Lembranças das noites quentes de verão romance Capítulo 193

- Você pode assistir tudo de uma sala com TV, se quiser. – Uma funcionária simpática me ofereceu.

- Eu gostaria muito.

Acompanhei-a até uma pequena sala, com três sofás grandes e uma TV. Sentei-me e na minha frente havia uma parede de vidro, de onde eu via o local onde era filmado o telejornal.

Ela me entregou o controle e disse:

- Eu acredito na inocência dele.

- Ele é inocente. – Afirmei.

- Tentamos muitas vezes convencê-lo a dar uma entrevista para o canal, mas ele nunca aceitou. O fato de não querer se expor foi o que mais fez as pessoas irem atrás dele. Sempre me pareceu que Charlie B. só queria cantar sua música e nada mais.

- Era exatamente o que ele queria - sorri – Mas as pessoas são muito ambiciosas. E por vezes querem mais do que o outro pode dar. E por este motivo detonam carreiras, e consequentemente vidas...

- Acha que não sei? Este mundo de famosos é muito triste por trás da câmeras... Principalmente com os artistas que estão começando.

- Ouça a verdade de Charlie B. Ela está escrita nos olhos dele.

Vi pelo vidro Charles entrar na bancada e sentar ao lado de Rosy Stassbaum e aumentei o volume da televisão, pois eu conseguia vê-lo pelo vidro, mas não ouvi-lo.

Prestei atenção à tela, vendo um Charlie B. confiante, desprovido de qualquer máscara de artista. Os olhos verdes fixos na câmera, passando uma tranquilidade e segurança que eu sabia que estava longe de existir dentro dele, pelo menos naquele momento.

- A revelação da prisão, por quatro anos, de Charlie B., um dos cantores mais famosos da atualidade, foi o assunto mais comentado hoje em Noriah Norte. Bem sabemos que Charlie sempre foi tímido e avesso a entrevistas, sendo que poucas pessoas conseguiram arrancar algumas poucas palavras dele desde que apareceu na mídia. No entanto, ele aceitou meu convite para estar conosco, no Jornal das Oito, para explicar o que aconteceu de fato com ele nos últimos anos. Bem-vindo, Charlie B.

- Obrigado, Rosy – ele sorriu com o canto dos lábios – Estou aqui, neste momento, disposto a falar sobre a minha vida privada para todo o país, a fim de me defender do que foi simplesmente jogado na mídia hoje cedo, para me prejudicar, de uma forma extremamente maldosa.

- Serão boatos o que ouvimos hoje, Charlie B.?

- Não... Não são boatos. Mas acho melhor eu começar lá do início. Afinal, esta verdade serve também para pessoas bem próximas a mim.

- Confesso que estou curiosa. – Rosy disse, bem à vontade, olhando fixamente para “el cantante”.

- Tudo começou quando eu engravidei minha namorada, aos dezesseis anos. Ambos éramos adolescentes e não tomamos os cuidados necessários. Enfim, deste relacionamento imaturo, mas não posso dizer “ruim”, nasceu meu primeiro filho, um Bailey, com seus hoje dezoito anos – sorriu, de forma triste – Claro que com a falta de experiência e tomando a decisão de não casarmos, especialmente pela preocupação dos pais dela com relação a nossa pouca idade, optamos por criar a criança cada um na sua casa. No meu caso, filho de uma mãe solteira e extremamente narcisista e individualista, ela pouco se importou com o que acontecia comigo ou o neto recém-nascido. Só me alertou de toda responsabilidade e avisou que minha vida estava acabada, assim como a dela quando nasci – respirou fundo e sorriu novamente, tentando ser engraçado – Mal sabia eu que minha mãe talvez tivesse uma pontinha de razão.

- Você tem contato com sua mãe hoje, Charlie B.?

- Bem, Rosy, como você também é conhecida no meio artístico, deve saber que quando a gente ganha um pouquinho de fama os parentes ausentes até então aparecem do nada, não é mesmo? Digamos que a senhora Bailey apareceu um tempo atrás, precisando de algumas coisinhas... – Riu.

- Infelizmente sei bem como é isso, Charlie.

