Adaptação é um trampo foda, mas dá pra fazer. Eu estou dividindo apartamento com uma garota, eu estou num trampo de fachada e trabalho no “pesado” se for solicitado. Eu acho que dá pra levar isso até a poeira abaixar, acho… A oficina é um ponto específico do Espano, lá só trabalha o pessoal barra pesada. A fachada é de carros, mas o administrativo é de morte.
Uma semana se passou e meu novo companheiro era Mars. Negro, de sorriso branco, durão e esperto. Foi amor à primeira vista, só que não. Espano colocou a gente na mesma dupla de propósito, ele também é um ex-fodiddão do exército americano. Ou seja, tínhamos assuntos em comum.
Eu puxava o peso de uma lataria de um lado e ele do outro, a gente tentava não falar muito do passado, mas no fim, esse era nosso ponto. Não tinha como fazer tricô do nada…
— A garota, é tua? — perguntou soltando a peça no chão e tirando a luva grossa da mão.
— É complicado. — apoiei a mão na cintura e suspirei cansado — É da irmandade. Meu parceiro já era, ela está supostamente esperando um filho dele e…
— Sei. — ele suspirou tirando o suor da testa, alisou a careca brilhante e olhou pros lados — Eu vim com a minha irmã. Fiz isso antes de perder ela. Foi uma merda…
— Quantos anos?
— 16. Me sinto um pai irresponsável. — eu dei risada, cortando o clima — Não ri, não é engraçado.
— Engraçado é a minha vida. Quer trocar? — falei, exatamente quando Érina apareceu na porta vestida como uma latina, brincos de argola e os cabelos soltos. Ela segurava uma sacola com um laço em cima e olhava pra numeração da loja pra ver se achou o lugar correto. Foi então que meu parceiro abriu o sorriso e só aí me entendeu. — Viu? Ela já está me trazendo marmita. Mas eu só posso comer a marmita…
— Ah, oi… — ela sorriu tímida, eu me aproximei e ela esticou a sacolinha com a quentinha dentro — Achei que não estava no lugar certo, foi mal.
Eu apresentei Mars, caminhamos até a entrada, sentamos no degrau de passagem e eu fui me alimentar. Não se passou muito tempo, quantos dias? Duas semanas? Eu só agradeci. O trampo estava perto, os serviços não são tão barra pesada e é uma questão de tempo para se adaptar às mudanças.
— Você gosta disso? — perguntou ajustando a saia e sentando ao meu lado enquanto eu já tinha socado duas colheres grandes na boca — Responde depois que engolir.
Eu dei um sorriso maneiro, vi a donzela se derreter com o frango no meio dos meus dentes e fiz questão de responder com o arroz no meio da língua. Eu era “seduzente” até com dois quilos de rango na boca.
— Gosto. Mexer com carro é terapia. — ela revirou os olhos e eu continuei comendo — É uma barulheira desgraçada, eu vejo músculos o dia inteiro e os caras me amam. Mas sabe como é, as gatas piram.
— Eu disse pra engolir. — respondeu rindo, o que deixou o clima melhor, até ela mudar de assunto — Briana perguntou de você de novo.
— Quer que eu coma aquilo ali? — resmunguei, enchendo a boca pra me manter ocupado.
— Não fala assim. — retrucou desapontada — Ela é bonita e está interessada.
— Eu gosto das minhas punhetas, me impede de foder a merda errada, alivia a pressão e não me causa problemas.
— Você anda se mas…?
— Epa. — cortei seu pensamento, enquanto ela fazia uma cara torta, sem saber se era nojo ou se ela se divertia com meus segredos — Esquece ela. Deixa eu te explicar, você chega numa área nova e alguém tenta se colocar no teu trajeto. Briana é o típico bonitinha que dá para obter informação e repassa o que pode. Tá cheio dessas merdas. Acredite, essa ideia de achar que você é minha "Irmã" é um sinal verde. Ela quer chegar pra colher maduro. Não temos nada de parecido.
— Já me contou isso, mesmo assim… — ela afinou os olhos e mudou de assunto — Você está se masturbando com que frequência?
— Esse rolê está esquisito. — resmunguei enchendo a boca, fazendo ela ficar com as bochechas cor de rosa.
— Você que começou. — reclamou se justificando.
— Certo. Nada de Briana. — cortei o clima tenso — E aí, o que rolou hoje?
— O de sempre. Lavei suas cuecas, jurei enfiar sua cara na privada quando achei respingo no vaso, fiz o almoço, comi sozinha…
Eu dei pra ela uma piscada, deixei a marmita vazia de lado e alisei minha cabeleira ruiva e lisa, com o corte raspado dos lados. Fiz minha melhor pose e conquistei a gata.
— Qual é, gracinha? Estou marcando território.
— E eu preciso marcar sua cara, só pra aliviar a tensão. — minha melhor pose falhou miseravelmente.
— Eu curto uma violência… — ela riu e eu me senti uma marica fuzilada, tentando fazer gracinha e sem sucesso.
Arrumei o pote, fechei a sacola e sorri agradecido. Mas ela parou de rir, ficou me olhando com aqueles olhos azuis parecendo que iam se encher de água, de novo. Era uma merda não entender o rolê. O que estava acontecendo? Porque, demônios, ela ia chorar?
— Deu positivo. — soltei o pote no chão e vi ela se amontoar em meu peito.
Eu tinha cada músculo do meu corpo enrijecido. Duro e tenso. Foi rápido e mal deu tempo de pensar, até que fechei os braços cobrindo a miudeza chorona, apoiei meu queixo sobre o topo da sua cabeça e ouvi seu choro abafado, molhando minha camisa. Não consegui mais bancar o senhor engraçadinho… Não dava. O assunto era sério, pra nós dois.
— Dom! — eu olhei para trás e vi Mars me gritar — Ligação do Espano. Tem trampo pra gente.
Eu olhei para Érina, ela apenas concordou. Só deu tempo de beijar a sua testa e partir.
[...]
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