INTENSO DESEJO romance Capítulo 22

Encaro disfarçadamente a mulher a minha frente, o semblante amigável e a pele enrugada me deixam confortável, faz lembrar que nunca conheci minhas avós, a paterna morreu um pouco antes do meu nascimento e já era viúva, a mãe de mamãe morreu quando elas ainda eram pequenas e as deixou ao cuidado de vovô, que infelizmente também faleceu antes dos meus cinco anos. A consciência disso me faz suspirar baixo em pesar, como se minha vida fosse uma verdadeira sequência de perdas.

Corto um pedaço do bolo de laranja e sorrio quando a sirvo.

— Obrigada, querida. Não precisava se incomodar.

— Não foi nada.

Estamos juntas sentadas a pequena mesa de vidro que fica entre a sala e a cozinha, corto meu próprio pedaço de bolo e ocupo minha boca antes que as palavras comecem a sair sem controle, estou realmente fazendo meu melhor aqui e espero que ele chegue logo.

Sinto seus olhos me avaliarem, assim como eu fiz segundos atrás e começo a questionar se foi uma escolha inteligente deixar uma estranha entrar, mesmo que essa estranha seja uma velhinha fofa e visivelmente inofensiva.

— Então, a senhora conhece o meu tio? — Pergunto, mantendo meus olhos abaixados para a xícara de café na minha mão.

— Não exatamente. — Franzo a sobrancelha sem entender o que suas palavras querem dizer.

— Pensei que fossem amigos — Falo, dessa vez olhando diretamente em seu rosto. Desconfiança me bate e sinto que as coisas estão nas entrelinhas, como um jogo de palavras e estou sendo deixada pra trás.

Primeiro, Lorenzo e seus telefonemas que o fazem desaparecer sem explicação. Uma hora a gente pode foder sem problema, em outra sou nova demais e tudo é errado. Agora tem essa senhora me dizendo e não dizendo coisas, tenha a santa paciência.

— Você é tão linda, Melissa. — A mudança repentina de assunto me faz  comprimir os lábios em desagrado. A voz comovida como se ela estivesse fazendo uma grande revelação me faz remexer na cadeira.

Engulo a vontade de mandá-la parar de enrolação e jogar tudo o que veio pra dizer.

— Obrigada. — Agradeço, mas não me preocupo em parecer de fato agradecida com o elogio. — Então, o que você veio falar com meu tio?

O meu celular apita com uma mensagem e o pego de sobre a mesa, encaro a tela e ofego chateada, faz mais de vinte minutos que nos falamos pelo telefone e ele parecia tão desligado que me irritou. O idiota provavelmente veio o mais rápido que conseguiu, provavelmente irei escutar um sermão de como não abrir a porta e convidar pessoas que  não conheço para tomar um lanche da tarde, mas o que poderia ser feito? Não se manda uma velhinha embora assim tão facilmente, ainda mais quando esta em questão veio exclusivamente falar com o senhor misterioso, eu pensei que se tivesse algum momento com ela poderia descobrir mais alguma coisa.

Definitivamente, eu não engoli aquela história de me proteger e que tudo está bem.

Me proteger de quem?

Cheguei.

É tudo o que a mensagem diz e deduzo que ele já está no prédio e subindo para o apartamento, reviro os olhos e devolvo o celular para o seu lugar.

— Era o seu tio, querida? — A senhora pergunta, repousando o garfo sobre o pequeno prato que ainda carrega o pedaço de bolo quase por inteiro.

— Sim.

— Vocês se dão bem? — Ela pergunta, de repente parecendo muito interessada.

Meu coração pesa, as cenas dos nossos beijos, dele enterrado em mim e sussurrando todas aquelas coisas no meu ouvido vagueiam pela minha mente. Se nos damos bem? Sim, de muitas formas, mas não como a senhora  provavelmente aprovaria. 

— Na maior parte do tempo. — Digo, me limitando nas respostas ao começar a duvidar dos reais motivos desse questionário sobre nossas vidas.

— Vocês moram sozinhos aqui? — Arqueio uma sobrancelha em sua direção, deixando claro que suas perguntas estão começando a me incomodar. —Quero dizer, esse lugar parece tão grande só pra vocês dois. — Acrescenta.

— Olga, está por aqui quase todos os dias. Morávamos aqui quando titia era viva, não quisemos nos mudar. — Ela afirma a cabeça de forma positiva, como se concordasse comigo.

A grande verdade é que nunca pensamos sobre esse lugar ser grande demais pra nós dois, mas pareceu certo dizer que ficamos pelas lembranças, assim como pareceu correto informar que Olga vinha quase todos os dias, quando ela só vinha três vezes no máximo. Não dizer que Olga era uma espécie de governanta também foi consciente, algo sobre intuição feminina talvez, mas é bom deixá-la pensar que pode ser uma namorada do titio ou algo assim. No fundo, eu estava nos protegendo dela, pela primeira vez eu pensei sobre o que estava fazendo com o meu guardião legal e em como isso poderia ser visto nos olhos dos outros, a culpa e o medo me atingiram.

— Você tem um namorado?

Namorado.

Namorado.

— O quê? — Encaro a mais velha profundamente, tentando não demostrar nenhuma insegurança. Procuro em sua aparência algo que denuncie sua identidade, então só agora me dou conta de que não perguntei pelo seu nome. Os olhos doces e maternais me confundiram, a sensação nostálgica que a aparência dela me trouxeram confundiram meus sentidos.

— Desculpe, mas quem é você? — Pergunto, tentando enxergar além da imagem doce da mulher.

Ela abre a boca pra responder, os olhos me encaram em encantamento, comovidos com o que estão vendo. Mas então a porta é aberta com força, Lorenzo cruza a sala e chega até onde estamos em poucos passos, ele encara minha mão esquerda que só então percebo que está entrelaçada na da

senhora e me olha em confusão, balanço com a cabeça tão perdida quanto ele.

— Vamos ao meu escritório. — Diz, parecendo irritado ao proferir suas palavras enquanto me encara.

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