículos, não importa o horário que seja, estava uma maravilha de se enfrentar no percurso de hoje.

É claro que isso logo fez com que eu olhasse para tudo com uma pequena pontada de desconfiança, achando meio estranho as coisas estarem indo bem assim tão de repente, mas acho que isso deve ser algum tipo de compensação do universo, que teve pena de mim e resolveu aliviar um pouco a barra para o meu lado após ter vivido um final de semana de merda.

Bom, que continue assim então, eu é que não vou reclamar por esse motivo. É o que penso comigo mesma, enquanto corto o asfalto da estrada na velocidade máxima permitida pelas leis de trânsito, e sinto uma carga de adrenalina potencializar as energias já instaladas em meu sistema nervoso ao som do ronco barulhento da minha inseparável companheira de viagem e de vida.

Quando chego ao hospital, estaciono a moto na minha vaga reservada para funcionários, guardo as chaves na bolsa que carrego no ombro esquerdo enquanto faço o percurso até entrada do meu local de trabalho, sentindo um misto de sensações que intercalam entre ansiedade, nervosismo e apreensão sobre o que finalmente terei de encarar assim que colocar meus pés no recinto.

Com as palmas das mãos levemente suadas de tensão, seco o excesso no tecido da calça jeans e tento normalizar as batidas frenéticas e desajustadas do meu coração palpitante, no momento em que adentro as portas automáticas que se abrem para minha passagem, e sigo em direção ao elevador, passando rapidamente pelo balcão da recepção para cumprimentar a recepcionista com um breve bom dia, o qual ela retribui da mesma forma e com um sorriso educado no rosto.

Bem, a primeira fase já passou, agora resta saber o que ainda me espera pela frente durante o dia. Eu pondero com um suspiro de alívio ao entrar na caixa metálica sozinha vendo as portas se fecharem quando eu aperto o número do meu andar, e começo a subir sem a companhia de uma única pessoa ao meu lado, para quem eu tenha que disfarçar a inquietação que está me deixando um tanto agitada como normalmente não sou.

Assim que as portas se abrem novamente onde preciso descer, no terceiro piso onde minha sala está localizada, saio do elevador bastante atenta, com os olhos afiados e os ouvidos apurados ao meu redor, tentando captar qualquer burburinho ou ouvir algum comentário de como andam as coisas por aqui depois que eu havia ido embora repentinamente na semana passada. Contudo, eu não consigo descobrir nada durante o caminho até minha sala. Absolutamente nada, nenhuma novidade ou especulação chega ao meu conhecimento no curto percurso, e isso me deixa um tanto preocupada e curiosa.

Ao contrário do que eu imaginava encontrar quando fosse retornar, de modo que pensei que veria um ambiente bastante hostil e diversos olhares de recriminação e irritabilidade em minha direção, por causa da pequena confusão que havia acontecido entre eu e o Doutor Queen, a realidade parecia bem diferente agora.

De algum modo estranho e inexplicável, os admiradores de Gregory Queen não estavam me destinando olhares feios ou virando os rostos para ignorar minha presença. Pelo contrário, enfermeiras e seus amigos de profissão, não somente se comportaram de maneira educada comigo ao passarem por mim pelo corredor do hospital, como também foram simpáticos sem nenhum motivo aparente.

Eu hein... o que é que está rolando com esse povo louco? Será que todos foram infectados por algum tipo de vírus que transmite amnésia coletiva? É o que me questiono internamente com uma mistura de humor e pressuposição, e meneio a cabeça com um quê de incredulidade. Eu não confio em nenhuma dessas pessoas que parecem que simplesmente se esqueceram do ocorrido de repente, assim do nada, sem nenhuma explicação, e destranco a porta da minha sala para entrar.

Dou alguns passos em direção a minha mesa e pego o jaleco que havia deixado sobre ela de qualquer jeito pela última vez, e o visto agradecendo aos céus por não estar amarrotado, senão teria que buscar outro no armário para usar durante o expediente de trabalho. Sento-me atrás de minha mesa e começo a retirar para fora da gaveta algumas pastas contendo os prontuários que eu estava estudando na quinta-feira antes de partir, de alguns pacientes meus, que apresentam os casos de maior urgência, e exigem mais atenção por causa do fator tempo, que está se esgotando rapidamente em algumas situações.

Sei que eu não sou onipotente para curar todo mundo, infelizmente nem sempre todos os pacientes conseguem sobreviver a algumas determinadas doenças ou complicações decorrentes das mesmas, e por mais triste que seja, tenho plena consciência de que irão morrer nas minhas mãos. Todavia, não é por esse motivo que eu desanimo ou desisto de continuar tentando encontrar uma solução até o último minuto.

Eu permaneço firme lutando até o último suspiro de vida, até que seja determinada a hora do óbito, quando não posso fazer mais nada. Aí sim é que eu paro. Tenho que reconhecer minhas limitações, que sou apenas um ser humano, uma grande médica que dedica cada dia de sua existência para salvar vidas da melhor forma possível, mas que ainda assim pode falhar.

Desperto do transe em que minha mente devaneia por alguns minutos, quando duas batidas na porta interrompem o silêncio e o estado de paz em que minha sala se encontra.

-Pode entrar!

Eu respondo com a vista ainda abaixada e o olhar concentrado nos exames a minha mesa, ao mesmo tempo em que a pessoa do lado de fora adentra o local e se aproxima com passos leves e calculados, o que chama a minha atenção e me faz erguer as pálpebras para o alto no intuito de saber de quem se trata. Imediatamente sou atingida por um profundo arrependimento de ter mandado a pessoa entrar. Eu simplesmente deveria ter permanecido quieta e fingido que não tinha ninguém aqui, mas agora é tarde demais eu percebo quando reconheço o rosto diante de mim.

Mas que merda!

-Kayra, podemos conversar por um minuto?

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