O Egípcio romance Capítulo 75

Karina

Abro meus olhos com dificuldade. Agora acordo no mesmo horário de Hassan. Ele já está desperto, olhando para mim. Quando nossos olhos se encontram, ele sorri.

— Sabah alkhayr — ele diz “bom dia” na sua língua.

— Sabah alkhayr.

Ele se inclina e me beija, um beijo suave e profundo. Isso transborda meu coração de felicidade. O inverno está rigoroso, é difícil sair da cama sabendo que teremos de enfrentá-lo quando formos para o nosso trabalho. É sempre uma luta sair da cama.

— Você sabe que se quiser não precisa trabalhar, não é?

Eu sorrio.

— Sei, você sempre me lembra disso.

Ele suspira.

— É, eu sei. Às vezes acho que ainda não se deu conta disso.

— Não gosta de me ver independente? — pergunto, examinando sua expressão.

Hassan sabe que tenho um bom salário, se eu quisesse poderia morar sozinha em um bom apartamento. Eu só morei com meus pais por puro comodismo.

Ele faz uma cara desapontada.

— Não, não é isso. Eu quero o melhor para você. Temos tudo que precisamos, até mais do que podemos gastar, e você insiste em levantar cedo e sair nesse frio. Fico pensando quando você engravidar do nosso filho.

Eu estremeço. Não contei para ele ainda que tomo anticoncepcional. Na verdade, escondo muitas coisas para vivermos bem. Hassan parece tão pé-atrás com a vida, que ele pode enxergar coisas que não existem.

— Quando eu engravidar do nosso filho, vou continuar trabalhando. Gravidez não é doença.

— E quando ele nascer? Como será? — ele pergunta, preocupado.

— Eu não o deixaria com estranhos. É isso que te preocupa?

A minha resposta desfaz a ruguinha que formou na testa dele, mas ele não parece muito contente.

Sei que ele se segura para não mandar na minha vida, e sei que trabalho justamente para mostrar a ele que sou dona de mim mesma e que ao mesmo tempo somos uma só carne.

Hassan

Não quero pôr limites para Karina, mesmo que eu não concorde pelo fato de ela trabalhar ainda. Eu gostaria de ser o suficiente para ela se sentir feliz. Mas já vi que não sou.

Allah! Isso me desagrada. Não consigo evitar. Sei que é coisa de homem árabe.

Karina gosta do seu trabalho, é nítido isso. Toda vez que volto para casa, a encontro no estúdio que fiz para ela no meio de suas criações. Isso porque ela diminuiu sua carga horária de trabalho. Três horas a menos.

Ela me puxa e me beija nos lábios. Eu a beijo de volta, um beijo quente, ansioso. Não demora muito, eu me afasto, atordoado e embriagado. Tenho que controlar o desejo de fazermos amor. E a droga de tudo isso é que, apesar de poder chegar a hora que eu quiser no trabalho, tenho que respeitar o horário dela, e isso me faz sair logo da cama, duro como uma pedra.

Eh! O negócio é tomar banho.

Tomo um banho demorado, aos poucos vou acalmando o grandão.

— Habibi, estou indo. Salaam Aleikum.

Solto o ar resignado e respondo:

— As-Salamu Alaikum.

Karina

Chego ao trabalho oito horas em ponto. Demoro um pouco para sair do carro, ele está quentinho pelo ar-condicionado ligado. Essa Mercedes é novinha, Hassan me deu de presente logo depois que voltamos do Egito.

Entrei exatamente no momento em que Cleo está fazendo café no pequeno refeitório. Vou atrás de uma xícara, movida pelo aroma que ele deixou no ambiente.

Hoje levantei muito tarde, nem consegui tomar café com Hassan. Sempre nos demoramos muito à mesa. Bem, mas a culpa é dele, ele que não me acordou no horário, já que tinha acordado antes de mim. Penso carinhosamente, pois sei que ele me deixou dormir, pensando em mim.

— Bom dia, Cleo.

— Bom dia — ela despeja o café pronto em uma xícara. E a estende para mim. — Fiz agora.

— Eu sei, senti o aroma longe.

Ela sorri.

— Bem, vou agilizar meu trabalho.

Cleo, além de ser responsável por fazer o café, é faxineira. A loja tem que estar limpa até as dez horas, antes que abra. Já para as outras dependências ela não tem horário.

— Bom trabalho — digo.

— Para você também.

Tomo o café tranquilamente e como algumas bolachas. Quando estou saindo do refeitório, escuto barulho do motor de um carro. Olho pelas portas de vidro e vejo Vitor saindo de sua Mercedes.

Deus! O que ele está fazendo aqui?

Instintivamente, dou um passo para trás, mas ele me vê. Sua expressão muda imediatamente: ele me olha como um macho avaliando sua fêmea. Estaco e fecho a cara. Ele abre a porta de vidro e entra na loja.

— Bom dia — ele fala, em um tom ameno, e depois me dá um meio sorriso.

— Posso saber o que você está fazendo aqui?

— Te ver, falar com você.

— Vitor, não temos nada para falar.

— Deus! Você está tão diferente. Nem parece a mulher que eu um dia conheci.

— Verdade? Agora que reparou? Será que não se deu conta de que o que me fez mudar é isso? — mostro para ele minha aliança.

— Não vou te desrespeitar, não vou avançar o sinal. Não precisa me tratar desse jeito. Eu só queria falar com você. Eu precisava falar com você.

— Isso está errado. Você não percebe?

— Errado é você sair da minha vida assim.

— Eu nunca estive em sua vida. Nunca te iludi.

Vitor passa a mão nos olhos.

— Eu te amo. O amor é sofredor, é benigno; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

Que palavras são essas? Elas me assustam. No começo achei que tivesse escutado errado.

Ele está usando uma passagem bíblica para justificar sua vinda aqui?

— Fala do amor ao próximo, e não do amor carnal de um homem por uma mulher. Você esqueceu de mencionar que o amor não se porta com indecência, não busca os seus interesses. Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade — eu cuspo as palavras.

Vitor se aproxima muito rápido e toca a minha mão. Eu pulo, puxo-a para trás. Ele cheira à bebida.

— Vai embora, Vitor.

Seus olhos estão pesados, carregados.

— Parece um pesadelo. Em um dia eu não tinha mais você, em um mês você se casou. Deus! Eu me sinto traído. Será que você consegue entender?

— Traído? Mas não tínhamos nada um com o outro. E você sabe que ultimamente até a nossa amizade estava superficial, pois eu não queria alimentar suas esperanças — eu digo, angustiada.

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