INDECENTE DESEJO romance Capítulo 59

Tento abrir meus lábios e dizer que sim, ela pode entrar, mas não consigo. Parece que desaprendi a falar e tudo que consigo fazer são barulhos. Barulhos constrangedores. Os médicos me explicaram que isso é devido a minha situação, faz quase dois dias que acordei do coma e ainda preciso exercitar minha falar, reaprender a me comunicar. Então, tudo que faço é balançar a cabeça de forma positiva e torcer para que Aurora entenda meu recado. Minha meia irmã entra, fechando a porta assim que passa completamente pela porta e me olha com certa polidez, não se demorando muito em sua avaliação. Ela dá dois passos na minha direção e a olho com curiosidade, sem saber ao certo o que esperar de sua visita. Certo, eu me lembro de algumas coisas. Nós duas fomos sequestradas por Pedro e ela me defendeu em certos momentos, mas tudo que me lembro antes de acordar é do carro de Pedro capotando com nós dois dentro.

— Onde está Arthur? — Formulo a frase na minha cabeça, colocando cada letra em sua devida ordem, mas não obtenho um bom resultado quando tento pronunciar. Ela se aproxima ainda mais, se senta ao meu lado na cama e aperta minha mão na sua. O gesto me deixa surpresa e pisco como incredulidade para seu toque.

—Deixei Arthur com sua mãe. — Diz de forma natural, como se minha fala atrapalhada não fosse um ponto importante.

Balanço a cabeça em entendimento e ela sorrir, mas não de uma forma bonita ou alegre.

— Sinto muito. — As palavras saem como um sussurro espremido, antecedendo um choro soluçado. Minha reação é não ter reação alguma, fico perdida olhando pra uma Aurora chorosa. Abro a boca para falar, mas o som estranho que sai da minha boca parece aumentar a crise de choro, então, tento acalmá-la tocando seu cabelo.

— Desculpa.— Repete, encarando nossas mãos ainda unidas. Nego com a cabeça, tentando passar a mensagem de que ela não tem do que se desculpar. Seus braços me circulam sem nenhum prelúdio e Aurora me abraça como nunca antes fez.

Mais uma vez, tento falar algo, mas minha voz sai fraca e praticamente inaudível. Ela continua me abraçando enquanto chora, então de repente sinto as lágrimas descerem pelos meus olhos e estou chorando junto com ela.

— Ele se foi. —Deixa escapar se afastando para me olhar nos olhos e levo alguma segundos para entender suas palavras.

Ele se foi.

Ele se foi.

— Pedro não resistiu ao acidente e morreu na explosão do veículo. —Esclarece, enxugando os olhos com as pontas dos dedos sem desviar eles de mim.

Pedro se foi.

Eu deveria sentir algo com essa notícia? Ele era o marido da minha irmã, meu melhor amigo. Nos conhecemos desde que era uma criança e passei a minha adolescência acreditando estar apaixonada. Então, por qual motivo sinto alívio? Acho que é soma de tudo, os momentos ruins sobrepuseram os bons e sei que nunca seríamos felizes com ele vivo. Uma pontada fina na minha têmpora me faz formar uma careta e Aurora percebe, gritando por uma enfermeira antes de me perguntar se eu estou bem.

Deve ter sido uma careta de extrema dor.

— Não... — Consigo pronunciar com esforço e ela me olha com os olhos bem abertos, cessando seus passos antes de chegar a porta. Ela parece perdida, me olhando como se eu fosse uma atração exótica e volta correndo para o meu lado. —Você falou! — Grita eufórica, me puxando para outro abraço.

— Sim. — Consigo dizer, me deliciando com o som da minha própria voz. Aurora se afasta poucos centímetros e me olha de uma forma fraternal.

—Eu sinto muito. — Volta a dizer, colocando seu dedo indicador em meus lábios quando ameaço falar algo.— Apenas me ouça, ok? — Fala e assinto. Ela se afasta, mas, continua sentada sobre a cama, me encarando em silêncio. Suspira, fechando os olhos duas vezes antes de me olhar novamente.

