Os Valente haviam retornado para o interior dois dias depois da transferência de Jonathan para o outro hospital. O leito privado era espaçoso e contava com toda a sorte de equipamentos e serviços para os pacientes, assim como conforto para o acompanhante. Havia uma TV com serviço de cabo e streaming, wi-fi, uma cama a um dos cantos e uma confortável poltrona para leituras. Em quase nada devia a uma suíte de hotel, além de possuir uma sacada com uma bela vista para o centro da cidade.
Lincoln Gama havia feito questão de trazer, de várias partes do estado, diversos nomes que eram referências em suas áreas para o acompanhamento do sono profundo em que Jonathan se encontrava. Diariamente, diversos procedimentos eram realizados para que o rapaz tivesse o mínimo possível de sequelas quando viesse a acordar, além de uns quantos testes e exames para o monitoramento das funções motoras e cerebrais. E ainda assim, o senhor Ricardo não parecia completamente contente quando embarcou na Ford Ranger para partir. Continuava olhando para o senhor Gama com o olhar repleto de desconfiança, como se se ressentisse do fato de estar lhe devendo algo.
Thomas vinha visitar o amigo quase todos os dias durante alguns minutos, o que fez com que ele e Eva acabassem criando um vínculo de amizade com Jonathan como pilar central. Nas quartas feiras, Melissa aparecia, trazendo para Eva um café preto com uma pitada de açúcar do Galeria Café para que as duas pudessem colocar os assuntos da semana em dia. Eva ia em casa quando os pais ou irmãos de Jonathan vinham passar alguns dias, mas, a tirar isso, permanecia a maior parte do tempo ao lado de seu amado.
Por vezes, chorava por sentir falta de todos os seus toques, olhares e palavras gentis, por vezes, sentia-se animada e confiante, tirando algumas horas para lhe contar, mesmo sabendo que não era ouvida, histórias de sua vida ou devaneios que tinha durante aqueles dias.
Ainda sentia seu coração palpitar quando se lembrava das relativamente poucas experiências que haviam tido juntos ou, mesmo, quando imaginava e fantasiava sobre o que ainda poderiam viver. O calor que sentia ao ser observada e desejada por outros, no entanto, parecia ter amainado completamente, como se, sem o olhar enciumado de Jonathan ali para servir de combustível, para fazê-la se sentir ainda mais desejada por ele, aquilo perdesse completamente o sentido. Havia-se feito ciente daquilo quando, com um par de palavras secas de sua parte, dispensara os olhares de um dos médicos responsáveis pelo monitoramento diário do paciente que insistia em flertar sutilmente de quando em quando.
E assim iam se passando as horas, os dias, as semanas. Saía apenas quando estritamente necessário, para resolver um ou outro problema, mas, ademais, ali trabalhava, ali se banhava, ali vivia. Não sentia, no entanto, estar jogando fora dias preciosos de sua vida, mas lutando por algo que, sabia, se tornaria parte constante de si mesma.
Sentia-se aquecida quando, por vezes, ao se deixar escorregar para um pranto desconsolado, aquele mesmo toque morno e aconchegante que havia sentido antes da transferência a acalmava. Em seu íntimo, sabia que era ele, correndo até ela, preocupado, como no dia em que ela havia se cortado nos cacos de vidro de uma taça atirada de rompante contra os tijolos refratários da churrasqueira em seu apartamento. Era como se a abraçasse, pedindo para que se acalmasse.
Mais de um mês se havia passado depois que haviam atentado contra a vida de Jonathan. O constante e repetitivo bipe do monitor cardíaco já se havia tornado tão banal que era como se nem o ouvisse mais. Não que houvesse parado de torcer para que ele apitasse diferente, mas havia desistido de se frustrar uma vez que quase nunca o fazia e, mesmo quando o fazia, aquilo nada significava e acabava por se normalizar sem que Jonathan abrisse os olhos. Eva já conhecia todas as enfermeiras e médicos responsáveis pelo bem-estar de Jonathan e já tinha o leito de hospital como uma extensão da própria casa.
Quando a quinta-feira chegou, ela decidiu sair para tomar sol. O dia estava bonito, mas, as pessoas caminhavam apressadas, como se tivessem pouco tempo para desperdiçar. Sabia que, na tarde seguinte, Helena viria para passar o final de semana, então, passou na farmácia e depois no mercado para comprar algumas guloseimas que sabia que a mãe de Jonathan gostava de comer.
Eva caminhava distraída, carregando suas sacolas, quando olhou para o lado. Percebeu-se atravessando a pequena estradinha que dava para a porta fechada do 8ball Music Bar. Sentiu o coração palpitar, lembrando-se da última vez em que havia olhado de perto nos olhos de Jonathan. Ele parecia confuso naquela noite. A encarava como se não a reconhecesse, ou, ao menos, como se não entendesse como ela podia estar ali. Se ela tivesse sido um pouco menos impulsiva, teria percebido o mal-entendido que se desenrolava. Ela suspirou, lamentando tudo o que havia acontecido. Fazia aquilo quase todos os dias, se perguntando quão felizes eles estariam se nada daquilo tivesse acontecido e ele não tivesse ido dormir na casa de Thomas.
Balançou a cabeça, tentando expulsar aqueles pensamentos e se manter positiva. Seguiu, então, seu caminho, descendo a rua. Passou pelo mesmo local aonde, semanas antes, havia atirado o singelo pingente o qual havia ganhado. A imagem tristonha de Jonathan, envolto nas sombras da noite chuvosa, erguendo o pingente e o cordão partido do chão havia partido seu coração e trazido uma enorme onda de arrependimento. Ela suspirou, melancólica, levando a mão à gota azul presa ao cordão, então consertado.
Mais adiante, atravessou a rua, entrou pela porta do hall e subiu até o sétimo andar de elevador. Encaixou a chave na porta e a girou, lembrando-se novamente, do momento em que havia caído na entrada de sua casa. O exato momento onde o havia visto pela primeira vez, sentado ao lado de Eric. Tinha uma xícara na mão e um pires na outra e encarava o ponto entre suas pernas, sem conseguir desviar o olhar. Mas não, ele não estava ali naquele momento. Apenas Eric.
Ele a encarou, surpreso.
— Oi. – Ele cumprimentou.
Eva sorriu um sorriso entristecido.
— Oi. – Eva deixou as sacolas sobre a mesa.
— Estou voltando para São Paulo hoje mesmo. – Ele comentou.
— Mas já? Mal ficou duas semanas em casa. – Eva se surpreendeu. – Achei que as coisas já estivessem terminadas por lá.
Eric se levantou e seguiu com ela até a cozinha.
— Bom, aparentemente, há muito a ser feito e um mês não é suficiente. – Ele revirou os olhos. – Preciso adestrar o gerente regional de lá.
Eva suspirou. Detestava ficar sozinha naquele apartamento repleto de memórias e, apesar de eles não mais dividirem a mesma cama, Eric lhe servia como uma agradável companhia quando os pais de Jonathan vinham para ficar com ele no hospital.
Eva aninhou a cabeça no peito de Eric e se aproximou de mansinho. Ele a envolveu em seus braços, entendendo sua súplica por algum calor.
— Como ele está?
Eva o abraçou, soltando um longo suspiro.
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