INDECENTE DESEJO romance Capítulo 37

A claridade me desperta, ergo minhas pálpebras ainda cheia de sono e me remexo de forma preguiçosa sobre a cama, esticando meus braços para cima e alongando minhas pernas, um sorriso enfeita meus lábios quando sinto meu corpo inteiro dolorido, lembrando que o culpado disso está ao meu lado. Giro para o lado oposto ao meu na cama ainda sorrindo feito boba e procuro por ele, fazendo uma varredura rápida pelo quarto quando não o encontro dormindo. Que diabos.

Onde ele está?

Olho de um lado a outro, chegando ao ponto de espiar embaixo da cama.

— Henrico? — Chamo, batendo na porta do banheiro que fica dentro do quarto. Nada.

Nenhuma resposta.

Bufo, olhando na direção da janela e percebendo que ela está aberta, sendo que estava fechada ontem quando apagamos por completo. Ele mesmo fechou. Idiota.

Volto para a cama frustrada, imaginando que ele deve ter saído pelo mesmo local que entrou ontem quando eu ainda estava cochilando e volto a bufar, frustrada por sua decisão egoísta. Ele podia ter avisado, se despedido, deixado um bilhetinho, ao menos. Puxo o travesseiro que ele esteve deitado durante toda a noite e sinto seu perfume, inalando o aroma que tem me deixado tão fascinada por quase dois meses. Henrico Zattani. Sorrio, lembrando do olhar penetrante e intenso que é sua marca. O cabelo preto penteado na grande maioria das vezes e o sorrisinho arrogante que sempre  mantém no canto da boca. Suspiro de forma involuntária, algo que se tornou corriqueiro também depois que o homem entrou na minha vida. Eu nunca imaginei que olharia para o ex-marido da minha irmã dessa maneira, apesar de sempre ter o achado bonito e me sentir afetada por sua presença, eu fugia dele quando estávamos no mesmo ambiente sempre que possível, embora eu admirasse de longe e tenha aceitado sua ajuda para aprender a montar.

Finco o cenho, sendo invadida pelas memórias daquela época, eu tinha apenas quinze anos e tinha acabado de ser deixada para passar as férias com uma irmã que não me queria e nem aceitava como parte de sua família. Eu era apenas uma menina ingênua, mas sabia que estava sendo negligenciada e colocada de lado até por mamãe. Naquela época papai ainda era um senador estadual e apenas almejava a posição de governador, então colocava toda sua atenção em sua campanha. Quando cheguei na fazenda Zattani fui surpreendida ao descobrir que aquele belo lugar era do marido de Aurora, mas desci do carro bravamente, apesar de tudo.

Empinei o nariz e adentrei o grande casarão com altivez, me fingindo de forte quando na verdade eu só queria chorar e espernear, discar o número da minha progenitora e implorar por misericórdia, mas duas galinhas me chamaram atenção e me fizeram relaxar de imediato, era a primeira vez que eu via o animal de perto, peguei uma no colo e a outra escapou para fora da casa. Brinquei com a penosa por longos minutos até ser interrompida por ele. A carranca em seu rosto não me passou despercebida e percebi naquele momento que não era bem—vinda em sua fazenda, Aurora já tinha envenenado o marido contra mim. Era sempre assim. Movo minha cabeça, balançando de um lado para o outro e me levanto novamente da cama. 

Não. Isso é passado e o que temos agora é o que me importa.

Isso, Amélia. Foque no presente!

Eu sou importante pra ele, sei que sou, apesar do pouco tempo de envolvimento, temos uma historia e um passado.

Olho novamente para a janela, sentindo meu peito apertar angustiado.

Onde você foi, Henrico?

[•••]

— Obrigado. — Digo à Ofélia, uma das nossas novas empregadas e ela sorrir de forma contida, acenando com a cabeça em resposta. 

Lambo os lábios para o café da manhã que me prepararam, minha barriga responde faminta. Não comi nada desde o almoço de ontem e sinceramente,  não sei como aguentei a sessão de sexo com o babaca arrogante, mas tava tão gostoso que não me importei se estava fraca, dei com vontade e daria hoje de manhã se o idiota não tivesse me largada sem nenhuma explicação, fecho a cara, BABACA ARROGANTE.

Foda—se.

Parto um pedaço de bolo de cenoura com chocolate e me sirvo, despejando um pouco de suco de melão como acompanhante. Felizmente não tem mais ninguém a mesa para me acompanhar, eu estava receosa de lidar com Pedro e Aurora no café da manhã, ainda mais pelo que aconteceu ontem entre ele e eu, e já tinha decidido fazer meu desjejum na cozinha, mas para meu alívio Ofélia informou que ambos saíram hoje bem cedo e pude relaxar. 

Meus pais também não deram nenhum sinal de vida desde ontem e estou ficando bastante preocupada com mamãe, segundo Pedro ela saiu ontem e no estado em que se encontrava, imagino atrás de quem ela deva ter ido, o que me faz questionar se isso tem algo relacionado com o sumiço de papai. Suspiro, cansada por todos os últimos acontecimentos, preocupada até o último fio de cabelo.

De repente sinto a fome passar e dar lugar a um embrulho, uma sensação horrível no estômago que me faz gemer.

— Argh! — Deixo escapar, sentindo a pontada se prolongar.

— Menina, você está bem? — Ofélia, que não percebi que estava por perto pergunta, preocupação cintilando em suas íris marrons.

— Apenas um mal estar. — Sussurro, mal não conseguindo disfarçar a careta de dor.

