Hassan
Não consigo falar, ainda estou com os pensamentos presos ao que aconteceu. Absorto em pensamentos negativos e aborrecimentos. A dor por tudo que vi e ouvi ainda é grande no meu peito.
Eu encaro Karina, vejo a preocupação em seu rosto.
— Não, esse sangue não é de Helena.
Ela estremece, pega a minha mão e me leva até o sofá.
— Vem, sente-se perto da lareira, você está gelado e parece em choque. O que aconteceu? — ela pergunta, angustiada.
— Helena estava por trás do assalto no hotel.
— Deus! Esse sangue é dela? O que você fez, Hassan?
Meus olhos vazios se tornam vivos e eu contesto:
— Não! Esse sangue é de Tarif.
Ela estremece. Eu me sento no sofá e me sinto bem com o calor aquecendo minha pele, meus ossos.
— O que aconteceu?
Eu encaro Karina e respiro fundo.
— Eu estava no escritório, quando meu celular tocou. No visor, um número desconhecido. Eu o atendi. A pessoa se identificou. Era Tarif, mas sua voz estava muito fraca, diferente. Ele me disse que precisava de ajuda, pois tinha sido alvejado na barriga por uma bala, mas que ele tinha conseguido fugir. Ele queria falar comigo, pediu por amor a Allah que eu fosse vê-lo e que, caso eu não o encontrasse com vida, ele me disse que Helena era responsável pelo tiro. Então me passou o endereço e disse que estava me aguardando dentro de seu carro, que ele estava muito fraco para dirigir, que tinha medo de perder a consciência se fosse até o hospital. Eu, na hora, saí do escritório e passei na delegacia.
Passo a mão nos olhos e começo a rever a cenas como se eu estivesse nelas:
— Dentro do carro da polícia, fomos a uma parte da cidade que eu nem sabia que existia. O céu estava mergulhado na escuridão, eu saí tão nervoso do escritório, que nem lembrei de pegar meu sobretudo, então o frio do inverno estava me deixando ainda mais nervoso, eu tremia muito. Quando chegamos ao local, o carro estava lá, parado; no vidro, um buraco de bala. Os policiais avançaram e avistaram Tarif todo ensanguentado. Como não havia perigo no perímetro, eles chamaram a ambulância. Tarif não queria falar com os policiais enquanto ele não falasse comigo. O que ele fez criou uma enorme cratera em nossa relação, destruindo tudo que fomos um dia. Mas quando soube pelos policiais que seu estado era crítico e que talvez ele não fosse sobreviver, eu me despojei de toda a minha mágoa e ignorância e fui falar com aquele que um dia foi meu amigo.
Começo a reviver as cenas como se estivesse lá:
Abro a porta e entro no carro, sento ao lado do passageiro.
— Tarif — ele abre os olhos. Quando ele me vê, seus olhos se enchem de lágrimas, e eu me emociono junto com ele. — A ambulância foi chamada.
Ele geme e estica sua mão ensanguentada. Eu a coloco entre as minhas.
— Rabbigh fir lee, Hassan! — “Perdoe-me, Hassan”.
— Não fale agora.
— Eu preciso. Eu preciso ouvir que me perdoa por tudo.
Eu baixo a cabeça em grande tristeza. Endireito-me no banco, e meus olhos encontram os dele.
— Eu te perdoo, meu irmão.
Ele se emociona, suas lágrimas correm abundantes.
— Helena tentou me matar.
Os policiais ouvem sua confissão e o questionam:
— Quem é Helena?
— Minha madrasta — eu digo, irado.
— Você pode confirmar isso, por favor?
— Helena Hajid Addull Ala armou comigo o roubo do hotel. Foi ela que pegou um convite na sua mesa e os clonou, e eu fui responsável pela entrega do convite para aqueles homens que entraram na festa. E, um dia antes, escondi as armas dentro do hotel.
Maldita! Os convites exclusivos eram distribuídos poucos dias antes para os convidados, justamente para evitar a clonagem deles. Eles foram entregues em minha casa e eu escolhi um e o separei. Raissa ficou de levar até a gráfica no dia seguinte, com a quantidade certa de convidados.
