Atílio esperava todos os dias por Guadalupe, vê-la passar havia se tornado um hábito. Sempre estava naquela janela ansioso por avistar aquele encanto de garota.
– Eu preciso conversar com aquela donzela, encontrar uma forma de ficar a sós com ela, mas com aquele pai estúpido eu não vejo como! – Resmungava Atílio.
– Pelo que parece a família dela é bem sistemática, recusaram seu convite para jantar. Sebastião me disse que eles são muito religiosos e vão a missa todos os domingos sem falta. – Lembrou Amélia e Atílio adorou a sugestão.
– Então é isso que farei, vou me tornar o maior católico desse lugar!
Atílio sorriu, agora tinha certeza de que a veria e muito.
– Está tão interessado assim nessa menina filho? A ponto de se converter de verdade? – Amélia sabia que o patrão não era nada religioso e jamais havia entrado em uma igreja.
– É que além de bela, ela é diferente das outras eu não sei por que, mais vou descobrir o que tanto me encanta naquela mulher, além da beleza é claro.
Ele passou a semana contando os dias para chegar o domingo, estava sempre na janela esperando-a passar e naqueles dias não teve a honra de ver.
Domingo na missa...
Guadalupe estava bela como sempre, Ester sempre deixava a filha bem arrumada para ir à missa por que era enfim o único lugar além da fazenda onde iam toda a semana. Ela estava com os cabelos soltos e um vestido simples e alinhado.
– Já quer ir falar com o padre sobre sua crisma filha? – Pergunta Ester ajeitando com as mãos os cabelos da filha.
– Sim mamãe, tem que ser agora antes da missa.
Dona Ester a levou até a sacristia, mas o padre pediu que ela esperasse um instante pois estava com um pequeno contratempo.
– Dona Ester, pode nos ajudar um momento? É que a túnica do padre Antenor acabou de rasgar e como você é uma boa costureira, acho que precisa dar uns pontos... – Diz Fernanda se aproximando apreensiva e com medo de que a cerimônia fosse atrasada por esse motivo.
– Se importa em esperar aqui um instante filha? Prometo não demorar. – Perguntou Ester e Guadalupe acenou com a cabeça.
– Não me importo mamãe, pode ir tranquila e vou esperar a senhora e o padre aqui bem quietinha.
– Está bem meu anjo, eu já volto. ¬– Diz Ester saindo com Fernanda.
Guadalupe ficou ali na sacristia, apenas esperando a mãe. Até que Atílio entrou e a viu sozinha como tanto queria.
Não disse nada, apenas ficou de pé sorrindo de leve e admirando sua beleza por alguns segundos.
Guadalupe tinha os demais sentidos apurados, percebeu a presença dele sabia que havia mais alguém ali apesar do silêncio. Todos na cidade sabiam da sua deficiência e se aquela pessoa não denunciou sua presença é por que com certeza era algum estranho.
Com medo, ela resolveu sair em direção ao salão da igreja onde podia ouvir as vozes das pessoas aguardando a missa e o pai viria de encontro a ela, mas acabou por engano indo na direção dos braços dele que não perdeu tempo e a agarrou forte.
– Quem é você? Por que não diz nada? Me solte! – Pediu ela tentando se soltar dos braços fortes dele.
– E eu achando que você era puritana, mal podia esperar para se jogar nos meus braços não é garota? ¬– Ele respondeu metendo seu rosto no pescoço daquela jovem assustada e sentindo o cheiro da sua pele.
Ela tentava se afastar, mas ele a continha em seus braços, por mais que ela lutasse bravamente.
– O que está acontecendo? – Perguntou o padre surpreendendo-os naquela luta amorosa em plena sacristia.
– Solte minha filha agora mesmo rapaz! – Exigiu Ester.
Atílio abriu os braços e Ester puxou a filha para seu lado, a moça ainda ofegava forte e tremia.
– Me desculpem por isso, eu apenas entrei para falar com o reverendo e sua filha veio para os meus braços assim repentinamente... – Atílio tentava se defender, não podia perder a confiança da mãe dela de jeito nenhum.
