A sensibilidade era algo horrível durante a gestação. Eu me sentia pesada, desconfortável e redonda. Não conseguia dormir do mesmo jeito que Dom, apesar dele também ter ficado boa parte da noite preocupado. Foi custoso me levantar sem acordá-lo, mas consegui chegar no banheiro, passar uma água na nuca e respirar um tanto cansada. Nada que eu fizesse me deixava menos paranóica, principalmente depois das ligações de Sore.
— O que ela quer com meu bebê? — para mim a resposta era única, tirar ele de mim.
Eu tinha meus pés do tamanho de um pão, o rosto levemente arredondado e a boca uma gota mais carnuda. A “Boca de xana", como dizia o ruivo, estava mais próxima de parecer com uma bisnaga a cada dia. O que Iron acharia se me visse assim? De repente, nem deu tempo de sorrir, eu já suspirava pesado de novo, sentindo a canseira da gravidez um pouco maior.
Eu saí do banheiro com um turbilhão de pensamentos, fechei a porta que rangia, mas o fiz devagar para o barulho ser baixo. Quando levantei o olhar, escutei um barulho muito parecido com um osso quebrado, senti os pelinhos da minha nuca arrepiar e vi um corpo cair logo à frente, ao lado da estante da TV.
É claro que eu pensei em gritar instantaneamente, mas eu travei na sombra atrás do corpo, escondido pela penumbra. A luz do luar iluminava apenas a beirada dos pés, de botas grossas e escuras, e eu não conseguia ver nada acima de suas canelas. Meu coração estava disparado, meu corpo não parecia querer responder a nenhuma reação e eu sabia que ali não era hora pra se ter uma crise. Foi quando coloquei a mão debaixo da barriga e gemi desconfortável, fechei os olhos e chamei pelo ruivo.
— Dom… ! — soltei baixo, respirei fundo e elevei a voz — Dominic!
O ruivo estava com shorts largos de dormir, o peito desnudo, os cabelos bagunçados e abriu a porta do quarto, acendendo a luz às pressas. Quando olhei pro lado do corpo caído, tapei minha boca quando o grito involuntário saiu. Não era apenas um corpo, mas três.
— Que merda! — Dom foi rápido, tentou me ajudar a chegar até a cama, pegou o telefone, se armou e saiu sem nada dizer.
— Foi só um susto… — dizia para mim mesma sentindo o desconforto aumentar — Ainda não está na hora de nascer, meu amor… — chorei, respirei fundo e alisei a barriga grande que o pijama não escondia mais — Já passou, passou…
Dom abriu a porta de volta, passou as mãos pelos cabelos e escutou alguém no telefone. Ele se sentou do meu lado, não respondeu a ligação e me ajudou a me acomodar massageando minhas costas.
— Viu alguma coisa? — perguntou, preocupado.
— Vi. — respondi fazendo uma cara feia, sentindo a dor de novo — Bom, eu não vi. Não exatamente.
— Viu ou não viu?
— Eu não vi, estava escuro e eu não quis acender as luzes pra te acordar. Você demorou pra dormir. — ele me ouvia com atenção — Só sei que quem estava ali, matou aqueles homens. Eu só saí do banheiro, chamei você e o homem sumiu. É a Sore? — ele pareceu pensar — Dom, a Sore está tentando matar a gente?
— Não. — ele suspirou — Aqueles caras são inimigos do Espano. Briga territorial. Um dos últimos trabalhos que eu e o Mars fizemos, foi derrubar um esquema barra pesada e isso era um dos gatilhos pro Espano ir adiante. — ele pareceu pensar — Toda vez que um plano é bem executado, você vira o alvo. Aqueles caras queriam me pegar. Se foi Sore ou não, quem estava aqui dentro livrou a gente.
O barulho do pescoço quebrando, a imagem do corpo caindo e a sombra modulada no escuro vieram à tona. Foi eu pensar na sombra grande e a barriga doeu de novo, eu gemi outra vez e cerrei os dentes.
— Parece que tá piorando… — gemi, enquanto ele se sentia perdido, com três corpos na sala, um telefone na cama e uma grávida dolorida.
Uma batida na porta parece que foi a esperança dele, e a minha também. Sandra estava com uma bolsa de lado, o olho um pouco inchado e acabeleira cacheada presa num coque escondido. Não perdeu tempo, segurou minha mão e se sentou do meu lado.
— Onde dói? — eu passei a mão no baixo ventre e gemi, pedindo pra ela massagear minhas costas — O susto deve ter sido horrível dessa vez, porque eu acho que as suas contrações estão começando.
— Quatro semanas antes do previsto? — questionei — Eu já tive susto piores. Onde está a Thayla?
— Ela está bem, se preocupa com você. Eu vou falar com o ruivo e…
Do you know the enemy?
Do you know your enemy?
Well, gotta know the enemy (right?)
(Gren Day)
Sandra nem mesmo conseguiu terminar sua frase quando a janela virou mil estilhaços pro lado de dentro e ela foi obrigada a se jogar para o lado contrário, enquanto eu apenas gritava e me virava na cama. Naquele momento eu me recordei das batidas de uma música americana que gingava com uma batida ao estilo punk rock, nada parecido com o clima de morte latina, apenas porque achei que “conhecer o meu inimigo” seria essencial nesse momento, já que não fazíamos ideia do que estava rolando.
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