Os convites não eram nomeados, um erro, agora vejo.
O chefe de polícia me pede na hora o endereço de Helena para mandar uma viatura antes que ela fuja.
— Droga, Tarif. Por que você entrou nessa? — murmuro. — Por que não me disse que precisava de dinheiro?
— Helena descobriu que eu estava quebrado. Eu a encontrei no shopping e me abri com ela. Ela então me deu essa ideia, disse que roubaríamos de gente rica, que seria fácil como tirar doce de criança. Ela sabia que você voltaria naquele mês.
Ela sabe que para mim a filantropia é uma responsabilidade pessoal, na qual embarquei há mais de dez anos. É uma parte intrínseca da minha cultura. Por isso, toda vez que chego de viagem é de tradição fazer uma festa beneficente.
Ele geme. Eu o encaro. Ele geme novamente.
— Ela tentou me matar, cara — Tarif passa os dedos no rosto, que fica marcado com seu sangue. Ele sorri, mas sua aparência evidencia a gravidade da situação. — Ela marcou comigo a duas quadras daqui, dizendo que iria me ajudar a fugir. Mas ela me acertou. Aquela desgraçada me acertou.
Ele se encolhe de dor.
— Por Allah! — suspiro, quando vejo o quanto ele está mal. — Onde você ficou esse tempo todo?
— Em uma casa que Helena alugou para mim. Ela estava me mantendo até arrumar dinheiro para eu fugir — ele começa a chorar. — Eu confiei nela.
— Xara! — “Merda!”. — E eu não te contei como ela traiu meu pai? Confiar em uma mulher que conseguia dormir com ele todos os dias e encontrar seu amante no dia seguinte?
Ouvi as sirenes da ambulância. Olhei os policiais, que estavam gravando toda a nossa conversa.
— Eu estou morrendo, preciso me redimir.
— Cale a boca! — grito, apavorado com a possibilidade de Tarif morrer, e sou assombrado com um arrepio ao pensar nessa possibilidade. — Você não vai morrer, Tarif.
Ele chora e geme de dor, desesperado.
— Eu sinto muito… Não esperei que tudo acabasse assim. Lamento pela morte de seu amigo.
Eu balanço a cabeça e respiro fundo. Minha mão segura a dele com força.
— Está tudo bem — minto, me lembrando da morte de Robert Sheller. Mas ante a situação achei melhor dizer isso.
Sou afastado pelos enfermeiros, que o tiram com cuidado e o colocam na maca. Eles tentam estancar o sangue e começam a lhe aplicar os primeiros socorros, soro é colocado em sua veia, injeções de adrenalina para aumentar os batimentos, que estão fracos, mas ele tem uma parada cardíaca.
Meu coração se aperta no peito e eu clamo a Allah para que ele sobreviva, mas, mesmo com os esforços dos enfermeiros para reanimá-lo, ele morre ali, na minha frente.
— Hassan? — ouço a voz de Karina.
Eu olho para ela caindo na realidade do agora.
— O que aconteceu com Helena? Eles a prenderam?
— Sim, eles a prenderam. Quando ela atirou nele, Tarif, mesmo ferido, conseguiu fugir com o carro, mas ela achou que ele não sobreviveria, que o tiro na barriga fosse fatal. Nunca que ela imaginou que o moribundo ligaria para mim e eu avisaria a polícia.
— Então a participação dela no assalto foi fazer convites a mais para entregar para os ladrões?
— Sim. Raissa me disse que ela se ofereceu para ir até a gráfica. Como minha irmã estava estudando para as provas na universidade, não contestou. Mas como ela iria imaginar tudo isso?
— Você no fundo conseguiu sua vingança, ela ficará presa e talvez nunca terá acesso à herança.
Meu estômago embrulha.
— Sim, mas no momento não consigo me alegrar com isso. A cena de Tarif morrendo fica se repetindo na minha cabeça.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O Egípcio
Muito bom, amei....