Ela bebeu um grande gole, ficando com bigode de leite.
- Amo você, Medy docinho.
- Acha que vovô e vovó vão me amar?
Suspirei, sentindo um nó na garganta:
- Medy, é impossível não amar você.
- Será que o Papai Noel vai conseguir deixar o meu presente lá?
- Papai Noel encontra as crianças em todos os lugares.
- Eu já sei que ele não vai colocar o meu papai na árvore. – Ela riu.
- Realmente não. E... – pensei no que dizer para não magoá-la – Sabe que você fez um pedido difícil, não é mesmo?
- Não é difícil...
- Talvez... Papai Noel não consiga. Seu papai tem estado bastante ocupado com os shows.
- Mas ele vai ter tempo para mim. – Ela levantou os ombros, como se aquilo fosse óbvio.
- E se Papai Noel lhe deixar um novo animalzinho?
Ela arqueou a sobrancelha, sorvendo um gole novamente:
- Podemos não ter lugar para enterrar.
- Eu... Não vou matá-lo.
- Você sempre diz isso.
- Medy, foi um acidente.
- Não estamos preparadas para ter outro animalzinho, mamãe. Vamos ficar só com Solitário II. Ele é forte... E resistente à você.
- Creio que isso pode ser um tom de ironia! – Repousei o queixo sobre os braços, que estavam sobre a mesa.
- Não... Eu... Meio que só quero o meu papai. – Ouvi o som da caneca vazia, enquanto ela bebia o último gole.
- Eu... Espero que Papai Noel a ouça.
Peguei-a no colo, subindo as escadas com ela. No fundo, sabia que aquilo era praticamente impossível. Minhas esperanças haviam se findado de vez. Mas como destruir os sonhos de uma garotinha tão especial?
E se eu tentasse mais? Se buscasse a internet como ferramenta de reencontro, como “el cantante” fez um dia? Mas e se ele fosse comprometido e eu fizesse papel de idiota?
- Vamos dormir com a mamãe?
- Não... – ela fechou os olhos, ainda nos meus braços – Eu quero dormir na minha cama... Enquanto tia Yuna não vem morar no meu quarto.
- Está bem... Vamos escovar os dentes?
- Posso não escovar hoje? Só hoje...
- Ok, pode sim, “dona porquinha”.
Ela sorriu antes de apagar completamente.
Tive dificuldade para dormir, pensando em como seria reencontrar minha família depois de tantos anos.
Remexi-me na cama e abri as pernas, me aconchegando aos travesseiros. Senti braços me envolverem e abri os olhos num ímpeto, assustada.
Embora estivesse escuro ainda, sob a luz fraca do corredor, que eu deixava ligada para facilitar a ida ao quarto de Melody na madrugada, vi Guilherme ao meu lado na cama.
Abri e fechei os olhos repetidas vezes, pensando ser um sonho... Ou pesadelo. Mas ele continuava ali. Estava sem camisa, usando somente a calça. Repousou a cabeça sobre a mão, o cotovelo apoiado na cama, um sorriso debochado nos lábios.
- Guilherme?
- Eu mesmo.
- O que... Você faz aqui?
- Estou há um tempinho observando você dormir...
Sentei, puxando as cobertas para mim, quase derrubando-o da cama.
- Você ocupa muito espaço na cama. Vamos ter que comprar uma de tamanho gigante quando morarmos juntos.
- Isso não vai acontecer... Você está louco. O que faz aqui... Na minha cama... Na minha casa?
- Entrei pela janela dos fundos. Estava aberta.
- Isso é invasão de propriedade... E privacidade.
- E você cometeu o crime de violação.
- Violação? – Olhei-o confusa.
- Violação do meu coração.
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