O pecado original romance Capítulo 96

Havia uma ruazinha muito charmosa na cidade vizinha, pela qual Jonathan e Eva caminhavam de braços dados. Ela era ladrilhada com muito esmero, com lajotinhas de várias cores a formarem mosaicos diversos e intrigantes. Era uma ruazinha comercial, destinada apenas a pedestres. A um dos lados, era repleta de lojinhas, restaurantes e outras conveniências enquanto do outro, um rio largo corria, contínuo e imutável. As pessoas caminhavam, de maneira desapressada, observando as vitrines das construções em modelo enxaimel, pensando em como pretendiam gastar seu dinheiro.

Eva havia acabado de lhe contar que esperava uma criança, o que o havia deixado eufórico e exultante. Se é que era possível, aquilo fazia com que a amasse ainda mais.

Não que a prospecção de ter um outro filho não o preocupasse. Longe disso. Estava ciente do tamanho da responsabilidade, mas, tê-la ao seu lado o deixava plenamente confiante de que estando juntos, tirariam mais aquela de letra.

Sua vida até ali, não poderia ter sido descrita como fácil. Havia trabalho a ser feito. Lidar com a vida, em si, era como enxugar gelo. Sempre havia mais a se fazer. Resolvia-se um problema, e outro tomava seu lugar. Só que, mesmo ante as dificuldades, lá estava ela, caminhando ao seu lado. Tê-la ali tornava tudo melhor.

Talvez eles não fossem o casal perfeito. Assim como qualquer outro, discutiam quando tinham que discutir, sentiam raiva quando tinham que sentir e, mesmo que raramente, se magoavam e diziam o que não deviam, geralmente, se arrependendo no exato momento subsequente, mas, quando se amavam, era sempre avassalador, imenso e, indubitavelmente, real. As conversas entre os dois eram fluidas e românticas, sendo, tanto um quanto o outro, perfeitamente capaz de tirar do parceiro, seu lado mais intenso, mais apaixonado.

Um magnetismo inegável os havia aproximado. Talvez, a coisa mais racional a se ter feito, à época, teria sido se afastar assim que tivessem percebido o tipo de atração que sentiam um pelo outro, mas, quando se tratava de Eva, Jonathan deixava que seus impulsos mais primitivos e intensos o guiassem. Sabia que era assim com ela também.

Não que em todos os aspectos, ele se considerasse impulsivo. Na verdade, se considerava uma pessoa ponderada e, algumas vezes, até mesmo, condenava-se por não ter agarrado mais oportunidades que o teriam possibilitado fazer algo divertido e, mesmo, arriscado. Sempre havia sido descrito pelos pais como um rapaz responsável e, ainda que estes lhe tivessem dado sua boa dose de liberdade quando mais jovem, sua maneira de aproveitá-la era, quando muito rebelde, “roubando” a moto do pai para dar algumas voltas pela pequena cidade.

Quando comparado a Eva ele se via simplório, possuidor de pouco a oferecer. Apenas um “colono bobinho”. Mas, ainda assim, ela era capaz de fazê-lo se sentir o maior dos homens, desejando-o e elogiando-o a quase todo momento, mesmo quando, nos dias seguintes ao seu despertar no hospital, com os músculos hipotrofiados, ele mal conseguia se locomover sem auxílio.

Haviam sido dias difíceis aqueles. Dias a fio, tomado por uma enorme frustração por não ter força ou capacidade para nada. Falar lhe era trabalhoso, comer sozinho era quase impossível, andar, então. Não gostava nem de se lembrar. Não tinha recordação clara dos eventos que o tinham atirado àquela cama, muito menos do mês que passara desacordado, mas, a memória dos meses que se seguiram após seu despertar lhe traziam sempre a sensação de total impotência. E Eva esteve sempre lá. Chorava com ele quando se sentia frágil, comemorava suas vitórias. Cada passo que dava durante as sessões da fisioterapia intensiva era motivo para um sorriso. E Jonathan usava cada um daqueles sorrisos como combustível.

Ela havia esperado pelo menos cinco dias após o despertar para lhe contar sobre o seu divórcio na época. Segundo ela, havia decidido daquele jeito, temendo atrapalhar sua recuperação. Entre a culpa e a euforia, Jonathan entrara, quando soube, em um estado catártico de aceitação de que aquilo pelo que estava passando era apenas sua vida tomando seu rumo natural. A partir daquele momento, passou a se sentir formidavelmente mais seguro, tendo, até mesmo, apresentado melhora considerável no rendimento de sua recuperação.

Jonathan percebeu o quanto a reação de Eva às coisas relacionadas a si mesmo lhe fazia diferença, perguntando-se se, em vez de ele tê-la dado asas, não havia sido justamente o contrário.

Seis anos haviam se passado desde que ele havia acordado no hospital. Quando pensava em quanto tempo eles haviam demorado para se apaixonar um pelo outro e deixar que as vidas de ambos virassem de cabeça para baixo, sentia-se um tanto inconsequente, mas, então, olhava para a mulher que caminhava ao seu lado pela estradinha charmosa de lajotas coloridas e o direcionava aquele exato mesmo olhar inacreditavelmente apaixonado de seis anos atrás e sentia que faria tudo de novo.

Eva o havia, naquele dia, convidado para ir até a cidade vizinha, comprar bugigangas para que pudessem enfeitar a casa para o natal. A pequena Raquel havia insistido para que o tema dos enfeites, naquele ano, fosse da cor azul, segundo ela, sua cor favorita naquele mês. Aos cinco anos, com os cabelos tão dourados quanto o raiar do sol e os olhos enormes e azuis como o céu, parecia uma cópia em miniatura de Eva, mas, tinha a personalidade tão semelhante à do pai que, por vezes, fazia com que Eva a ficasse admirando, encantada, enquanto ela falava e expunha seus sentimentos de maneira tão pragmática e aberta sobre o que quer que fosse.

Após três anos morando na cidade no litoral, em um apartamento menor, para onde haviam se mudado, Jonathan havia, assim como planejado, pedido sua demissão da Gama&Gama, aonde havia assumido o papel de braço direito do então diretor executivo, seu amigo e padrinho de sua filha, Thomas Gama.

Após muito conversarem sobre o assunto, Jonathan e Eva se mudaram para o interior, para a casa há vários anos abandonada aonde o avô de Jonathan costumava viver quando saudável, nem tão longe da casa dos pais de Jonathan para que eles precisassem vir de malas, nem tão perto para que pudessem vir de pantufas. Quedava-se ao outro extremo das terras dos Valente, uma grande fazenda verde.

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