— Eu não venho sendo justa com você todos esses anos, Amélia. — Começa, usando um tom que nunca antes a ouvi usar e aguardo para que prossiga. Aurora deixa a cama, se virando de costas pra mim quando parece ter dificuldade ao puxar ar para os pulmões. — Você ficou seis meses em coma.— Deixa escapar, virando o rosto novamente para a minha direção. Abaixo os olhos para minhas mãos.

Ouço seus passos se aproximarem e a cama afundar ao meu lado, mas mantenho minha atenção sobre minhas unhas ligeiramente maiores do que me lembro.

— Eu não fui a melhor irmã.

Bufa, rindo de forma fraca logo após.

—Eu não fui uma irmã, na verdade. Deixei que meu rancor e mágoa recaíssem sobre você, usei todos os meus dias para fingir que a sua presença não significa nada pra mim, mas falhei.— Ergo minhas vistas para encontrar os seus olhos e me surpreendo com o arrependimento estampado nas íris azuis. O mesmo tom das de Melissa — Sei que não temos como voltar atrás e do fundo do meu coração espero que você possa me perdoar. Quero recomeçar. — Ela faz uma pausa. —Sempre percebi sua presença. — Acrescenta.

— Eu ...— Meus lábios tremem e me perco nos pensamentos. Ela se levanta de forma brusca e balança a mão esquerda no ar, deixando a entender que não preciso dizer nada. Porém, eu preciso. Não por mim, mas por Melissa. A história dela também precisa ser contada.

— Você acabou de acordar de um coma, nós não deveríamos ter esse tipo de conversa. — Passa a sorrir de forma nervosa, enxugando as lágrimas que ainda teimam em cair e meu coração dói de um jeito diferente.

Eu passei quase dezenove anos da minha vida esperando ela me enxergar, perceber que tudo o que sempre quis foi sua amizade. Eu a admirava, sonhava em ser tão independente e segura quanto ela.

—Aurora. — Forço a voz, falando o mais alto que consigo e ela me olha. — Venha aqui.— Estendo a mão para que ela segure.

— Amélia, você precisa descansar.

— Estou bem, tenho algo pra te contar. — Afirmo, não saindo nenhum pouco convincente pela minha voz trêmula. No entanto, preciso falar que temos uma prima morando em outro país. Um segredo que foi ocultado pelo nosso pai por anos. Mais um.

— Não está, o médico recomendou descanso.— A abraço, usando um pouco de força para puxá-la para mim.

— Lembra do tempo que passei em Missouri? — Começo e ela assente. — Bom, eu conheci alguém.

— Um homem?— Indaga e nego com a cabeça.

— Uma mulher. — Pauso, selecionando bem minhas palavras. — Aparentemente nosso pai tinha um irmão bastardo, filho do nosso avô com uma amante. Ela solta um barulho de surpresa e se levanta da cama.

— Um irmão?

— Daniel Leal. — Estendo minha mão e ela pega. — Aparentemente, nosso avô teve decência e o registrou, mas nunca houve contato entre ambos. Daniel só descobriu que o pai estava vivo depois de adulto, mas era tarde e vovô tinha falecido. Nosso pai não quis manter qualquer vínculo com o homem e enterrou a história para a mídia não descobrir.

Aurora leva a mão a boca, parecendo chocada o suficiente para perder a cor dos lábios.

— Onde ele está? — Questiona.

— Morto. — Respondo e ela senta ao meu lado na cama. — No entanto, temos uma prima chamada Melissa. Ela é maravilhosa e está ansiosa para te conhecer. — Acrescento e suas sobrancelhas se unem.

— Augusto nunca me contou isso. — Comenta em tom baixo e acaricio seu braço.