- Bem, voltando ao passado, meu relacionamento com a mãe do bebê passou a ser somente em função dele. Porém, um pouco depois do nosso filho completar um ano, ela decidiu estudar em outro país. Acabei ficando com toda a responsabilidade sobre o nosso filho. Como nunca tive orientação materna e minha mãe reclamou da criança desde o momento que entrei com ele em casa, decidi viver sozinho, ou melhor, só nós dois. Cantar sempre foi a única coisa que eu soube fazer. Desde pequeno, adorava rabiscar, fingindo serem minhas composições próprias e também músicas e ritmos para elas. Mas eis um ramo que, se você não tem nome e não é famoso, mal sobrevive. Foi o que aconteceu comigo... Andando de bar em bar noturno, cantando cover’s, em busca de quem pagasse mais, afinal, tinha que bancar um lugar para morar, roupas e comida para mim e o bebê. Foi então, para “economizar”, tive a péssima ideia de levar meu filho comigo, deixando-o a cargo de amigos e conhecidos do bar onde eu consegui tocar em noites fixas. Claro que era errado. Mas eu tinha apenas dezoito anos. E não tinha muita noção do que podia ou não fazer com um bebê. Meu filho foi retirado de mim, judicialmente, e a guarda dada aos avós paternos, sendo que a mãe sequer voltou do exterior para participar da criação do garoto. Eu fui a exatamente “oito audiências” tentando recuperar a guarda. Sim, eu disse “oito”. E na nona eu não pude comparecer, porque já estava preso. E neste meio tempo, o menino cresceu e já não precisava mais de alguém que cuidasse dele... Ou ao menos que quisesse cuidá-lo.

- Nove audiências em que foi negado ao pai o direito de criar o próprio filho?

- Não, Rosy. Nove audiências em que não me foi permitido sequer “ver” o meu filho.

- Mas... Isso não parece estar muito certo, Charlie B. Não é possível... Não se você é realmente o pai biológico.

- Sim, eu sou o pai biológico. Não tenho dúvidas disso. Mas a mãe da criança convenceu a todos que as viagens ao exterior eram esporádicas... E que eu não tinha condições financeiras para cuidar do menino, visto que sempre trabalhei à noite e dormi durante o dia. Sem contar o fato de trabalhar em locais com bebida alcoólica, cigarros, e outras coisa que nem vale a pena mencionar. Quando enfim o juiz Francis Provost olhou por mim e pediu revisão das audiências antigas, fui preso logo em seguida, destruindo por completo minhas esperanças. O fato é que a família da mãe do garoto levou-o para outro país e fiquei completamente sem contato. Como as audiências eram sempre lá, ficava difícil para mim a locomoção, até mesmo por questões financeiras. Mas estive perante o juiz... Todas as “oito vezes” – olhou fixamente para a câmera – Qualquer pessoa pode se certificar dos processos que abri e minha presença em cada uma das audiências, independente do país onde foram... Basta ir atrás da documentação.

- Triste história, Charlie B.

- Seis anos atrás, conheci no Cálice Efervescente uma garota que estava comemorando sua despedida de solteira – o sorriso agora iluminou-se – Nunca acreditei no amor... Mas no momento que a vi pela primeira vez, entendi que eu estava errado. Que amor existia... E embora esteja até hoje tentando encontrar uma explicação de como é possível amar tanto uma pessoa, sendo capaz de qualquer coisa por ela, não consigo encontrar respostas. Sequer nos tocamos naquela noite. E quando ela foi embora, eu imaginei que perdia a única mulher que me fez sentir algo completamente novo e inexplicável...

Levantei, abrindo a porta e saindo dali, dirigindo-me para onde ele estava, na bancada, junto de Rosy Strassbaum. Nossos olhares se encontraram e meu coração apertou. Queria que ele entendesse que eu estava ali. E sempre estaria.

- Mas ela apareceu na noite seguinte... Desta vez não só de véu... Estava à caráter: vestida de noiva, um belo sapato pink... E ainda mais linda do que na vez anterior.

Ele desviou os olhos da câmera e me olhou. Sim, eu sabia que agora era minha vez. Só eu poderia explicar o que passei. Se era hora do mundo saber a verdade e “el cantante” estava disposto a contar a parte dele, eu também estava disposta a contar a minha.

Andei até ele, do jeito que estava: Sabrina Rockfeller, mãe em tempo integral, professora demitida por justa causa, grávida e sem maquiagem alguma.

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