Olho para baixo e vejo patas, o que me assusta no começo. Fico surpresa com o quão próximas estão de mim antes de perceber que são minhas e que estão onde deveriam estar minhas mãos, firmes no chão. Patas grandes, fortes, com garras; maiores do que eu pensava que seriam. Ergo uma e a sacudo, quase como se precisasse me convencer de que posso usar e controlar esse membro, e garantir que está conectada ao meu corpo. Minhas pernas são robustas, e tenho pelos cinza-pratas grossos nas costas. Nos pelos em meu peito musculoso, há um caminho branco como a neve até onde eu consigo ver. Olho para esse caminho e inclino a cabeça, pressionando o queixo contra o peito para ver até onde ele se estende.
Tenho pouquíssimas lembranças de minha mãe em sua verdadeira forma, mas sei que herdei isso dela. Ela era branca, e meu pai prateado, mas é raro combinar as duas cores dessa maneira. A maioria dos lobos são castanhos ou cinzentos... O branco é uma mutação que quase não se vê, e a minha mãe tentava se esconder porque isso chamava atenção.
Balanço a cabeça, e o peso dessa forma diferente, com a qual não estou acostumada, me desequilibra. Ainda não tenho controle de meus membros e movimentos, mas estou ciente de que minha cabeça é muito maior do que meu crânio humano. Cambaleio sobre essas pernas estranhas e caio de bunda no chão, esbarrando na pedra. De repente, volto a mim e presto atenção na cena ao meu redor, lembrando-me de que ainda estamos sendo observados. Fico sóbria mais rápido, pois meu novo metabolismo tem maior facilidade em tirar as drogas de meu sistema e limpar meu sangue.
A atmosfera está solene, e estou cercada de lobos recém-transformados; todos em tons de cinza e marrom. Sou a única com pelos brancos no peito. Os cantos do Xamã chamam a minha atenção, então me viro na direção dele, mas tropeço em minhas próprias patas por falta de coordenação quando tento me endireitar e me levantar. É difícil usar as mãos como patas dianteiras, e instintivamente me apoio demais nas patas de trás, perdendo o equilíbrio e me inclinando para frente mais uma vez para corrigir isso. Porém, acabo caindo de cara no chão mais uma vez e bato a mandíbula na terra.
“Fica mais fácil. Tenta usar as suas patas; todas as quatro." Inclino a cabeça em direção à voz acima de mim e recuo quando percebo que Colton Santo está bem ao meu lado, observando enquanto passo vergonha e caio no chão devido às pernas novas. Não sei se fico chocada ou preocupada por ele ter falado comigo.
Nunca confiei nesse cara nem nas motivações dele, e me pergunto quando ele chegou aqui, tão perto de mim. Evito olhar direto para ele e me concentro em aprender a usar esse corpo estranho. Tudo o que posso fazer é ganir de volta, e é aí que percebo que não tenho capacidade de dizer palavras nessa forma, então instintivamente entro em meu próprio vínculo telepático.
Os lobos da mesma alcateia têm uma conexão telepática uns com os outros, então podem se comunicar entre si sem falar, já que falar é impossível para um lobo. Nossas cordas vocais não são adaptadas para a fala humana. Quando se está perto o suficiente de outro lobo, também é possível se comunicar com ele, mesmo que ele não seja da mesma matilha, desde que esteja disposto a ouvi-lo.
Era uma sensação estranha. Tentei me conectar com ele, estranhando essa nova habilidade que parecia tão natural, mas que eu não tinha antes. Tudo isso é demais para mim, e não tenho certeza se ainda estou muito drogada nesta forma, ou se esta nova maneira surreal de ter experiências é por conta dos sentidos de lobo. As coisas nos afetam de maneira diferente de quando estamos na forma humana, e eu preciso me acostumar à forma como estou me sentindo desorientada.
"Bom, é só praticar até conseguir. Vê se aprende rápido." Ele aceitou a conexão, e a voz rouca, dentro de minha cabeça, tinha uma certa familiaridade que me causou um sentimento estranho no estômago. Não era uma resposta nem um pouco educada, e o tom indicava que ele não queria falar comigo, muito menos em uma conexão telepática.
Não sou do bando dele, nem estou no mesmo nível que ele. Foi até desrespeitoso tentar. Como que para demonstrar esse fato ainda mais, Colton se afastou em direção ao pai, e eu me abaixei para entender tudo o que está acontecendo comigo. Sou pesada e não sei como me movimentar com destreza em meu corpo de lobo, já que passei a vida toda andando sobre duas pernas. Devo ter quatro vezes o meu peso normal, pelo menos, embora o tamanho das minhas patas sugira que eu talvez tenha até mais.
“A transformação não vai durar... A primeira vez é apenas por um breve momento. Quando você se transforma, acorda e encontra o caminho que vai te levar ao seu destino. Prestem atenção e fiquem alertas. Vocês estão do outro lado agora”, declarou o xamã em voz alta, em um tom rítmico que ecoou pela montanha, quase como um canto profético. Um que eu já ouvi tantas vezes, mas que, desta vez, enfim significa algo para mim.
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