INDECENTE DESEJO romance Capítulo 22

Algumas horas antes.

Eu sabia que esse dia chegaria cedo ou tarde. "O destino sempre volta pra cobrar suas dívidas", minha mãe costumava falar. Evitei ir até a penitenciária quando pedi o divórcio, na época de sua prisão a mídia me torturou tanto que fiquei depressiva por duas semanas, nunca fui vê-lo, nem ao menos para entender toda a situação, mas sabia que ele viria atrás de mim quando saísse e sinceramente, ele demorou mais do que eu previa. Encaro o comprimido como se ele fosse minha boia salva vidas, indecisa se devo ou não ingerir o sedativo forte para acalmar meus nervos. Os medicamentos para controle de ansiedade começaram a fazer parte da minha vida na adolescência, quando a ausência de mamãe se tornou quase insuportável e as crises vieram, junto de noites mal dormidas. Algo mais leve no início, mas com o tempo apenas um tarja preta conseguia surtir efeito.

— Droga! — Grito, arremessando o medicamento na lata de lixo. Coloco uma mão sobre minha barriga me convencendo de que esse é o certo a se fazer.

Pego minha bolsa, caminhando para a saída do meu apartamento, não deixando de visualizar meu perfil no grande espelho da sala de estar e constatar o volume no meu abdômen. Abano com a cabeça, expulsando o fio de culpa que ameaça aparecer. Ele queria um filho. Henrico sempre deixou claro suas pretensões, uma família grande e perfeita, assim como era com seus pais. Mas infelizmente aquele não era meu sonho, eu sequer pensava em ter filhos, então cada vez que ele sugeria algo eu mudava o rumo da conversa. Eu não o amava. Eu não poderia ter os seus filhos.

Mas...

Suspiro, puxando e soltando o ar pra fora dos meus pulmões quando o elevador ameaça abrir. Graças à Deus não tem nenhum vizinho ao meu lado, me perguntando sobre meu pai ou como vai a gravidez.

O grande Augusto Leal.

O único homem capaz de me convencer a fazer qualquer coisa, até mesmo mentir para o juiz.

Saio do elevador, ignorando os cumprimentos de alguns conhecidos no Hall e seguindo direto para fora do prédio, acenando para o primeiro táxi que aparece, grata por ele estar vazio.Não estou pensando quando dou o endereço da primeira casa que morei, o lugar que hoje é morada de papai e as impostoras. Me remexo no banco, desconfortável com todos os pensamentos que estão surgindo na minha mente agora.Ele queria saber daquela noite.

A noite em que fui encontrar Pedro.

— Mais rápido, por favor. — Peço ao motorista. Mordo o canto do meu lábio, visualizando perfeitamente a tal noite na minha cabeça. A noite estava fria e sombria, apesar de que a chuva estava só no começo quando saí, eu sabia que um temporal estava prestes a cair, apenas não imaginei que esta viria a ser uma analogia perfeita anos depois.

— Obrigado. — Digo ao taxista, entregando bem a mais do que a corrida deu e seguindo direto para a enorme casa luxuosa. A casa que a minha mãe escolheu. Entro direto, sem bater ou fazer qualquer barulho para chamar atenção. Eu sei que papai está em casa, sei porque conheço sua agenda e por isso, sigo direto para seu escritório. Ele levanta a cabeça e ergue sua sobrancelha assim que me ver, sua boca torce em desagrado e concluo que minha presença não é bem-vinda.

— Aurora. — Ele diz, bem menos amável do que costumava ser quando a outra não existia em sua vida.

— Pai. — Minha voz sai tremida, quase com um pequeno gemido de dor.

— Seu marido está vindo, tem algo que queira falar antes da chegada dele? — Ignoro a parte de que Pedro tem uma reunião com ele sem o meu conhecimento.

Me aproximo de sua mesa e depósito minha bolsa em uma das cadeiras, tomando coragem para despejar o que venho reprimindo há anos.

— Henrico foi a minha procura. — Resolvo falar de uma vez.

Sua expressão muda de imparcial para furioso, fazendo com que eu dê dois passos para trás.

— O que você disse? — Pergunta, saindo de trás da mesa e vindo para minha direção.

— Nada, mas... — Paro, ponderando minhas palavras.

— Mas? Não a nada para falar, menina. Esse homem é nosso inimigo graças à você! — Grita, se aproveitando da minha insegurança.

— Do que você está falando? — Pergunto, não compreendendo suas acusações.

Ele bufa, indo para o bar e se servindo com um pouco de uísque.

— Bem, foi você que se casou com ele escondido, não foi? Sua pequena mente planejou isso para me irritar. — Diz irônico, bebendo o líquido âmbar até o final. Endireito meus ombros, sabendo que ele está certo sobre isso, mas não totalmente.

Eu casei com Henrico em um ato de rebeldia, o homem que eu amava tinha acabado de sair do país, escolhido priorizar sua carreira à mim. Minha vida estava um caos, eu odiava compartilhar o mesmo teto que a nova esposa de papai e odiava ouvir a maldita bastarda me chamando de irmã, toda vez que eu olhava pra ela lembrava que a mulher que me deu a vida estava sem vida e eu estava sozinha no mundo. Quis me vingar de Pedro, esfregar em sua cara que eu não precisava dele ou do seu amor, existiam outras opções para mim. Eu também quis desafiar papai, mostrar que se ele podia casar com uma qualquer e substituir mamãe, eu podia fazer o quisesse também. E eu, fiz. Casei com um cara do interior, simples e íntegro, completamente diferente dos homens que eu estava acostumada. No entanto, Augusto Leal não sabe que acabei gostando daquela vida, que no meu íntimo eu desejei ser feliz com Henrico.

— Aquela noite...

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