- E tudo que pedi, por todos os dias, foi você... E agora... – ele abaixou a cabeça e beijou minha barriga – Você está aqui.
- Fomos muito injustiçados, “el cantante”.
- Eu sei. – Ele ficou sério.
- O culpado vai pagar... Na cadeia.
- Sabrina, por que você foi parar em Noriah Sul?
Respirei fundo e comecei a contar a minha parte da história:
- Inicialmente meu pai achou que o bebê era de Colin... Quando soube que não era, exigiu que eu abortasse...
Ele ficou imóvel e percebi a respiração acelerada.
- Eu... Não aceitei. Então ele me mandou escolher: nossa filha ou minha vida naquela casa.
- Você... Escolheu... Ela... – Vi os olhos dele marejarem.
- Eu nunca tive dúvidas... Assim que soube que ela estava comigo, não me senti mais só. Eu consegui tudo graças a ela. Melody foi a minha força.
- E para onde foi quando ele a expulsou de casa?
- Tentei encontrar você... Mas quando cheguei... Era tarde. Você não estava lá. Eu não tinha nada, dinheiro, celular... Só sua jaqueta e a concha. Ele me fez retirar o cordão de ouro e entregar. Não queria que eu tivesse nada de valor. A intenção de J.R era que eu passasse o pior e voltasse, disposta a tirar nossa Melody.
Ele passou a mão pelos cabelos e deitou novamente ao meu lado, olhando para cima. Fitei o rosto dele e vi as gotículas de chuva caindo sobre a sua pele e limpei, tentando acreditar que aquilo não era um sonho e que ele realmente estava ali, comigo e com Melody, finalmente.
- Você passou por tudo isso... Sozinha. E eu não estava lá... – Os lábios dele começaram a tremer novamente.
- Não... Você não estava... Porque neste momento encarava a cadeia... Por minha culpa... – Deixei uma lágrima cair sobre o rosto dele.
Ele pôs-se sobre mim novamente, de forma rápida. Limpou a lágrima que me traía e disse:
- Quero tanto ouvir tudo... Mas é tão dolorido, meu amor.
- O que importa é que sobrevivemos a tudo que nos impuseram... E estamos aqui, juntos.
- Eu vou matar o seu pai... Eu juro.
- Meu pai, minha irmã... Kelly... – suspirei – Mas neste meio tem nossa Melody... E Gui, por quem eu tenho um carinho enorme.
- Tem noção de que meu filho vai me odiar em dobro agora? Porque eu sou o homem da mulher que ele ama.
- Por Deus, Charles... Não podemos nos apegar a tudo isso que nos rodeia, ou ficaremos loucos.
- Sabrina, vamos devagar... Não consigo ouvir mais, meu amor. E nem contar tudo... É muita coisa... E cada uma delas acaba comigo. Foram difíceis os anos que estivemos separados. E pelo que percebo, para nós dois.
- Concordo.
Ele alisou a minha barriga:
- Acha que meus espermatozoides são muito certeiros? Ou se apaixonaram por você? – Riu.
- Acho que sou muito fértil. E que devemos nos manter munidos de uma coisa que se chama preservativo.
- O que é preservativo? – Ouvimos a voz de Melody.
Charles ficou ruborizado na mesma hora. Saiu de cima de mim e estendeu os braços para ela, que vinha na nossa direção.
Claro que ela foi imediatamente para o colo dele, que a aconchegou em seus braços. Continuei deitada, os braços para trás da cabeça, sentindo os poucos pingos da chuva caindo sobre mim.
- Papai vai adorar explicar para você o que é preservativo. Mamãe já deu muitas explicações ao longo de cinco anos.
- Mas... Eu não posso explicar isso para ela.
- Já expliquei sobre uma Barbie Lésbica, acredite.
- Barbie lésbica? Vendem Barbie Lésbica? Quanta modernidade. – Ele olhou para ela, confuso e curioso.
- Na verdade, eu não sei se ela é lésbica de fábrica – Melody explicou – Porque não tenho certeza se as pessoas nascem assim ou adquirem com o tempo.
- “Adquirem com o tempo”? Onde você estuda? O que sua mãe fez com você, pequeno gênio? Ela tem altas habilidades? Intelectualmente esta menina não tem cinco anos. – Ele me olhou.
- Não mesmo... Explique para ele porque a Barbie lésbica não pode sentar à mesa, Melody.
- Porque ela é alérgica ao leite, ora. Isso é muito óbvio.
- O que tem a ver uma coisa com a outra? – Ele olhou-a, perplexo.
