|KAYRA|
O dia tinha começado ruim com a confusão ocorrida no saguão do hospital envolvendo o babaca da pior espécie, e tinha conseguido a proeza de piorar em alguns níveis a mais, quando o insistente doutor Gregory Queen veio me atazanar com o mesmo assunto de sempre.
Espero sinceramente que minha resposta firme tenha se encaixado de vez em sua mente, e sido a última vez que eu tenha dito a mesma coisa.
Não é não! E ele precisa aprender a respeitar minhas decisões sem questionar ou continuar insistindo na mesma tecla. Haja paciência para suportar isso.
Felizmente, apesar de tudo ter colaborado para estragar meu humor, foi somente eu começar a fazer aquilo que amo de paixão, que é exercer minha profissão e ajudar as pessoas, que o desenrolar do restante do dia se tornou bastante agradável.
Ainda não descobri nada no mundo mais gostoso do que isso, tratar cada paciente meu com atenção e cuidado, e melhor ainda, obter os bons resultados durante a recuperação do tratamento recebido.
Ver um senhor idoso ou uma pequena garotinha de apenas nove anos de idade, de pé, saudável e com um enorme sorriso no rosto pronto para retornar para a própria casa não tem preço! É uma felicidade que não cabe no peito. Desperta o desejo de mandar o código de conduta profissional para o espaço e partir para o abraço para comemorar aquela vitória.
Porque cada conquista, cada recuperação e o menor progresso perceptível já é uma grande vitória, pois não é sempre que todos os casos terminam de uma forma positiva. Ao longo dos meus muitos anos de serviços prestados, já presenciei muitas mortes, muitos familiares que perderam seus entes queridos para uma batalha impossível.
Manter-se frio e impassível diante da família ao noticiar algo triste como isso é a regra do hospital, da profissão em si na realidade. E mesmo que por dentro você se sinta um verdadeiro nada, um caco, totalmente quebrado e com um imenso desejo de chorar por não ter conseguido fazer mais nada para salvar aquela vida, você é um médico no final das contas, então precisa manter a compostura, aparentar ser forte, imbatível e inabalável.
Médicos...
Mas no fundo nenhum de nós somos nada disso. Somos apenas meros seres humanos, mortais, falíveis e que possuem emoções como qualquer pessoa normal. A gente só aprende na faculdade e durante os estágios a fingir melhor do que os outros, a camuflar os sentimentos debaixo do imaculado jaleco branco e de várias camadas de pele. Porém no fim é tudo mentira. Tudo uma grande farsa.
Eu sinto. Eu choro. Eu vivo.
E essa é a melhor prova de que estou vivendo e não apenas existindo. Me torna humana.
-Ei motoqueira fantasma, está livre agora?
Andy pergunta após dar duas batidas na porta e em seguida coloca a cabeça para o lado de dentro da minha sala, fitando-me com um olhar que diz está aprontando algo. Aí vem coisa! É o que penso.
-Estou sim, pode entrar Andy.
Respondo sem olha-la de volta, enquanto guardo na gaveta as fichas e prontuários dos pacientes os quais estava analisando minutos atrás sobre minha mesa. Já é noite e observo o grande volume de pastas contendo os casos em que estou trabalhando. Pois é, apesar de tudo hoje foi um dia bem produtivo se parar para pensar.
-Se Maomé não vai a montanha, então a montanha é obrigada a correr atrás de Maomé.
Ouço a voz de Marie Willous cantarolar docemente irônica, e isso me faz imediatamente levantar o rosto para encontra-la dentro da minha sala ao lado de Andy, com os braços cruzados me encarando em desafio.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Improvável
Amei...