- AFRODITE -
Oligodrâmnio , em outras palavras : perda de líquido amniótico .
Foi o que eu tive .
Minha gravidez se tornou de risco por causa de vários fatores mas o principal deles é um pequeno furo na minha "bolsa" pelo qual saiu uma boa quantidade de líquido amniótico, aquele responsável pelo bom desenvolvimento dos meus bebês .
Meu parto que já era esperado pra 35° semana de gestação por se tratar de uma gravidez múltipla foi antecipado pra 30° , ou até menos . Tudo vai depender de como meus bebês vão reagir ao pouco nível do líquido essencial pras suas existências.
Se vão sobreviver a mais essa ...
Deslizo minha mão por minha barriga agora murchinha sentindo falta dos movimentos dos meus guerreiros e respiro fundo.
Juro , estou tentando ser forte e positiva depois de tudo o que aconteceu mas eu não tô conseguindo , o medo de mais alguém próximo a mim partir me assombra intensamente .
E isso pesa tanto que eu não consigo se quer fechar os olhos pra dormir .
Russo - Pretinha ? - ele abre a porta do quarto hospitalar e olha preocupado ao me ver deitada na maca com uma intravenosa conectada ao dorso da mão - Ainda não conseguiu dormir ?
Nego vendo ele se aproximar.
-- Quando vai ser ? - engulo a saliva e também a vontade de chorar .
Dói muito lembrar da perca que eu tive noite passada , mas eu estou tentando ser forte .
Embora eu esteja cansada eu estou tentando , por mim , pela Brenda , pelos meus filhos e principalmente pelo meu amigo que depois da cirurgia de remoção da bala - que atravessou o corpo da tia Helena e por pouco não atingiu seu coração - foi levado pra UTI de um hospital fora do morro .
Russo - O enterro vai ser as seis da tarde - ele fala baixo , desconfortável com o assunto .
Reprimo meus lábios ao sentir meus olhos encherem de lágrimas e puxo o ar lentamente pelo nariz na tentativa de impedir o choro que vem assim que ele deita ao meu lado na maca e me envolve com seu amor e braços fortes.
Russo - Tá tudo bem meu amor , pode chorar - ele afaga meus cabelos e deixa que eu expulse toda essa dor através do choro que me sufoca - Sei como dói perder alguém que se ama.
-- Dói muito . Eu nem me despedi dela , amor - falo no meio do choro apertando o tecido da sua camiseta - Nem a agradeci por todos os sorrisos , pelas broncas , pelo amor que ela me deu - soluço - Não falei que a amava .
Meus olhos queimam com as lágrimas quentes que brotam deles e escorrem pelo meu rosto , os fecho com força pedindo pra acordar desse pesadelo , pra ter de volta a única figura materna que eu tive como exemplo , pra vê-la nem que seja por uma última vez...
?
- Você vai cair ! Desça agora - grita a versão mais nova da tia Helena . Eu estou em pé na beira da sua lage.
Faço que não e sento olhando pra ela lá embaixo.
- A senhora não sabe como é . Ela me odeia .
Tia Helena abre os braços e os ergue na minha direção.
- Realmente , eu não sei minha menina. Mas se ela te odeia , eu te amo . E muito.
Ergo minha mão limpando as lágrimas antes que elas escorram pelo meu rosto e faço uma careta quando ela abre e fecha as mãos pra mim.
- Eu não vou pular ! - ela me olha como se me desafiasse a fazer àquilo - E se eu morrer ?
- Você já não ia pular antes ? - movo a cabeça pra cima e pra baixo - Então , a diferença é que agora eu estou aqui pra te segurar .
Faço um bico e com cuidado me inclino pra frente tomando impulso antes de cair diretamente pros seus braços que me envolvem enquanto seus lábios beijam minha cabeça.
- Nunca mais faça isso , por mais difícil que as coisas estejam ; não faça. Seja forte e enfrente tudo que vier de cabeça erguida . Prometa pra mim.
-- Eu prometo , tia . Vou ser forte ...
?
Uma fisgada no dorso da minha mão direita me acorda , me tira daquela lembrança que de certa forma me faz recuperar as forças perdidas .
Marisa - Me desculpe, eu não queria te machucar - diz recolhendo a bolsa de soro vazia , o canudo e agulha que a ligavam a mim.
Jogando ambas no lixo.
Olho pro meu dorso dolorido sentindo o frio do algodão molhado com álcool nele e ergo meu olhar pro da morena que a pouco descobri que além de ser filha de um dos fundadores do CV também é uma ótima médica.
-- Já posso ir pra casa ? - a porta do quarto se abre e meu olhar vai pro homem que entra empurrando uma cadeira de rodas , o meu homem.
Marisa - Ainda não. Mas depois do seu marido conversar "civilizadamente" comigo para que eu te liberasse pro enterro - meu peito se aperta e eu a olho - Eu não só vou te dar algumas horas pra isso como vou te acompanhar para ter certeza que você não vai levantar da cadeira ou então se esforçar .
Mordo meu lábio , sem reação.
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