—Ele escondia um monte de coisas. — Aurora afirma com a cabeça, mas não diz nada sobre minha afirmação. Após alguns segundos de silêncio, explico como fiquei sabendo da história e como Melissa armou tudo para que eu alugasse a casa próxima a sua, ela estava de olho em nós fazia um tempo e armou tudo. Conto como foram meus dias em Missouri e explico o porquê de nossa prima ter escolhido o anonimato. Ela tem sua própria história e teme uma repercussão negativa sobre seu casamento, não digo pra Aurora o motivo exato disso, mas afirmo que é um banquete para a mídia.

— Eu amo você. — A aperto ainda mais contra meu peito ao sentir seu corpo enrijecer com minhas palavras, feliz demais por poder abraçá-la.

— Eu também amo você, me desculpe por tudo. — Sua volta sai melancólica, ainda chorosa e nos abraçamos com mais força. Recuperando todos os anos perdidos.

—Papai. — Falo, me afastando para estudar seu rosto. Ela balança a cabeça em negativa ao mesmo tempo que um homem com o crachá escrito, Dr. César, entra e nos interrompe.

— Sinto muito ter que interromper a conversa, meninas. Só que preciso levar minha paciente para mais alguns exames. —Resmungo, soltando uma lufada de ar de forma não proposital. Ele me escuta e abre um sorriso.

— Não será tão ruim. — Diz, me fazendo corar ao me dar uma piscadela travessa e acho que escuto Aurora sussurrar um “idiota” ao meu lado. Minha irmã nos deixa sozinhos com a desculpa que precisa verificar Arthur, contudo, tenho a sensação que ela está fugindo de algo. Logo uma enfermeira chega e depois minha mãe, elas me ajudam a sentar em uma cadeira de rodas e todos vamos para uma sala com máquinas.

— Que tipo de exames são esses?— Pronuncio a pergunta com dificuldade, mas as palavras saem com mais facilidade do que as primeiras.

— Você está falando.— Ouço mamãe murmurar, então, percebo três pares de olhos me encarando com expectativas.

— Isso é muito bom, Amélia. —Juliano diz com um sorriso no rosto, deixando o rosto jovem ainda mais bonito, aliás, jovem demais. Deixo meus olhos caírem de forma discreta sobre ele, avaliando primeiro o rosto quadrado enfeitado por maçãs do rosto salientes, a pele morena contrasta com os olhos azul cinza e sigo minha avaliação até parar no bumbum empinado e ligeiramente destacado pelo tecido mole da calça social.

Ouço alguém tossir ao meu lado e desvio meus olhos, percebendo que foi a enfermeira Cleide, uma senhora de no mínimo cinquenta anos quem tossiu. Minhas bochechas ficam vermelhas ao perceber que ela me observava enquanto eu observava César. Meu pai santíssimo!

Que vergonha.

Isso mesmo, Amélia. Você mal acordou e já está sendo flagrada observando a bunda do seu médico.

Contenho minha vontade de esconder meu rosto entre minhas mãos e foco no que o médico passou a dizer a mamãe.

—Sequelas? —Interrompo, pegando a última palavra da fala dele.

Ele me olha de soslaio e depois volta a olhar apara mamãe que assente, acredito que lhe dando permissão para me responder.

— Você teve um traumatismo craniano, Amélia. Esteve seis meses em coma e precisamos verificar se existe a possibilidade de alguma sequela.

Alguma sequela.

—Que tipo de sequela? — Ela fez uma careta, parecendo ponderar se deve ou não responder minha pergunta.

—Você pode desencadear epilepsia, ficar cega com o passar do tempo ou até mesmo voltar a entrar em coma, não sabemos como está o seu cérebro agora que acordou. Por isso, precisamos fazer os exames. — Fala e minha mãe vem para o meu lado, beija minha cabeça e sussurra que tudo ficará bem.

—Seja corajosa. — Ela diz entre os beijos.

— Não se preocupe, tenho grandes motivos para acreditar que não há nada de errado com você. — Quero abrir a boca e contestar, dizer que ele não tem como ter certeza disso, mas tudo que faço é assentir e fazer cada um dos exames que ele informa.

Quando nós acabamos e finalmente posso voltar ao quarto, estou extremamente cansada e cedo ao sono logo nos primeiros minutos da noite.

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