Tentei afogar minhas dores,
mas elas aprenderam a nadar.
Frida Kahlo
Um mês depois...
Meu jantar de aniversário aconteceu conforme o planejado. Vovó fez questão de participar de cada detalhe — da decoração até a sobremesa. Foi uma noite memorável. As pessoas elegantes, a comida saborosa e o vinho de uma safra especial deixou tudo perfeito. Mas o que realmente impressionou a todos foi o belíssimo conversível importado vermelho que vovó me deu. Realmente, eu não esperava. Mas fiquei muito grata e feliz, mesmo achando que ela não precisava ter me dado um presente tão caro.
Naquela noite senti muita falta do meu pai. Fiquei imaginando o quanto ele ficaria feliz ao comemorar o meu aniversário, eu adoraria que ele estivesse presente em um momento tão importante.
Sentada em minha cama, enquanto olho as fotos do meu aniversário que saiu em uma revista, eu penso em mamãe. Ela não me ligou para me dar os parabéns, nem para brigar comigo. Nada. Não deu nenhum sinal indicando que se importa um pouquinho comigo.
— Julhinha?
— Entra, vó — digo ao ouvir a sua voz do outro lado da porta.
— Com licença, querida — diz, colocando sua cabeça pelo vão da porta.
— Não precisa pedir licença, vó. Sente-se aqui. — Bato com a mão na cama ao meu lado.
— Está olhando as fotos da festa? — ela pergunta enquanto se aproxima com um largo sorriso de satisfação nos lábios.
— Sim, ficaram lindas — digo com sinceridade.
Vovó tira os sapatos e se senta ao meu lado, colocando suas pernas em cima da cama.
— Eu ainda não me acostumei a ter fotos minhas em colunas sociais — digo, arrancando uma gargalhada da vovó.
— Eu sei, minha querida, mas logo você se acostuma — diz com convicção. — Que linda! — diz vovó ao ver a pulseira em ouro branco cravejada com pequenos corações de diamantes.
— É sim — dou um sorriso, satisfeita. — Eu ganhei de Lucca — digo, meu coração apertado. Não consigo esconder a tristeza com a sua ausência.
— Eu sei, querida, também estou com saudades dele.
Assinto com a cabeça. Não sei o verdadeiro motivo que fez Lucca voltar para a casa dos seus pais. Ele havia me dito que voltar para lá seria a sua ruína, então, mudar de opinião tão de repente me fez pensar que deve ser algo muito importante que ele não quer compartilhar no momento. Eu não vou negar que sinto a falta dele e que torço para que as aulas na faculdade comecem logo, assim ele não vai demorar muito para retornar.
— Logo ele estará de volta, minha querida.
(...)
É véspera de Natal, vovó e eu estávamos dando os últimos retoques na decoração animadas com o jantar que ela irá oferecer para alguns amigos mais íntimos.
— Depois do seu aniversário, eu tenho te achado um pouco tristinha. O que está acontecendo, Julha?
No fundo, ela sabe que sinto saudade de casa, e de Christopher — só que esse ela nem imagina. Eu não sabia que sofreria tanto com a ausência dele. Foram muitas as vezes que me vi tentada a ouvir todas as mensagens que ele me enviou, ler as palavras de carinho com que ele descreveu seus sentimentos por mim, sei que seria um martírio, mas pelo menos eu o sentiria mais perto e, como disse Lucca, eu sofreria ainda mais. E ele tem razão nisso. Por que eu deveria mexer em uma ferida que havia criado uma casca, impedindo que eu sofra ainda mais?
Contar ao meu primo o motivo de muitas lágrimas que ele presenciou foi libertador. Eu precisava dividir isso com alguém, e ele é o meu companheiro, amigo que muitas noites me deixou dormir em sua cama enquanto era tomada pela tristeza. Eu não sei se suportaria passar por isso se não o tivesse comigo.
— Julha?
— Não se preocupe, vó, só estou cansada. Esses dias de festas me cansaram um pouco — digo e dou um pequeno sorriso.
Eu não quero chateá-la com os meus assuntos, sei bem o quanto lhe faz mal ouvir o nome, ou qualquer assunto relacionado à minha mãe.
— Querida, saiba que se você precisar conversar, não hesite em se abrir comigo.
— Obrigada. Vovó, eu quero te fazer uma pergunta, mas não precisa responder se não quiser. Eu vou entender.
— Pode falar, querida.
— O meu tio nunca vem aqui? Eu vejo como a senhora olha as fotos dele com tristeza — pergunto, desviando do assunto.
— Seu tio é difícil. Os anos passaram, mas ele continua o mesmo — fala com pesar.
— Mas e o Natal? Eles virão, não é mesmo?
— Não, querida, seremos só nós e alguns amigos. Julha, o seu tio prefere passar as festas na casa da sogra. De preferência, bem longe de mim. Eu não o julgo por isso, sei o quanto ele é ressentido por achar que eu amava mais o seu pai — diz, tristonha.
