Melody estava ansiosa e ainda mais falante. Nunca havia andado de avião na vida.
Sentei-me ao lado dela. Guilherme e Yuna ocuparam os assentos à nossa frente.
Assim que o avião decolou, senti um mal-estar imediato e uma leve tontura. E aquilo me deixou extremamente preocupada.
- Tudo bem com você? – Yuna perguntou.
- Sim... – Falei, fingindo que sim.
- Você parece preocupada. – Guilherme disse.
- São cinco anos longe... Esperavam o que?
- Não se preocupe, mamãe. Eles vão amar você. – Melody pegou minha mão.
A comissária de bordo veio até nós, enquanto ainda nos divertíamos com Melody.
- Desejam algo para comer ou beber?
- Não... A viagem é curta. – Yuna falou.
- Eu quero cupcakes com confeitos... E você tem chocolate quente? – Melody perguntou, com os olhinhos brilhantes.
Ela sorriu:
- Bem, eu não tenho os cupcakes com confeitos, mas posso providenciar algo bem divertido. E tenho chocolate quente.
- Eu quero. – Melody falou imediatamente, batendo palmas.
- Qualquer um compra você com confeitos coloridos. – Gui brincou.
- Eu amo confeitos coloridos. – Ela confirmou.
- E você? – Ela perguntou para Guilherme.
- Não... Nada. Estou satisfeito.
Ela me olhou e já respondi:
- Não.
- Há algo especialmente para a senhorita neste jato. – Ela sorriu.
- O que seria? – Arqueei a sobrancelha.
- Vueve Cliqcuot.
Suspirei:
- Vou confessar que isso é música para meus ouvidos.
- Aceita uma taça?
Eu diria sim... Mas não me senti segura para beber nada alcóolico.
- Não... Talvez depois mais.
- Se precisarem de algo, só chamar. Vou providenciar o pedido da garotinha.
Ela estava saindo quando perguntei:
- Você sabe me dizer a quem pertence o jato?
Ela pensou um pouco antes de responder:
- Aos Monaghan.
- Obrigada pela informação.
Assim que a moça saiu, olhei para Yuna e Guilherme, confusa:
- Colin Monaghan está patrocinando nossa viagem? Isso é um pouco estranho.
- Não tanto... Como eu disse, é visível o interesse dele ainda por você.
- Eu e Colin é um passado... Distante e enterrado.
- Como a Tuga e o hamster? – Melody olhou na minha direção.
- Como a Tuga e o hamster. – Confirmei.
- Pretende enterrar mais alguma coisa do seu passado? – Guilherme me questionou e eu sabia exatamente do que ele falava.
- Sim... Pretendo.
Peguei a concha na minha mão e a olhei. O C e o S estavam quase apagados completamente, assim como as lembranças entre Charles e eu. Retirei-a, carinhosamente e fechei-a no pescoço de Melody.
A minha filha olhou-me, sorridente e tocou a concha, sabendo o quanto aquilo significava para mim:
- Vai ser minha agora?
- Sim – sorri – Eu acho que você já pode carregar isso.
- Meu papai deu esta concha para minha mamãe. – Ela olhou para Guilherme, que engoliu em seco.
- Agora não tem mais mamãe e papai... Mas tem Medy e papai. Quando chegarmos, eu vou fazer um M para você.
- M de Medy?
- Sim. – Confirmei.
- Gui, minha mamãe já lhe disse que quando meu papai aparecer você não vai mais se o namorado dela?
Eu e Guilherme nos olhamos.
- Mas... Quem disse que eles estão namorando? – Yuna perguntou.
- Eu vi... Eles beijando... E foi na boca.
- Deus... Quando você viu isso? – Perguntei, sentindo um nó no estômago.
- Eu vi... – Ela limitou-se a dizer, enquanto pegava a concha e olhava atentamente.
- Medy, nós... Não estamos namorando... Por enquanto. – Guilherme disse, com a voz terna.
Ela olhou-o atentamente antes de proferir:
- Então nem comece!
- Medy! – Chamei a atenção dela.
- O Natal está chegando e meu papai vem junto com o Noel. E a gente vai ficar juntos, só nós três, como uma família. – Ela olhou novamente para o colar, desinteressada em qualquer coisa que fosse contrária à sua ideia.
- Mas... Você não gosta mais de mim? – Gui questionou.
- Gosto. Mas você não é o meu papai.
- Eu não desejo ser o seu papai... Mas ainda assim eu amo você.
- Também amo você... Mas amo mais o meu papai... E minha mamãe vai ficar com ele. – Ela levantou os ombros, dando a conversa por encerrada.
- Preciso... Ir ao banheiro. – Falei, sentindo o mundo caindo sobre a minha cabeça.
As palavras de Melody simplesmente acabaram com o restante do meu pobre coração. O que eu faria no Natal? Infelizmente Papai Noel não existia... E o presente não viria. E minha pequena ficaria arrasada. E ela não me deu sequer uma opção de presente comprável. Só queria o pai.
Faltava três dias para o Natal. Eu não conseguiria encontrar Charles neste meio tempo... Era praticamente impossível.
Fechei a porta da cabine onde era o banheiro. Sentei-me no vaso, fechado, e deixei as lágrimas caírem. Minha vida já estava virando novela mexicana. E quando enfim decidi tirar definitivamente “el cantante” do meu coração, mesmo sabendo que era praticamente impossível, Melody decidia que seríamos um casal.
Senti uma forte cólica e me contraí. Levantei e olhei-me no espelho. Era tempo de eu menstruar. E no mês anterior não tinha descido quase nada. Como minha vida era turbulenta e meu fluxo desregulado, não dei importância.
Toquei meus seios que seguiam doloridos. Não tive isso na gravidez de Melody. Mas também nunca ficaram doloridos em época de menstruar. Senti tontura e mal-estar no avião. Isso foi muito parecido com os sintomas quando Melody estava no meu ventre.
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