Eu não tentei ser forte. Chorei, ali, na frente de Melody, pela primeira vez expondo minha maior fraqueza: a falta que o pai dela me fazia.
Yuna não fez nada. Nem tentou impedir meu choro. Ficou ao meu lado, esperando que eu me acalmasse.
Depois de alguns minutos, respirei fundo e preenchi meus pulmões com o ar, que parecia faltar. Peguei um lenço de papel no porta-luvas e limpei o rosto, depois assoando o nariz. Se fosse há anos atrás, jamais eu usaria o mesmo papel para ambas as coisas. Mas eu não era mais a mesma pessoa. Eu troquei fraldas e até hoje limpava minha filha depois que ela ia ao banheiro. Um mesmo papel para lágrimas e secreção nasal era das coisas menos piores que eu fazia.
Pus o papel no lixo e olhei para Melody, que estava sentada sem dizer nada, os olhinhos verdes arregalados, fixos nos meus:
- Me perdoe, Medy. Eu não deveria ter falado com você desta forma.
- Eu não devia ter me metido, mamãe. Não fique assim, vai ficar tudo bem.
- Por que você não é uma criança normal? Por que tem que ser tão linda e perfeita? Eu só posso ter errado nas contas... Porque minha Medy não parece ter cinco anos.
- Pode ter errado... – Yuna riu.
- Deus me livre! Se eu errasse as contas ela seria filha de Colin. E acredite, dentre as poucas certezas que eu tenho na vida, uma delas é que Medy é filha de Charles.
- E as outras certezas? Quais são?
- Que por mais que eu tente fingir que não... Eu tenho uma família. E me dói o fato de eles terem me enterrado viva. – Confessei pela primeira vez meus sentimentos com relação aos Rockfeller.
- Tem mais alguma?
- Que amigos de verdade não te abandonam nunca. E não falam o que você quer ouvir e sim o que “precisa ouvir”.
- E eles sempre estarão com você. Nas horas boas e ruins. – Ela tocou minha mão carinhosamente.
- Obrigada.
- Acho que está na hora de você viver, Sabrina. Muito tempo já se passou. Você se dedica em tempo integral ao trabalho e a sua filha.
- A mamãe precisa de um namorado. - Melody disse isso, aos cinco anos de idade, compreendendo exatamente o que se passava naquele momento.
A minha menina era inteligente e perspicaz. Tinha um vocabulário amplo e pronunciava corretamente as palavras. Às vezes ela me parecia uma mini adulta. Mas eu sabia que grande parte daquilo era porque Yuna e Do-Yoon também fizeram parte do crescimento dela. E ambos eram muito inteligentes e não infantilizavam muito as crianças, típico de sua cultura.
- Bem, vamos levar Yuna embora. – Olhei para trás e pisquei.
Melody piscou de volta. Eu adorava quando ela fazia aquilo, pois era uma das poucas coisas que ela não sabia. E acabava fechando os dois olhos juntos, com força, enrugando o nariz perfeitamente arrebitado.
Quando chegamos em casa, ela foi diretamente ao aquário e deitou-se de bruços sobre o sofá, com o rosto apoiado nas mãos enquanto observava o peixe nadando sozinho em sua água límpida.
- Vamos dar comida ao Solitário? – Sugeri.
- Pode ser. – Ela disse, sem levantar.
Peguei a comida que vinha num recipiente plástico e joguei um pouquinho na água. O peixe laranja subiu até a superfície para alimentar-se.
- Solitário parece estar feliz com a comida.
- Sim... Este peixe está feliz com a comida.
- Este peixe? – Questionei.
Melody estava quieta, somente a observar. Não parecia empolgada com seu peixe.
- Este não é o Solitário.
- Como assim? – Perguntei, perplexa.
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