No dia seguinte, acordo no horário e tomamos café juntos. Mas, como sempre, quando isso acontece, saio atrasada. Chego ao trabalho oito e vinte, a porta de vidro ainda está sendo instalada. Dois senhores estão trabalhando nisso agora. Fiz questão de pagar o conserto dela.
Eu deveria fazer Vitor pagar, mas não quero contato com ele.
Quando estou para sair do carro, percebo que não peguei minha bolsa. Peguei as chaves do carro, mas a esqueci na cadeira.
Droga!
Vou ter que pedir dinheiro emprestado para uma das meninas no horário de almoço. Frequento um restaurante aqui perto, vegetariano. Vou sempre almoçar com Ana, uma vendedora novata com a qual fiz amizade. Não peço para ela, pois vive dura. Ela gasta mais do que recebe. E, como estamos perto do pagamento, com certeza ela está só com o dinheiro do seu almoço.
— Bom dia — digo para os homens que trabalham na porta. — Espero que essa porta fique pronta antes das dez.
— Sim, estará pronta nesse horário.
— Que bom. Com esse frio não tem como trabalhar na loja. O ar-condicionado não dá conta.
Passo por eles e entro na loja. Detesto chegar atrasada. Sempre fui um exemplo de profissional para todas as costureiras que chegam junto comigo.
Perto das dez horas, vou ver como andam as coisas. As vendedoras já estão em suas posições, conversando entre si. Meu coração para quando vejo a Ferrari vermelha sendo estacionada em frente à loja. As meninas param de falar na hora. Hassan desce.
Ele está todo de preto. Sobretudo e cachecol cinza. Está carregando a minha bolsa. Um burburinho de vozes se ergue quando ele caminha em sentido à loja. A vendedora nova diz alto:
— Que deus grego!
— Ele é árabe — Ana diz, rindo muito, e todas riem.
Hassan faz careta ao ver homens trabalhando ali. E, depois de cumprimentá-los, passa por eles e entra na loja. O medo me golpeia. Meu coração salta de nervoso e caminho até ele, antes que ele faça perguntas querendo saber o que aconteceu.
— Bom dia — ele diz, com seu sotaque carregado e um sorriso no rosto, seus olhos me procurando. Quando ele encontra meus olhos, alarga seu sorriso e ergue a minha bolsa.
— Bom dia — todas dizem em coro.
Percebo que a vendedora nova, Vitória, não está acostumada com o furacão Hassan como as outras que já o conhecem e inclusive foram no meu casamento.
Vitória o olha quase em choque. Realmente, ele devasta por onde passa.
Garota! Tira os olhos, porque ele é casado. Deu vontade de dizer.
— O que houve? — Hassan pergunta olhando para a porta.
Não! Não! Não!
Todas ficam mudas, pois viram que eu não contei a Hassan, mas a garota nova, que não sabe que ele é meu marido, explica:
— Um amigo da nossa modelista saiu nervosinho e bateu com tudo a porta.
Eu paro no meio do caminho. Os olhos de Hassan voam para os meus. Eu respiro fundo. Caminho então até ele.
— Obrigada por trazer a minha bolsa — sorrio fraco e retiro a bolsa de suas mãos.
Os olhos escuros sob grossas sobrancelhas me revelam uma fúria muda. O contorno dos lábios não esboça nenhum sorriso ou outro movimento.
— Vamos até minha sala — digo a ele, antes que ele solte o verbo ali mesmo.
Posso ouvir sua respiração pesada atrás de mim. Entramos na minha sala e eu fecho a porta, e enfrento o rosto fechado de Hassan. A mandíbula dele cerra quando ele olha para mim, seu rosto está sombrio e ele solta uma palavra em árabe.
Palavrão?
Isso não é bom…
— Vamos lá, Karina, não me enrole, a única modelista que conheço nesta loja é você. Vitor Kalel Dylan esteve aqui ontem? Era por isso que você estava com aquela cara no jantar?
Deus, ele até sabe o nome completo de Vitor. Meu peito se aperta com a tensão que se formou entre nós.
— Sim, esteve, mas eu o coloquei para correr. Por isso ele malhou a porta com raiva na hora que foi embora e ela se quebrou.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O Egípcio
Muito bom, amei....