Improvável romance Capítulo 51

|KAYRA|

-É claro que posso, Kayra.

Deklan responde puxando-me para dentro do conforto de seus braços acolhedores em um abraço apertado. Não sei se está muito evidente em meu rosto, mas eu não estou bem e ele percebe isso.

-Onde fica seu quarto?

Ele pergunta sem segundas intenções, ainda abraçado comigo, ao que eu murmuro uma resposta em tom baixo com a voz quebrada. Envolvendo-me pelos ombros, Deklan caminha ao meu lado levando-me para o aposento indicado, mas eu sequer presto atenção a nada durante o breve percurso de poucos passos. Apenas sinto a maciez do colchão abaixo de mim, quando o loiro me faz sentar sobre a cama, e em seguida se ajoelha a minha frente para tirar os sapatos dos meus pés, aliviando momentaneamente a sensação de aprisionamento dos meus dedos inchados que já estavam dentro do par de calçados fechados por várias horas.

Após ficar descalça, ele me faz levantar outra vez e me ajuda a livrar da calça moletom que visto, descartando-a em um canto qualquer do quarto. Depois disso, minha camisa é a última peça de tecido a deixar meu corpo, para logo em seguida o loiro me vestir com uma camisola fresca e levinha que se encontra há poucos centímetros de distância sobre o colchão, e eu retiro o sutiã por debaixo da mesma.

-Obrigada.

Eu murmuro fragilmente um agradecimento no momento em que Deklan me deita na cama, cobre cuidadosamente meu corpo com o lençol, e dá a volta para se deitar do outro lado de frente para mim.

-Você quer conversar sobre isso?

Callaham pergunta com a atenção voltada para meu rosto ao mesmo tempo em que seus dedos correm lentamente por minha face fazendo um carinho suave e delicado, e seu polegar se estaciona em minha bochecha onde começa a traçar círculos ternos e cálidos.

-Não... eu não...

Minha voz falha por um segundo, então eu desmorono e me desarmo de vez, sem conseguir continuar fingindo por mais tempo diante dele. Quando Deklan trás minha cabeça para seu pescoço, e suas mãos abarcam meus ombros em um casulo confiável e protetor perto de si, eu liberto o choro represado dentro de mim como uma cachoeira. Deixo fluir tudo, sem amarras, as lágrimas seguem livres por meu rosto e eu tremo violentamente de dor. Uma dor profunda, a qual faz minha alma gemer e sangrar. Dia e noite, por longos anos a fio. É uma ferida que ainda está escancarada, sem tratamento ou cura.

-A gente estava voltando de um final de semana incrível em nossa casa nas montanhas...

Sem saber o porquê, somente movida pelo impulso de colocar as palavras para fora, eu começo a narrar o pior dia da minha vida para o loiro.

-Estava chovendo, havia muita neblina e a estrada estava bastante escorregadia, mas papai decidiu que mesmo sendo arriscado o percurso de volta, deveríamos retornar para a cidade, pois eu tinha um exame muito importante que não poderia perder no dia seguinte.

Eu fungo, com o peito acelerado, os olhos pesados de tanto chorar, e uma dor de cabeça latente ao forçar meu cérebro relembrar de todos os acontecimentos tensos.

-E o pior é que eu... eu havia concordado com ele, e insisti, mesmo contra o receio da minha mãe em pegar a estrada chuvosa naquele dia. Eu disse que tinha estudado tanto para aquele exame que se o perdesse, perderia a oportunidade da minha vida. Mas veja só que ironia do destino...

Comento com uma risada irônica, com raiva de mim mesma por ter sido tão estúpida e não escutado o conselho da minha mãe que queria esperar mais algumas horas até que o clima se firmasse, e assim pudéssemos voltar para nossa casa na cidade.

-Eu realmente perdi tudo naquele dia, não só uma oportunidade bacana, mas algo muito mais valioso do que isso: a minha família inteira. Eu fui tão burra e inconsequente! Tão cabeça dura e teimosa como meu pai...

Eu confesso com o terrível amargor da consciência pesada queimando minha alma e espírito, sabendo que a culpa de nenhum deles estar mais aqui é inteiramente minha. Eu insisti em colocar minha família em risco por causa da porcaria de um exame! Um exame idiota e que se repetiria no ano seguinte novamente se eu o perdesse uma vez.

-Shiii... está tudo bem agora, Kayra. A culpa não foi...

-O carro perdeu o controle numa curva.

Eu o corto tendo plena ciência do que ele dirá, pois sei que serão apenas mentiras para amenizar minha dor e culpa.

-Papai até tentou manter a direção, mas não conseguiu. O veículo girou por diversas vezes na pista, derrapou no acostamento, e em seguida caiu numa grande ribanceira a nossa direita. Eu só pude ouvir o barulho dos metais da lataria sendo amassados, vidros se quebrando e o grito desesperado de Kath ao meu lado, até que de repente tudo cessou em um segundo, o carro bateu contra algo e parou de capotar. Havia um cheiro de fumaça muito forte misturado com as gostas pesadas de chuvas que invadiam por uma abertura em algum lugar que eu não conseguia enxergar na hora.

Todas as lembranças voltam a tona como uma verdadeira avalanche em minha mente. Eu recordo tudo. Cada mínimo detalhe. Cada som, o odor, a sensação de pânico...

-Estava tudo muito confuso, minha cabeça doía para caramba e ardia. Eu estava sangrando. Minha testa, clavícula e pescoço estavam feridos com alguns cortes devido aos cacos de vidro da janela que se quebrou do meu lado, e que naquele instante estavam cravados em minha pele. É por isso que hoje tenho a tatuagem do bastão de Asclépio na nuca, para cobrir a única cicatriz que não desapareceu por completo da minha pele. Eu quis esconder a marca da minha vergonha e culpa com tinta negra, dá para acreditar nisso? Como se uma simples tatuagem fosse apagar ou esconder a verdade do acidente que ceifou a vida de toda a minha família.

Eu resmungo sarcasticamente como se dentro de mim tudo pegasse fogo. Um fogo de raiva e revolta contra a Kayra estúpida do passado. Se eu não tivesse insistido naquela ideia absurda, talvez...

-Não se culpe, Kayra. Por favor! Destrói o meu coração vê-la tão mal desse jeito, se culpando por uma fatalidade que estava totalmente fora do seu controle.

Deklan ergue minha cabeça para que eu o olhe diretamente nos olhos quando diz, e por uma fração de segundos eu me pego completamente sedenta por acreditar em suas palavras. Mas então eu me lembro que ele não estava lá quando tudo aconteceu e que não sabe o que está dizendo. O loiro só que me consolar, amenizar o sofrimento da minha mente, quando não o deveria.

-Despois disso eu só me lembro de acordar num hospital e todos começarem a me chamar de "incrível milagre", afirmando que eu havia escapado com poucos ferimentos de um terrível e fatal acidente de carro.

-Ah, minha Kayra...

-Todos os outros morreram na mesma hora. Meus pais e minha irmãzinha Kath. Eles nem tiveram a chance se serem levados para o atendimento no hospital! E-eles... morreram lá mesmo, na chuva, no frio, nos destroços do nosso carro...

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