– Minha filha é cega e com certeza você a assustou, assim como quando a surpreendeu indo para a cidade.
– Cega? De verdade? – Atílio arregalou os olhos e de todas as coisas que ele esperava ouvir, aquela seria a última.
Aquela frase entrou em meus ouvidos como uma bomba, como uma jovem tão linda poderia ser cega?
– Infelizmente sim, vai dizer que só agora percebeu? – Perguntou Ester.
– Leve Guadalupe para tomar água ela está pálida, depois que se acalmar nós conversaremos direito sobre sua crisma. – Diz o padre tentando acabar com aquela confusão e começar de uma vez a celebrar a missa.
– Sim padre, com licença. – Responde Ester levando a filha para fora.
– Não deveria ter tocado nela assim rapaz, as moças daqui são todas de respeito e Guadalupe ainda mais.
– Perdoe-me padre como eu disse não pude evitar, eu gostaria de oferecer donativos para as obras de caridade da igreja. Quero colaborar e para isso convido o senhor para almoçar em minha casa amanhã. – Atílio queria muito mais do que parecer caridoso para todos e assim conseguir a admiração da jovem e de sua família.
O padre só conseguiu ouvir a parte dos donativos, claro que saber que um homem rico iria cooperar com as obras da igreja lhe encheu os olhos.
– Está certo, estarei lá. – Diz o padre apertando a mão de Atílio.
Eles voltaram para o salão da igreja e o padre começou a celebrar a missa enquanto Atílio e Amélia cochichavam.
– Filho por favor, seja mais discreto. Todos estão notando seus olhares para trás. – Pediu Amélia rente ao ouvido de Atílio.
– É que...ela é cega! E eu não consigo acreditar nisso.
– E por que não? Se a mãe dela disse por que a dúvida?
– Que Deus justo é esse que tira a luz de olhos tão lindos? Isso é um pecado! – Responde ele revoltado e sem conseguir parar de pesar no que ouviu sobre ela.
– Pecado é esse seu olhar de luxúria sobre ela em plena casa de Deus.
– Vou tentar me comportar Amélia!
Ao fim da celebração o padre se aproximou da jovem e sua família.
– Guadalupe já está em idade de fazer a crisma, esse é o último anúncio do evangelho antes do matrimônio. – Relembrou o padre e Guadalupe sorriu.
– Eu queria mesmo falar com o senhor sobre isso, mesmo que eu não me case eu quero receber a crisma.
Ao ver o padre ali por perto e falando com sua mais conquista, Atílio resolveu se aproximar também.
– A sua benção padre e não se esqueça do nosso compromisso de amanhã. – Atílio fez questão de mostrar que tinha o apresso do padre e lhe beijou a mão.
– Deus te abençoe e não esquecerei meu filho, estarei lá pontualmente.
Atílio foi embora com Amélia, mas não sem dar uma boa olhada em Guadalupe.
– Eu não gosto desse homem. ¬– Murmurou Leonel.
Ester pensou que se o marido soubesse do atrevimento dele com a filha odiaria um pouco mais forte.
– Ele parece ser uma boa pessoa, mal chegou a cidade e já se ofereceu para ajudar com as obras de caridade da igreja e conversaremos sobre isso já amanhã. – O padre tentou desfazer a impressão que muitos tinham daquele homem que mal conhecia.
– Com certeza deve existir algum anseio político nessa bondade toda.
– Não julgueis para não ser julgado Leonel! E seja por qual motivo o que importa é que iremos ajudar muitas pessoas com o dinheiro dele. – Diz o padre.
– O senhor está certo padre, Deus é grato a todas as ofertas e seja quem for o que vale é a obra!
– Sim Guadalupe, está certa como sempre. ¬– Responde padre, se despedindo da jovem e sua família.
Meu pai nos levou para casa de charrete e enquanto fazíamos o caminho de volta, fiquei pensando no toque e na voz daquele tal Atílio.
Desde o dia que fez Raio de sol perder o caminho eu nunca esqueci o som da sua voz, era forte, grave e as vezes assustadora.
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