- Bom dia, Sabrina. Será que poderia descer logo depois que encaminhar uma atividade para sua turma? Eu preciso conversar com você e não dá para esperar.
Senti um frio na barriga. Eu estava fodida! Sabia que aquilo ia acontecer mais cedo ou mais tarde. E eu era culpada. Nem adiantava pôr a culpa no garoto. Deixei acontecer.
- Eu... Farei isso, sim. – Falei, subindo imediatamente.
Naquele dia eu não tinha aulas no terceiro ano, felizmente. E o fato de eu ser demitida não me faria envolver-me com Guilherme por não ser mais a professora dele. Nós dois... Simplesmente não podia acontecer. Porque Guilherme era um garoto.
Estava entrando na sala do primeiro ano quando o vi escorado na porta da sala do terceiro, mexendo no celular, com os pés cruzados, os tênis de marca estilizados.
O observei enquanto ele tirou os olhos do celular, me encarando. Eu deveria entrar na sala, mas fiquei um tempo ali, observando o garoto que me era proibido, mas ao mesmo tempo tirava meu sono e fez sentir-me viva depois de tantos anos.
Ele acenou e não disse nada. Retribui o aceno, sentindo meu coração bater mais forte e entrei na sala, fechando a porta.
Encaminhei os exercícios em dez minutos e desci, certa da minha demissão, com todas as minhas coisas já na bolsa, que levei comigo.
Bati na porta e entrei na sala. Sibila estava lendo alguns relatórios. Retirou os óculos vermelhos, com armação grossa, completamente harmonizados com sua roupa e pele e me encarou, fazendo sinal para eu sentasse.
- Quando decidi contratá-la, por indicação de Do-Yoon, confesso que não acreditei muito no seu trabalho. – Ela começou.
- Não? – Senti um nó na garganta.
- Achei você muito jovem para trabalhar aqui. E acreditei que lhe faltasse experiência.
Eu não disse nada, só fiquei olhando-a.
- Mas por consideração a Do-Yoon, optei por lhe dar uma chance.
- E eu... Agradeço. Desculpe se não correspondi às expectativas. Tentei dar o meu melhor, eu juro.
- Sim,... Eu sei. A questão é que vi desde o início seu esforço em prol da aprendizagem dos alunos e também sua boa relação com a maioria deles.
Arqueei a sobrancelha, curiosa e amedrontada.
- Hoje recebi algumas ligações, iniciando pela família de Guilherme Bailey...
- A mãe de Guilherme?
- Não... A avó. Disse que o neto está muito concentrado nos últimos dias, estudando com eloquência. E que inclusive tem planos para a faculdade. E afirmou que isso era por conta da professora de Matemática, pela qual ele tem uma carinho e respeito muito grandes.
Carinho, ok. Mas respeito? Gui não consegue me respeitar... Nunca conseguiu.
- Eu... Fico feliz em saber. Tenho tido algumas conversas com ele a respeito da faculdade... – Me ouvi mentindo descaradamente.
- A questão é que ela desligou o telefone e depois eu recebi mais exatamente três ligações de pais do terceiro ano também com intuito de elogiar a professora de Matemática.
- Isso é... Estranho. – Me ouvi dizendo.
- Achei também, inicialmente. Mas depois percebi que talvez você tenha feito a diferença na aprendizagem deles.
- Eu... Será? – Fiquei confusa.
- Conversei com o grupo que coordena o financeiro da escola e decidimos lhe dar um aumento de salário.
- Um... Aumento de salário? – Quase não acreditei.
- Sim. Você foi contratada não recebendo tanto quanto os demais professores, afinal, era uma iniciante. Mas seu contrato de experiência já está acabando, então creio que seja hora de deixá-la ainda mais satisfeita em trabalhar na Escola Progresso, contagiando mais e mais alunos na área da Matemática.
- Eu... Sou grata... Muito grata, Sibila.
- Seu próximo contracheque já virá com o valor que passará a receber.
- Obrigada...
- Agradeça aos seus alunos, minha cara. E continue fazendo a diferença na vida destas crianças. Agora pode ir.
- Obrigada mais uma vez.
Levantei e enquanto subia a escada, percebi o quanto eu estava sendo hipócrita. Sim, eu dava o meu melhor e até sabia que gostavam das minhas aulas e se interessavam por elas. Mas não podia fingir que aquilo não era coisa de Guilherme e sua liderança frente ao terceiro ano. Certamente convenceu seus amigos a convencerem os pais de que amavam minhas aulas.
O que ele queria de mim? Bem, na verdade eu sabia exatamente o que ele queria. E Sibila havia chamado eles de “crianças”. Se ela soubesse o que eu tinha feito com Guilherme Bailey dentro da sala de aula de terceiro ano, estaria desempregada. A notícia se espalharia. A avó dele quereria a minha cabeça. e eu nunca mais conseguiria emprego.
Precisava dar um basta naquilo, definitivamente. Meu emprego era o que eu tinha de mais importante naquele país e não podia perdê-lo. Eu não pretendia voltar a Noriah Norte nunca mais.
Dei minhas aulas e evitei o aluno do terceiro ano que tirava meu sono e sanidade.
Busquei Melody na escola e enquanto voltávamos para casa, ela disse:
- Mamãe, precisa comprar comida para o hamster.
- Eu vou comprar amanhã. Porque hoje a gente vai sair, docinho.
- Onde vamos?
- Jantar fora, só nós duas. Para comemorar.
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