— Me desculpe por tocar nesse assunto, vó. — Pego suas mãos e as acaricio. — Um dia ele vai se dar conta do quão injusto tem sido com a senhora e saberá que amor de mãe é igual para todos os filhos, e que você o ama tanto quanto amava meu pai. — Um aperto se forma em meu peito ao ver os olhos da minha vó marejarem. — Não fique assim. Um dia ele se dará conta da mãe maravilhosa que você é e o quanto foi tolo por ter passado tanto tempo longe. — Eu a envolvo em meus braços em um abraço carinhoso antes de depositar um beijo em seu rosto.
— Fico tão feliz em tê-la comigo — diz, acariciando meu rosto.
— Eu também estou muito feliz por estar aqui.
Depois de passar o dia todo ocupada com a preparação do jantar da noite de Natal, exausta, suada e desejando insanamente por um banho, eu subo para o meu banheiro e encho a banheira, despejando sais na água. Assim que está cheia o suficiente, entro lentamente e sento-me, apoiando a cabeça na borda e relaxando quando o meu corpo fica coberto pela água norma. É exatamente isso que estou precisando.
Quando me dou conta, percebo que fiquei mais tempo do que gostaria dentro da água, que já está fria. Obedecendo ao clamor do meu corpo, eu pego a toalha dobrada que está em cima de uma peça de madeira ao lado da banheira e enxugo o meu corpo antes de colocar um roupão. Em frente ao espelho na bancada da pia, escovo meu cabelo e o prendo em um coque perfeito no alto da cabeça, em seguida faço uma maquiagem leve, realçando apenas os lábios com um batom vermelho-fogo.
No closet, coloco o vestido vermelho-cereja longo que vovó, com seu bom gosto, me ajudou a escolher. Ele é todo trabalhado em renda com pedrarias até o quadril, e a saia em seda possui uma fenda na altura da coxa. Calço um par de sandálias de tiras douradas de salto alto e me olho no espelho. Dou um sorriso satisfeito ao ver que estou linda. O inverno esse ano veio com força total, agradeço a Deus por terem inventado o aquecedor ou eu iria congelar com esse vestido. Para completar o look, coloco um par de brincos que vovó me deu.
Desço a escada sob os olhares de alguns convidados que já se fazem presentes. Sou recepcionada pela vovó, que ao se dar conta da minha presença caminha em minha direção com um largo sorriso nos lábios.
— Você está linda, minha querida.
— A senhora também está uma gata, vó — digo assim que desço o último degrau.
De braços dados, nós caminhamos entre os convidados. Docemente, vovó faz questão de me apresentar aos que não conheço. Obstinada, eu cumpro a minha missão ao sorrir amavelmente para cada um dos seus amigos. Não sei quanto tempo fico envolvida nas conversas sobre negócios sorrindo para quem insiste que devo seguir a carreira do meu pai na advocacia. Quando já não suporto mais os assuntos desagradáveis, eu me aproximo da vovó e peço permissão para me retirar.
Caminho me esquivando dos convidados, receando ser interceptada por alguém com perguntas invasivas sobre a demora de vir morar com a minha avó. Inconvenientes, é isso que são. Acabo chegando tranquilamente à cozinha, então me junto com a Carol e a Joana, que param os afazeres e olham para mim.
— Menina, você está parecendo aquelas atrizes de Hollywood.
Dou um sorriso tímido e faço uma pequena reverência em agradecimento.
— Verdade, agora só falta um príncipe — completa Carol.
Reviro os olhos e faço uma careta antes de mostrar a língua para ela, fazendo-a gargalhar.
— Agradeço o elogio, mas dispenso o príncipe. — Pego uma taça de espumante de uma bandeja que está em cima do balcão e tomo um generoso gole.
— Não dispense os príncipes, Julinha. Uma menina tão jovem e linda como você já tão descrente do amor?
— Algumas pessoas não nasceram para viver uma linda história de amor, acredito que eu sou uma delas. — Dou outro generoso gole em minha bebida.
— Não diga bobagens. — Ela balança a cabeça de um lado para o outro, não concordando com a minha afirmação.
— Senhorita Julha.
Eu giro e olho para o jovem garçom vestido com um uniforme impecável e com as mãos nas costas.
— Sim. — Pouso os meus olhos no homem, que me fita visivelmente envergonhado, parecendo não saber direito o que dizer. Inclino a cabeça para o lado e arqueio as sobrancelhas em um modo questionador, esperando que diga as palavras que lhe fugiram.
— Bom... é... eu... — ele limpa a garganta. — Sua avó a aguarda na sala com os outros convidados.
— Ah, claro, eu já estou indo.
O homem se vira e sai, então tomo de uma única vez a bebida da minha taça, deixando-a sobre a bancada para só então caminhar para a sala para me juntar aos convidados. Ao entrar na sala, percorro os olhos pelo ambiente em busca de vovó e não demoro a vê-la com um algumas pessoas ao seu redor.
— Querida, aí está você. — Um sorriso largo aparece em seus lábios ao me ver aproximar.
— Boa noite, senhores. — Volto a minha atenção aos homens que fazem parte do grupo.
— Nos deem licença.
— Por favor, senhora Thompson. — Os homens assentem com a cabeça.
— Com licença — digo e, em seguida, saio acompanhando a minha avó.
