O ar dentro de meus pulmões queimavam, senti uma agulhada interna e a dor me fez abrir os olhos, me deparando com uma poça de água, onde minha cabeça estava socada dentro. Levantei a cabeça assustado, puxei o ar e respinguei com a barba e o cabelo encharcados, caindo em seguida, notando que eu estava dentro de um banheiro e banheira cheia de água era meu acesso mortal. Tentei entender o que estava acontecendo, e me deparei com Sore, logo atrás, sentada em uma cadeira, de pernas cruzadas, bem vestida e fumando, calmamente.
— Bom dia, docinho. Acordou? — limpei a água da minha cara, apoiei minhas costas na beirada da banheira e ela puxou um pano sobre a pia, tacando-o na minha cara. — Se seca aí, como não deu tempo do tranquilizante acabar o efeito, eu tive que acelerar o procedimento.
— Eu podia ter morrido… — resmunguei.
— Que coisa… — ela murmurou pouco incomodada, puxou o ar e soltou a fumaça pra cima — Se seca aí, tô te achando meio gato todo molhado assim. Tá me distraindo.
— O que você quer? — perguntei cuidadoso, passando a toalha no cabelo. — Eu sei qual é o procedimento com os traidores. Cadê o Iron?
— Olha, apesar de eu querer muito, você ainda não vale uma bala do meu tiro. — ela sorriu — Ou vale…? Ah, esquece. Então, eu quero saber onde está o Espano e seu filho, que você deixou vivo.
— Eu não traí vocês.
— Eu sei que não. — ela trocou o cruzamento das pernas, tragou o cigarro de novo e eu a olhei com cuidado. Sore deve ter deixado até as janelas à espreita, dependendo de como eu me mover eu nem chego perto dela. Ela é fria, trabalha muito bem, principalmente com raiva. Ou eu só estava sendo um molenga? — Então, conta pra mim o que você ia fazer…
— Do que você está falando? — tentei de novo.
— Espano e seu filho… Eu sei que ainda tem uma turma da pesada por aí, e diferente do Iron, não tenho mais intenção de pisar em solo americano. Então, eu preciso entender a do Espano e do filho dele. — ela sorriu, o cigarro acabou e ela jogou a cinza final no chão, pizou com a ponta do sapato e depois me olhou — E aí, vai bancar o retardado e perguntar do que se trata de novo?
— Do que você sabe, e do que você não sabe? — perguntei cuidadoso — Porque até pouco tempo, você estava no meu apartamento, mirando um calibre na minha testa! Não se faz uma merda dessa com alguém da irmandade! — retruquei, entre os dentes, pensei em me levantar, mas ela levantou o dedo e eu olhei pros lados.
— Primeiro, pouco tempo não, faz dois dias. O Iron injetou um mata-leão fodido na sua testa. — eu franzi o cenho, entrei em desespero e dessa vez eu levantei, mas ela já me tinha na mira, puxou o engate do calibre metalizado e sorriu quando me viu parar. — Nem pense em se mover, gatinho ruivo. Se passar pelo meu calibre, tem outro mata leão te esperando, na janela e na porta. Eu só preciso fazer barulho.
Dois dias era muito tempo, como eu ia explicar? Eu joguei para os dois lados, com isso eu eliminei gente importante no campo, tentando segurar a barra. Eu fiz todos os trabalhos que ela me enviou, mas eu também tentei barrar o outro lado. Claro, eu também tentei achar um jeito de ir embora e sair do fogo cruzado, mas isso era pensando na fantasia de ter uma vida que eu planejava com a gracinha, o outro detalhe era óbvio, me apaixonei. Eles estavam fora do esquema, tinha muita sujeira e gente mexendo por baixo dos panos. Eu tive que trabalhar para os dois lados, para ter certeza que no final das contas, Sore não ia morrer assim que sentasse na cadeira dos gangster. Mas eu deixei o filho da puta do Espano escapar, quando quase morri da última vez e demorei pra voltar. Foi um erro e eu precisava concertar.
Eu estava montando uma estratégia, tinha acesso e os mapas. Os caras estão escondidos e bem escondidos, tinha um hangar de acesso com túneis, numa antiga base deserta. Eu precisava estar lá, sem que ninguém soubesse, antes que Sore seguisse em frente com os planos de gangster. Ainda tem gente trabalhando pro Espano, no meio termo dela.
— Sore, não dá para explicar.
— Dá sim, você só precisa me dizer quem é o seu contato dentro do hangar da base deserta. — eu pisquei, sem entender porra nenhuma — Oh, o que você quer, um pedido de desculpas? A Érina te faz um boquete depois e tua raiva passa. — ela deu de ombros — Mas confesso que sua jogada foi de mestre. Trabalhar pros dois lados, mesmo sabendo que isso era contra a irmandade, olha… Tá de parabéns. Só que não, né gato? Você deu a missão como concluída, mas na verdade o Espano está vivo. Mentir pra mentiroso, não é bom negócio.
— O que você… O que o Iron sabe sobre isso? — perguntei cuidadoso.
— Ele precisa do seu contato, ele tá meio que encurralado do lado de fora. Espano não está realmente morto, mas o filho dele está no papo. Ele só precisa de um nome e uma descrição. Resumindo, ele foi limpar sua merda.
— Porque ele fez isso? — Sore respirou fundo, meio impaciente.
— Porque ele pediu pra cadela chutar a sua bunda, e ela foi lá te dar. Eu não fui lá pegar a Sandra, fui invadir aquela merda pra me certificar dos seus planos. O que você achou, que o Iron não ia descobrir? Agora para de enrolar, me passa a descrição e um nome. Faz essa, garotão. Pela irmandade. A cadela supera o mundo dos mortos, mas ele é meu único irmão. Diferente dela, não vou chupar o seu pinto pra me consolar.
Ela tirou o telefone do bolso, não conseguiu sorrir e apontou o aparelho para mim. Agora tudo fazia sentido, ele apenas tentou. Uma última vez, ele tentou recuperar a vida dele, ficar com ela e… Filho da puta! Porque ele escolheu levar o mundo nas costas? Ele não tinha que fazer essa merda! Abri a porra do celular, coloquei o aparelho no ouvido e ouvi a voz do outro lado.
— Pouco tempo, fala.
— Cuzão. — respondi, sentindo uma droga de peso nos ombros.
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