INTENSO DESEJO romance Capítulo 18

O gosto amargo da bebida âmbar desce queimando, o aroma forte entorpece os meus sentidos e minha cabeça lateja como se alguém a tivesse acertado com socos o dia todo. A culpa me fez encher meu copo muitas vezes e ainda não me sinto melhor, a raiva cresce a cada gole e as lembranças de todos esses anos se ampliam em minha mente.

Era tudo uma mentira. Todos esses anos juntos.

Encaro o retrato sobre minha mesa, uma foto nossa de quando começamos a namorar, os traços delicados moldando o belo rosto pueril e risonho. Ela transbordava perfeição e vitalidade, capaz de fazer até mesmo um cara como eu acreditar que poderia ser feliz. Achei que tinha encontrado a mulher ideal quando botei os olhos nela, o jeito sereno me causavam uma comoção tão natural que fiquei desesperado para realizar cada sonho que ela me proporcionava só com olhar. Me joguei sem aviso prévio no nosso relacionamento. 

Mesmo ciente que ela não merece nenhuma gota das lágrimas que continuo derramando, choro em homenagem aos momentos verdadeiros que tivemos, incapaz de destruir todas as boas lembranças. Arremesso o copo com a bebida longe, o vidro se choca contra a porta  e se estilhaça no processo, derramando o líquido por todo o assoalho, meu corpo treme, meu coração pulsa rápido e em descompasso com a adrenalina, sorrio com o milésimo de alívio que a ação me trouxe, me permito soltar a dor da decepção. Grito, urro, desesperado pela sensação de paz outra vez e passo a destruir todas as fotos dela que encontro. Quero beber até cair inconsciente, me afogar no álcool até esquecer quem sou e o que descobri. Minha cabeça está latejando, não estou nada bem e preciso me apoiar para permanecer de pé. 

Eu sou um merda.

Me encaminho para meu laptop para mais uma sessão de tortura, talvez eu tenha merecido tudo no fim. Quando deixei minha menina hoje mais cedo e fui encontrar Octávio no bar eu tinha um maldito sorriso no rosto, não, eu tinha um maldito sorriso cravado no coração. Cada parte de mim dizia para não fuçar sobre isso e mais uma vez a merda da minha intuição estava certa. Os pais de Melissa não eram propriamente ricos, mas tinham uma quantia considerável no banco e uma pequena floricultura que minha menina herdou quando eles morreram, o dinheiro estava guardado em uma conta feita por mim e administrada por sua tia aonde passaríamos a titularidade para ela na maioridade, mas no último mês o banco me avisou dos grandes saques que haviam sido realizados no último ano e quando verifiquei semana passada a conta estava praticamente zerada, primeiro pensei que Melissa havia descoberto a conta e pedido para Solange realizar os saques, mas minha garota não faz a menor idéia da existência desse dinheiro até hoje, então estou desconfiado da minha falecida esposa. Ela não roubaria a própria sobrinha, ainda mais tendo um marido rico que lhe oferecia de tudo, bem, quase tudo. Eu não lhe oferecia droga. 

A tela liga e abro meu e-mail, abrindo a o dossiê em formato de pdf que o detetive particular me enviou, clico duas vezes e o arquivo abre, mostrando-me um relatório detalhado do que minha mulher fez nos seus últimos meses de vida. Existem fotos dos lugares onde ela frequentou, inclusive, do local onde a encontraram morta, o nó se forma em minha garganta e mesmo ciente do que posso encontrar, olho página por página. Quando termino a leitura da última linha tenho a sensação ter casado com uma estranha ou, talvez, eu tenha sido de fato um mau marido e sou o culpado por sua vida dupla. Mas isso não a isenta de sua falta de caráter. 

O provável é que os saques tenham sido feitos para alimentar seu vício sem que eu tivesse nenhuma consciência, assim ela não teria que se preocupar em inventar justificativas. Droga, se ela tivesse me pedido ajuda eu teria feito o que fosse possível e até o impossível para ver sua melhora, mas ela não pediu.  Minha mulher escolheu trair a  confiança que lhe dei de bom grado e jogar fora tudo que cultivamos por causa do maldito, o seu primeiro namorado, a porra de um drogado como ela que não tinha nada pra oferecer. Esmurro a mesa, me segurando para não arremessar a merda do laptop longe quando as fotos dos dois juntos aparecem, tem fotos dos dois em diversos  motéis e até no carro, pego a garrafa de Uísque e a viro de uma vez.  E o pior de tudo, o que me matou por dentro foi descobrir que ela estava no começo de uma gestação  de um filho dele. Ela me negou durante anos a dádiva de ser pai e ia dar ao desgraçado o que sempre desejei e pedi. Meu coração foi rasgado, estou em degradante situação e não quero saber de perdão por agora. Só quero odiar e beber até quem sabe, parar de sentir.

Desejo.

O conhecimento abre portas e te traz percepções novas sobre tudo, a cada mísera palavra, teoria e conceitos aprendidos um leque de novas possibilidades é aberto bem ali, na sua frente. Só que ninguém fala sobre a dor, a intensidade e todas as outras consequências que o desconhecido pode trazer, mesmo assim o anseio de saber, conhecer e descobrir não te deixa facilmente e a sede só aumenta, ao ponto de se tornar uma necessidade, um vício difícil de frear. Eu busquei pela minha própria dor, causei à mim mesmo as piores sensações investigando sobre o passado escuro da minha ex mulher e não estou satisfeito. Desejo saber quem reapresentou as drogas para ela e saber exatamente o motivo que a levou de volta para esse caminho.

Estou deitado na cama e já passa das oito da manhã, não dormi nem mesmo uma hora durante toda essa noite e meu cérebro não para de fazer conjecturas e ligações. Nomes e rostos passeiam por minha mente e tento eleger suspeitos, aquele cara não voltou do nada. Resolvo levantar da cama e me esforço para afastar esses pensamentos e focar minha atenção em outras coisas, como na minha menina no final do corredor magoada e com raiva, ela está certa em ficar zangada, afinal, eu a estou deixando no escuro e desde da nossa noite de amor, três dias atrás, não temos trocado nenhuma palavra  e tudo que tenho feito é me reunir com o investigador particular e encher a cara pra afogar as mágoas. Estou em péssimo estado e o caos se instaura a cada pensamento sobre os anos de mentira que vivi com a tia dela. O mais seguro é mantê-la longe até que eu restaure minha credulidade no amor e coloque um fim no passado para que possa dedicar meu futuro a ela. Algo dentro de mim insiste em continuar nessa jornada e investigar o que realmente aconteceu naquele quarto vagabundo de motel.

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