— Venha, querida, eu quero apresentar algumas pessoas a você.
De mãos dadas seguimos na direção de três pessoas paradas perto da lareira. Meus olhos contemplam uma belíssima loira de longas madeixas vestida com um tailleur verde-claro, um par de saltos altíssimos e um sorriso simpático enfeitando o seu rosto. O homem ao seu lado possui um corpo esguio e cabelo curto grisalho, um homem bonito, elegante e de muito bom gosto. Mas os meus olhos seguem para outra direção. Um rapaz, que só me dou conta dos seus belíssimos olhos azuis quando estou perto, também está muito bem vestido.
— Boa noite, Vincenzo — cumprimenta vovó gentilmente quando nos aproximamos.
— Senhora Thompson. — Rapidamente o homem coloca o copo na bandeja de um garçom que passa por nós recolhendo os copos vazios, enquanto outros reabastecem os convidados.
— Boa noite. — O homem pega a mão da minha avó por entre as suas e deposita um selinho estalado. — Vincenzo, deixe de formalidade. — Ela faz um gesto com a mão no ar como se estivesse espantando alguma coisa. — Elizabeth, como vai? — cordialmente, vovó cumprimenta a bela mulher.
— Eu estou bem, e a senhora, como está? — Cumprimentam-se com um breve beijo no rosto.
— Estou muito feliz, como podem ver — vovó diz e volta a sua atenção para mim. — É um prazer recebê-los em minha casa — afirma a minha vó, toda cheia de si.
— Nós é que temos a honra de fazer parte deste jantar maravilhoso — completa a bela sra. Vincenzo.
— Erick, meu menino de ouro.
Não controlo o ciúme que me atinge ao ouvir a minha vó o tratar com tamanha intimidade, então franzo o cenho e fito o belo rapaz, que cheio de si se aproxima da vovó, segura e beija suas mãos enrugadas pelo tempo com as unhas pintadas na cor nude.
— Boa noite, dona Iolanda. Eu quero me desculpar por não ter vindo ao aniversário da sua neta, tive alguns contratempos.
— Não importa, querido, isso é passado. O importante é que agora estão aqui.
O rapaz se afasta da vovó sem desviar o seu olhar de mim.
— Quero que conheçam a minha neta Julha. — Ela dá um largo sorriso, visivelmente feliz, ao voltar a sua atenção para mim.
— Meu Deus, é a Julha? — o homem pergunta ao levar as mãos aos lábios em espanto, o mesmo acontece a mulher ao seu lado.
— Sim. Vejam como a minha menina cresceu.
Sem entender nada, eu fico olhando para os dois me encarando, visivelmente emocionados.
— Julha, esse é o dr. Vincenzo, o melhor advogado desse país e amigo de infância do seu pai.
Fico boquiaberta enquanto procuro alguma lembrança do homem à minha frente, mas nada encontro. Seu olhar para mim é carinhoso, e mesmo que eu não me lembre dele, não consigo deixar de sentir uma carinho inexplicável por alguém que um dia foi especial na vida do meu pai, do meu herói.
— Eu e seu pai éramos amigos de infância, Julha. Depois que nos casamos seguimos caminhos opostos, mas ele foi o meu melhor amigo e sempre será. — Suas palavras me emocionaram. — Meu Deus, você é muito parecida com ele.
— É bom ouvir isso — digo com sinceridade.
O homem e sua esposa me cumprimentam com um beijo no rosto antes do seu filho se aproximar e fazer o mesmo. O perfume refrescante do rapaz faz com que os cabelos da minha nuca se arrepiem.
— Você era apenas um pequeno anjo quando eu e o seu pai nos afastamos. — Seu tom de voz soa amargo.
Por que será que uma amizade de tantos anos acabou? Algo me diz que tem mais nessa história do que ele está dizendo. Eu não me recordo de ouvir papai falar de nenhum Vincenzo em nenhum momento.
— E o que aconteceu para se afastarem? — Não controlo as palavras que saem da minha boca, então o silêncio ensurdecedor que se faz presente não me deixa ter dúvidas de que Katherine foi o motivo.
Fico alguns minutos conversando com a minha vó e o casal, que engatou uma conversa muito diferente da que estávamos tendo minutos atrás. Eu não insisti em questionar mais sobre a suposta participação da mamãe no término da amizade de longa data do meu pai e o homem que está à minha frente, mas em outro momento irei pedir que vovó me conte o que aconteceu. Não acredito que a minha mãe tenha feito algo contra esse homem. Desconfiada de que a descoberta do interesse de Vincenzo em minha mãe fez com que o meu pai se afastasse, faz com que o carinho que senti por ele minutos atrás desapareça.
A festa está animada e embalada pela pequena orquestra que vovó contratou para essa noite. Uma música romântica começa a tocar e Erick me convida para uma dança, então gentilmente eu aceito.
Não demora para que os fotógrafos que a minha avó havia liberado para participarem da festa comecem a tirar algumas fotos minhas com Erick, incomodando-me um pouco. Eu gosto de tirar fotos entre amigos, em porta-retratos e nas minhas redes sociais, não com pessoas invadindo a minha privacidade.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: O Padrasto 1
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