- Nenhuma, “el cantante”. Você precisa fazer um intensivo sobre Barbies, alergia à leite e “lesbianismo”.
- Isso tudo é interligado?
- Por incrível que pareça, sim – comecei a rir – Pelo menos nesta cabecinha aqui.
- Papai, você vai ficar com a gente? Vai cantar para eu dormir? Pode compor uma música com meu nome? Pode cuidar do meu animal de estimação?
Ele me olhou apavorado:
- O que eu digo sobre o animal?
Sentei ao lado de Charles e peguei o queixo dela, fazendo-a me encarar:
- Medy, precisamos conversar sobre uma coisa muito séria.
- Medy gosta de falar sobre coisas sérias.
- Mamãe sabe. E mamãe confia na Medy, assim como o papai.
Ela sorriu e olhou para um, depois para o outro, orgulhosa.
- Papai vai ficar com a gente, como mamãe sempre prometeu para você, ok?
- Eu sabia. – Ela deu um sorriso largo e tentou piscar com um olho, nos arrancando risos.
- Eu amo quando ela faz isso... – Falei imediatamente.
- Eu acho que já amo também. – Ele derreteu-se.
- Para papai e mamãe ficarem juntos e com Medy, nós vamos ter que fingir que não ficamos aqui durante a chuva. E que Medy não sabe que Charles, este bonitão aqui, é o papai dela.
Ela assentiu com a cabeça, parecendo entender.
- Não é uma mentira. Nós vamos, na verdade, guardar um segredo. Isso porque mamãe e papai tem que desvendar uma charada.
- Medy entendeu, mamãe. E eu vou fazer tudo certinho.
- Então podemos contar com você?
Ela tentou piscar de novo. Apertei seu nariz e disse:
- Você não vale nada, docinho.
- Mas... Eu posso dar um beijo no papai duas vezes?
- Quantas quiser, meu amor. Isso não há restrições, ok? – ele me olhou – Diga que não há, mamãe... Que nós dois podemos fazer coisas juntos... E posso cantar para ela dormir... Como um bom... “tio”.
- Você pode fazer como o Gui. – Ela sugeriu.
Ele suspirou:
- Gui... Medy... – me olhou – Sabe que eles são...
- Sim. – sorri – Acho que por isso a ligação deles sempre foi tão intensa. Se amam.
- Medy ama Gui, mas ama mais papai. Eu disse para mamãe que ela podia namorar o Gui, mas se o papai aparecesse, não teria mais namoro.
- Boa menina! – Ele deu um beijo demorado na bochecha dela, que chegou a avermelhar a pele quando a soltou.
- Mas por enquanto, vamos fingir que Medy não se importa da mamãe namorar o Gui, ok?
Ela assentiu com a cabeça:
- Mamãe, Medy sabe de tudo. Não se preocupe.
- Sabe? – Charles arqueou a sobrancelha.
- Sabe... Sabe tudo. Papai, você pode beijar o meu pescoço? Porque dá cócegas com a sua barba.
- Por Deus, eu posso fazer isso a vida toda se você quiser... Porque Melody é o tudo para o papai... Quando você diz esta palavra, meu coração fica tão cheio, que transborda corações para fora. Está vendo os corações saindo por aqui? – Ele fingiu pegar um no ar, mostrando para ela.
Ela começou a rir:
- Papai... Papai... – As mãozinhas no ar tentavam pegar os corações imaginários.
Enquanto eu vi os dois fazendo aquilo, não pude evitar chorar. Claro que eu já era uma chorona desde sempre. Mas talvez a gravidez acentuou ainda mais minha sensibilidade.
Melody limpou minha lágrima e disse:
- Mamãe... Mamãe... Olhe seus corações... Pegue, mamãe... Você não pode deixar cair.
As mãozinhas seguiam para o alto, enquanto ela dizia, completamente maravilhada, e eu sabia que não era só pelos corações e sim porque estávamos juntos, como eu lhe prometi a vida toda que aconteceria:
- Mamãe, papai... Medy... Medy também faz sair corações?
- Medy faz sair corações enormes, olhe... – Ele mirou para cima e abriu os braços, fingindo pegar um enquanto ela ria sem parar.
- Obrigado... – Charles sorriu para mim – Por aparecer na minha vida naquela noite... E ter me dado nossa Melodia.
Sorri, sabendo que a nossa alegria não duraria muito tempo. Infelizmente teríamos que sair daquele lugar e voltar para o ninho das cobras. A parte boa é que agora eu não estava só.
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