Ela estala a língua e põe as duas mãos no quadril, como se eu não soubesse do que estava falando.

— Isso é fome, a menina não botou nada no estômago desde ontem. Saco vazio não para em pé, seus pais são adultos e eles que se resolvam. — Diz, fazendo uma expressão bem séria, como se estivesse me dando uma bronca.

Abro a boca para retrucar, mas a mulher se aproveita, corta um pedaço da minha fatia de bolo e me enfia garganta abaixo. Não tenho tempo de reagir, pois ela se aproveita mais uma vez e me enfia mais uma garfada na boca.

O bolo se derrete na minha língua e o sabor do chocolate me faz gemer, mas dessa vez de satisfação.

— Bom? — Pergunta.

Assinto, incapaz de falar com tanto bolo na boca.

— Ótimo, coma! — Volta a fazer uma expressão séria e aponta com o dedo indicador o restante do bolo.

Não a respondo, apenas continuo balançando a cabeça de forma positiva e mastigando.

Ela me deixa sozinha segundos depois e passo a comer, percebendo aos poucos a dor passar. 

Certo, talvez eu só estivesse com fome mesmo. Trem doido.

Abocanho uma e outra garfada, aproveitando que estou sozinha e escapando do protocolo de etiqueta.

Estou no segundo pedaço quando o estrondo da porta me faz pular da cadeira sobressaltada, levo minha mão ao peito, assustada pelo barulho inesperado.

— A patroa — Ofélia meio que grita, me olhando com os olhos esbugalhados e me levanto rápido, correndo até a entrada da casa.

Mamãe está aos prantos, chorando agarrada aos braços de papai como se ele fosse seu refúgio, a cena me faz cessar os passos, meu pulso acelera e a preocupação me invade.

— O que aconteceu? — A pergunta sai dos meus lábios antes que eu os alcance e os olhos de papai me notam.

Seu semblante está abatido, mas ele ainda mantém sua postura de dona do mundo. Suas mãos apertam mamãe ainda mais contra ele.

— Sua mãe não está bem, querida. — Sua voz sai mais doce do que o normal.

Caminho até eles e a toco no ombro, procurando seus olhos.

— O que aconteceu? — Repito a pergunta, mas dessa vez direcionando diretamente para ela.

— Ele. .. — Começa, mas se perde nos soluços e choro.

Finco o cenho, subindo meu olhar para meu progenitor, procurando respostas em sua face de maioral.

— Ela encontrou o amigo morto, felizmente eu cheguei à tempo e lhe tirei de lá. — Seu tom sai um quarto mais grosso, enrouquecido, a boca entortou em desagrado quando citou o tal amigo por mais que tenha tentado soar natural, percebi.

Meus olhos caem novamente para minha progenitora, ela está destruída, o semblante perdido e os olhos banhados de lágrimas não derramadas.

— Ele não era meu amigo! — Grita em rompante, se desvencilhando de papai.

Ele solta uma lufada baixa, quase perdendo o controle perante a declaração dela, mas consegue se conter à tempo e me lança um olhar.

Então a ficha cai, o choro incessante dela e o desgosto visível no rosto de papai. Eles estão falando do outro, o ex noivo de mamãe.

—  Cuide de sua mãe, preciso voltar ao lugar do crime e prestar depoimento. — Massageia a têmpora, visivelmente cansado e suspira pesado. — Droga, a mídia vai cair em cima. — Resmunga. Falando pra si mesmo.

Meus olhos voltam para mamãe e a abraço forte, a envolvendo em meus braços.

— O meu amor... Amélia, ele está moooorto. — Volta a chorar, gritando em descontrole enquanto continuo a segurando.

Papai nos olhos, ajeita o terno e sai, batendo a porta com força.

Céus!

Ezequiel está mesmo morto?

Como?

Henrico tem alguma ligação com isso? 

Cubro o corpo ainda vestido de mamãe com as mesmas roupas que ela chegou até o pescoço, deslizo meus dedos pelos fios macios de seu cabelo e a beijo no rosto. Sua respiração está entre cortada e seus olhos estão finalmente fechados, indicando que ela entrou em um sono profundo. Suspiro, observando seu rosto relaxado.

Eu a trouxe para seu quarto após papai bater a porta e nos deixar sozinhas, ela estava descontrolada, chorando e gritando pelo nome do homem que nunca cheguei a conhecer. Seu desespero me perturbou, eu nunca a tinha visto perder o controle antes e não sabia como agir, tive que lhe dar um comprimido para dormir contra à sua vontade e agora estou aqui, vigiando seu sono. Quanto mais a olho mais às imagens do homem surgem em minha mente, não pude conter a curiosidade e pesquisei pelo nome dele no google, usando apenas as informações que eu tinha e depois de algumas frustrações, finalmente encontrei uma reportagem realizada com ele algum tempo atrás, aparentemente o homem era caridoso e dedicava sua carreira na medicina a ajudar os menos afortunados, no entanto, dar um rosto para o homem não me trouxe boas sensações. Não.Tudo o que eu consigo pensar nesse momento é que ele está morto. Morto.

Sinto meus pelos dos braços  arrepiarem ao mesmo tempo que uma corrente fria me ataca, me abraço olhando para os lados, checando se a porta e as janelas estão fechadas, franzo o cenho ao perceber que sim. Balanço a cabeça, percebendo a bobagem que estou começando a formular em pensamento. Não. É só o ar condicionado, Amélia. Não pense bobagens, o homem está morto. — Digo para mim mesma, me levantando da cadeira que estive sentada por todo esse tempo.

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