Puxo o ar com força, acordando em sobressalto e com dificuldade de manter uma respiração regular, tento me mexer, mas meu tornozelo lateja com o movimento abrupto e desajeitado. Pisco, me acostumando com a claridade excessiva do cômodo, minhas retinas ardem em resposta e praguejo baixinho.
— Argh ! — Um gemido me escapa quando tento me esticar e meu tornozelo volta a doer.
Forço meu corpo a responder aos meus comandos e me sento, trazendo minha perna perto o suficiente para que eu possa analisar a região dolorida. Circulo a mancha arroxeada próxima ao calcanhar e franzo o cenho ao perceber outras pequenas manchinhas na mesma região.
Isso não estava aqui antes.
Começo a vistoriar o lugar que me encontro, as paredes pintadas de tonalidades claras são altas e vazias, nada além de uma fotografia antiga emoldurada em um quadro simples na parede do meu lado esquerdo decora o ambiente. Balanço a cabeça, tentando afastar a sonolência ainda presente e presto atenção no barulho melodioso que vem do outro lado da grande porta de madeira.
— Quem está, aí? — Grito, encolhendo meu corpo e me cobrindo até a metade com o lençol rosa claro que achei jogado na cama que estou.
Passos.
Engulo em seco, olhando para todos os lados em busca de uma saída, mas persianas são tudo que avisto dentro do quarto, isso explica a claridade.
Ouço a maçaneta mexer e volto minha atenção para porta, encolho ainda mais meu corpo por debaixo do lençol, ignorando a dor aguda no meu tornozelo direito e trincando meu maxilar.
Estúpida.
Começo a me reprender mentalmente quando uma figura masculina invade o quarto, um homem com pouco mais de trinta anos e de roupas pretas adentra o lugar com os olhos escuros e conhecidos fincados em mim, então todas as lembranças começam a surgir.
Esperei que os primeiros raios solares aparecessem para que eu pudesse deixar a casa de Cíntia e voltar para encontrar Lorenzo, sabia que minha tentativa de esquecer os problemas e dele tinha falhado no momento em que deixei nossa casa na surdina. Eu só consegui pensar na gente a noite toda.
No entanto, meu coração ainda estava magoado e decepcionado, por esse motivo pedi ao taxista parar duas esquinas antes do nosso prédio, a intenção era andar e tomar um tempo antes de ir para encará-lo, mas não haviam muitas pessoas na rua hoje de manhã e quando percebi que estava sendo perseguida, esses olhos foram as últimas coisas que vi.
Droga.
Sinto meus batimentos cardíacos acelerarem com o passar dos segundos, minha imaginação dando voltas e levantando os piores cenários possíveis para o que esse homem vai fazer comigo. Aperto meus dedos no algodão macio do lençol, segurando firme como uma armadura de proteção.
Mais uma vez, estúpida.
Respiro fundo, tentando manter o controle da situação e não parecer como um animal acuado e indefeso, de jeito nenhum serei uma presa fácil. Reunindo toda a coragem e ousadia que me restam, encaro a figura do meu provável algoz nos olhos e repasso com clareza minha fala antes de proferir.
—Não sei quem você é, mas se encostar um dedo em mim será um homem morto. Respiro. Tenha a certeza que meu tio cuidará pessoalmente disso!
Um bufar.
Uma risada.
E o medo se instaura em cada molécula do meu corpo.
Meus olhos começam a lacrimejar, uma lágrima solitária desce por todo o caminho do meu rosto e molha minha mais nova blusa de seda.
Frágil. Indefesa e intimidada.
Isso é tudo o que venho sentindo desde que me acordei minutos atrás.
Alguns segundos se passam até que ele cesse sua risada e passe a andar em minha direção, se posicionando ao meu lado na cama, apenas alguns centímetros de distância. Meu corpo se movimenta quase como em uma resposta imediata e inconsciente para o outro lado do colchão.
Ele inclina a cabeça para o lado, olhando-me com curiosidade, mas não faz sinal de avançar para mais perto.
Ficamos nos encarando em total silêncio, onde apenas a minha respiração alterada era audível o suficiente para nos tirar do transe.
— Não podem tirar uma filha de um pai. — Ele murmura, não deixando meus olhos nenhuma vez.
Suas palavras pesam no ar de forma sugestiva, franzo meu cenho por não compreender a ligação de sua declaração com minha ameaça.
— O quê? — Murmuro, ainda confusa com sua resposta.
— Estou dizendo que ninguém vai tirar você de mim, Melissa. Seu tio não pode fazer nada com o desejo de um pai querer passar um tempo com sua filha.
E, por mais que eu tente controlar, a risada explode por minha garganta e deixa minha boca em questão de milésimos.
— Certo, já entendi. Isso é uma armação da maluca da Cíntia, não é?
— Você parece com sua mãe. — Ele declara, dando um sorriso ao mencionar a última palavra.
Mas é o meu sorriso que morre.
Minha mãe.
Meus pais.
Este é meu ponto fraco e Cíntia sabe disso, de repente, a brincadeira não parece tão divertida.
— Ok, a brincadeira já foi o suficiente. Fale pra pequena psicopata obcecada por rosa, que você me pegou e morri de medo.
— Eu tenho cara de quem está brincando, Melissa? Olhe bem pra mim e fale.
Eu obedeço, olho desde o cabelo castanho claro bem cortado, os olhos quase pretos, as olheiras evidentes, o nariz grande e pontudo até os lábios desiguais, o de cima sendo levemente mais fino que o de baixo. A expressão séria e nenhum pouco divertida me faz ficar novamente receosa.
— Quem é você? — Pergunto novamente.
— Eu já te disse, seu pai.
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