LAIKA
Avancei ainda mais mata adentro. O verde ali era de uma exuberância quase onírica, um lugar que meus olhos jamais haviam contemplado, mas que se mostrava sereno e lindo. Uma paz suave tomou conta de mim, e o aroma que impregnava o ar era celestial. Abri os braços e inspirei profundamente. Eu me encontrava sozinha e avistei incontáveis frutas pendendo dos galhos. Estava feliz ali; ninguém poderia me ferir, ninguém me odiaria naquele refúgio.
Ainda assim, logo percebi que algo me faltava, como se uma parte de mim não tivesse vindo junto. Ao percorrer o labirinto da memória, perguntei-me onde eu estava e como chegara ali. Era de Karim que eu sentia falta.
Onde ele estaria? Deveria estar ao meu lado. Aquele era um lugar magnífico, longe de todos os problemas que poderíamos enfrentar. Girei sobre os calcanhares, procurando por ele. Ele prometera que não me deixaria.
— Karim? — Esperei ouvir o habitual “Sim, meu amor”, mas apenas o eco da minha própria voz me respondeu, seguido pelo silêncio.
O desespero começou a me dominar. Continuei chamando por ele enquanto vasculhava a mata. Karim não podia me deixar. Não podia me abandonar daquele jeito. Meu coração pesava, mas nenhuma lágrima escorria pelo meu rosto. Nessa busca, afastei uma touceira de folhas e deparei-me com uma bela mulher de cabelos negros parada à minha frente. Estanquei. Havia algo de familiar nela.
— Quem é você? — Perguntei.
Ela apontou para a minha esquerda. Segui o gesto e avistei um rio cristalino. Tornei a fitá-la, sem entender o que pretendia ao mostrar-me aquele espelho d’água límpido.
— Venha — disse ela. A voz soava como o eco de muitas vozes. — Venha. Vou lhe mostrar quem sou.
Acompanhei-a sem hesitar até a margem. Quando chegamos, vi nossos reflexos na superfície imóvel da água. Ela assemelhava-se a mim, exceto pelo cabelo escuro — o meu era branco — e pela idade mais avançada. Sorriu-me através do espelho líquido.
— Mamãe? — Chamei, num sussurro.
— Você me achou linda quando me viu pela primeira vez. Por que não se considera bela?
— Porque Alfa Khalid disse que sou feia.
— O que você vê? Agora você está de volta em casa, minha filha, e ninguém mais vai chamá-la de feia.
— Em casa?
— Sim, minha querida. É hora de descansar de toda aquela tormenta. Você cumpriu seu propósito e desvendou o que nós não conseguimos.
— O que é isso?
— Fogo. Agora, minha filha, deixemos para trás guerras, lutas e tortura. Este é um lugar de paz, e eles a estão esperando.
— Quem está esperando por mim?
Ela apontou para a direita, e ouvi música e o som alegre de celebrações. A curiosidade atiçou-me.
— Você é uma Ômega, e chegou a hora de conhecer os seus. Venha. — Ela estendeu a mão, e eu deslizei a minha na dela. — Venha comigo, não tema, criança. Agora você está em casa e é bem-vinda.
“Meu amor, eu sei que você pode me ouvir. Preciso que volte.”
A voz de Karim ecoou às minhas costas; virei-me num sobressalto na direção de onde viera.
— Karim? — Chamei.
— Ele não está aqui, minha filha. Não pertence a este lugar. — Declarou minha mãe, conduzindo-me, ainda, para o som distante.
Continuei a seguir minha mãe quando a voz dele ecoou outra vez.
— Se puder me ouvir, eu preciso de você, por favor, volte.
— Sim, minha querida. Aqui não existe dor nem sofrimento. Você devia ficar também.
— Se puder me ouvir, Laika, eu preciso de você. Volte para mim.
Soltei as mãos de meu pai e voltei-me na direção da voz de Karim.
— Laika, eu sou razão suficiente para você viver.
— Karim! — Gritei, olhando ao redor da multidão em festa.
— Por favor, não nos deixe, minha filha. — Chorou minha mãe. — Quero ser mãe para você, dar-lhe todo o carinho que merece.
— Por favor, querida, escute sua mãe. Fique conosco. — Implorou meu pai.
— Laika, eu preciso de você, Karim precisa de você. Sei que pode me ouvir, meu amor.
— Karim. — Chamei, seguindo o timbre da voz dele.
Minha mãe rompeu em pranto. Detive-me, olhei para trás e voltei até eles.
— Mamãe, papai, estou imensamente feliz em ver vocês. Obrigada por lutarem por mim. Mas agora não posso ficar. Preciso ir até Karim; ele precisa de mim. Esteve ao meu lado desde que nos conhecemos, e agora quero estar ao lado dele também. Vou vê-los outra hora. Tchau, mamãe. Tchau, papai.
Minha mãe ainda chorava quando os deixei e mergulhei de novo na floresta.
— Karim!

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