*conto descaradamente inspirado na temporada 4 de Stranger Things*
Eu estava tão empolgada com minha primeira reunião com a irmandade Delta Capa, depois de me esforçar tanto para entrar que não questionei o ponto de encontro, mesmo sendo do lado oposto do campus. Andei apressada pelo pátio externo enquanto arrumava o conjunto curto de cropped e saia de pregas no estilo preppy, apesar de não estar tão frio coloquei o traje completo, com o moletom universitário por cima.
Empurrei a porta de ferro com toda a força e entrei de uma vez, o local estava escuro e aparentemente vazio, pelo menos foi o que pensei até meus olhos se acostumarem com a pouca luz. A porta bateu atrás de mim me fazendo pular com o susto.
- Olá? - chamei enquanto corria os olhos pela sala - Candance?
- Lamento dizer, mas Candance não está aqui.
Meus olhos foram direto para o cara parado no fundo da sala, quase totalmente nas sombras, me virei para a porta mas antes que eu alcançasse a maçaneta, ouvi risinhos e barulho de metal, como correntes arrastando, quando puxei a porta não abriu, estava travada pelo lado de fora.
Me virei com as costas coladas no metal, ficando o mais longe possível dele.
- Elas precisam de mais criatividade, não acha? Todo ano a mesma coisa.
- Quem é você?
- Eu? - ele riu exagerado enquanto dava alguns passos à frente - sou o bicho papão dos calouros.
Ele não precisava responder, eu já tinha ouvido falar dele, Donovan era inspetor, mas passava mais tempo vendendo drogas para os alunos que trabalhando.
- Elas me enganaram - abaixei a cabeça envergonhada com minha ingenuidade.
- Hei, calma. Você ainda está dentro, é só um trote com as novatas. Trancam vocês aqui na primeira reunião e só abrem a porta quando acabam.
- Sempre?
- É, se serve de consolo, elas não sabiam que eu estava aqui.
- Vão me soltar depois da reunião?
- Foi o que eu disse. Você é meio lerdinha, não é?! - ele abriu o maior sorriso mas não de um jeito maldoso - como conseguiu entrar na faculdade?
- Hoje é sexta, a reunião dura quatro horas.
- Então, é melhor sentar.
Ele se sentou em uma poltrona baixa e larga em frente a uma mesa quadrada, abriu um caderno e começou a fazer anotações.
- Você parece muito tranquilo para alguém que está preso em uma sala por quatro horas.
- Ficar com raiva não vai fazer a porta abrir, além disso eu vou ficar aqui mais tempo que isso.
Donovan começou a fazer anotações a partir de um outro livro sobre a mesa, concentrado por algum tempo, parecia até ter esquecido que eu estava ali. Ele pegou um dado com muitos lados e jogou pela mesa.
- Isso! - comemorou.
Me aproximei devagar, curiosa com o que ele estava fazendo. Na mesa havia um mapa com algumas coisas simulando montanhas, cavernas e rios, três dados e algumas notas.
- RPG?
- Você conhece? - Donovan levantou os olhos para mim, parecia surpreso - eu monto as campanhas para os alunos de T.I., eles tem um clube ou algo assim.
- Tenho um primo que joga, nunca entendi muito bem.
- Não é tão fácil, mas se tiver tempo - levantou uma sobrancelha - posso te ensinar.
- Quatro horas é suficiente? - tentei continuar a piada.
- Não - Donovan respondeu com seriedade - mas pode me ajudar a criar a aventura.
- Do que precisa?
Ele levantou os olhos para mim, estavam enormes e brilhantes, visíveis mesmo a pouca luz e havia tanta paixão na sua voz que me fez sorrir.
- Precisamos de um vilão.
- Acho que gosta dessa parte.
- É minha preferida - ele fez sinal para me aproximar, dei a volta na mesa e me coloquei ao lado da poltrona - quer jogar o dado?
- Eu não sei, parece importante para você - respondi mesmo estando louca para fazer aquilo.
- Tome - disse colocando um dado vermelho com muitos lados na minha mão.
Joguei sobre a mesa e nós dois prendemos a respiração até que parasse no número 17. Donovan abriu o livro virando as páginas até o tópico de mesmo número.
- Certo, conquistador humanoide.
- Humanoide?
- É, pode ser um elfo, homem, anão.
- Bruxo?
- Bruxo? Boa - não sei se era realmente uma boa ideia mas ele aceitou, pegou outro dado e jogou, antes de repetir o processo com o livro - motivação, motivação... aqui. Dominação.
Um trovão alto reverberou pela sala me fazendo gritar e com o susto, pulei sobre Donovan, me agarrando nele.
- Desculpa - disse sem soltá-lo.
- Tudo bem, é mesmo assustador, pode ficar aqui se quiser - ele me ajeitou em seu colo, me deixando sentada sobre uma de suas pernas, foi uma proximidade repentina mas confortável e apesar do contato, não parecia maliciosa - falta algumas etapas, mas tudo bem se quiser parar.
- Não, eu quero - disse pegando o dado e o rolando, número 12. Peguei o livro e o abri.
- Página 205, o reino da criatura.
Localizei o número certo.
- Templo pantanoso.
- Nossa, vai ser uma campanha e tanto.
Eu sorri e olhei para ele, Donovan era bonito mesmo que seu cabelo fosse mais comprido que o meu e ele se vestisse como um headbanger, ainda mais olhando tão de perto.
- Como ele se chama?
- Estamos criando agora, tem alguma ideia?
- O livro não diz?
- Esse é um guia, mas muito saí daqui - ele bateu com o dedo na minha testa - e daqui - disse encostando o indicador no meu peito.
Comecei a achar que o vilão era ele, me hipnotizando com seus olhos escuros.
- Maléfios?
- Porque?
- Parece assustador - dei de ombros.
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