Rio de Janeiro, Brasil
Janeiro, 2015.
Depois que encarou algumas horas de voo, Alexander alugou o carro e seguiu direto para a casa luxuosa onde seus pais moravam em São Conrado. Ele saiu do automóvel esportivo prata logo depois que estacionou em uma das quatro garagens. Colocou as mãos no bolso da calça e caminhou em volta do deck da suntuosa piscina. Seguiu pelo amplo gramado verde onde costumava passar tardes agradáveis.
Ficou imóvel e observou enquanto o sol se escondia no horizonte. Admirar aquela paisagem trazia alguma luz aos pensamentos confusos e paz para a alma. O corpo não cabia no balanço infantil de madeira, as mãos esguias movimentaram a corda ao lembrar de Nicole pedindo para ir mais alto. Esboçou um sorriso com a recordação. A nostálgica tarde de verão recarregou as energias.
Ele passou pelo corredor e arrumou os óculos no momento em que captou o rosto no espelho redondo com entalhes dourados. O silêncio pairava no ambiente vazio da sala de estar. Sentou no sofá curvo e cruzou a perna formando um quatro. Encostou o braço ao longo do tecido branco do estofado luxuoso.
― Dr. Alexander!
A governanta o cumprimentou com um sorriso largo.
― Que surpresa!
― Cheguei há pouco. ― Ele se ajeitou no sofá. ― Eu queria fazer uma surpresa. Onde estão meus pais?
― O Dr. Ricardo foi para o hospital bem cedo e a madame Louise para aula de pilates e ainda não voltou ― verificou o relógio folheado a ouro no pulso direito. ― Está quase na hora do jantar, posso mandar lhe servir um café ou pedir ao Chefe Pierre que prepare algo.
― Estou sem fome, mas aceito o café.
― Mandarei servi-lo.
A governanta virou para sair da sala de estar.
― Rosa, você tem visto a Nicky?
― Poucas vezes!
― Como ela está?
― Nicky está tão bonita, continua com aquele hábito de mexer no pingente do colar relicário.
― Ela ainda tem esse cordão?
― Tem!
A governanta estava animada em tecer comentários sobre Nicole.
― Lembro que o seu amigo ficou bravo porque ela chorou quando ganhou o seu presente. Ela ama tanto esse colar que usa até hoje.
― Acho que o Marcello deu uma boneca. ― Ele pôs-se de pé. ― Eu queria dar um urso de pelúcia, mas a minha avó insistiu que eu desse aquele colar. Na época, eu pensei que a Nicole não gostava do meu presente.
― Ela estava emocionada pela festa surpresa que vocês fizeram e quando viu a foto da mãe no relicário de prata, chorou. A tia dela não comemorava nada no aniversário de morte da irmã dela. ― Falou num tom baixo como se contasse um segredo.
Joanna, ex-babá de Alexander, era o único parente de sangue de Nicole. O pai não assumiu a paternidade e desapareceu poucos meses antes de Nicole nascer. Joanna assumiu a tutela da sobrinha logo depois que sua irmã Julliane faleceu devido às complicações do parto.
― Até hoje, não sei como a Nicky aturou a Joanna.
― A Nicky não tinha para onde fugir. ― Rosa se afastou. ― Vou preparar o café.
― Te acompanho!
Lá fora, as nuvens escuras e carregadas ocultavam o brilho da lua e das estrelas. A luz do trovão irradiava pelo céu e em alguns segundos ecoava o estrondo. Alexander sentou-se em uma das cadeiras e tomou um gole do café expresso que Rosa ofereceu.
O cheiro de alfazema que flutuava no ar da cozinha o remeteu ao dia que tomou coragem e convidou Nicole para o baile de formatura. Permaneceu quieto, sorveu um gole do líquido preto na xícara e fixou os olhos na direção da pia. Nicole costumava lavar a louça, ela sempre ajudava a tia nas tarefas da casa.
― Está tudo bem? ― A governanta parou perto dele.
― Sim! ― Ajeitou os óculos. ― Estava pensando no dia do baile, quando Nicky e eu começamos a namorar.
― Ah, sim! Ela estava tão linda nesse dia, parecia uma princesa.
O tecido do vestido evasê rodado arrastava-se pelo chão enquanto Nicole descia as escadas. Ela caminhava com elegância no salto alto e com a bolsa de mão prata combinando. Na época, Sophie emprestou o par de brincos e gargantilha em pedras de safiras que realçaram a beleza de Nicole.
― Nicky não valorizou o que fiz por ela. ― Tinha acidez no tom da voz. ― Rosa, eu vou tomar um banho e descansar um pouco!
― Sim, doutor! Aviso quando servir o jantar.
Passava das 7 da noite quando Alexander tirou o relógio do pulso e o jogou em cima da cômoda de madeira. As recordações que a casa trazia atrapalhavam o seu descanso. Caminhou até a estante de madeira em mogno no canto da parede. Os dedos correram pelos títulos de Tolkien e C.S. Lewis, verificou a coleção de Martin, mas seus olhos pararam em Brontë.
― O que este livro faz aqui? ― Tirou do lugar.
Tocou a capa do exemplar antigo de um dos clássicos de Brontë. Abriu a página grifada por uma caneta rosa fluorescente.
Cinco anos antes, as avaliações finais do curso de medicina com especialização em neurocirurgia impediram que o casal comemorasse mais um ano de namoro. Alexander sempre ficou em primeiro lugar em todas as avaliações e, no último período, não seria diferente.
Nicole estava quieta no canto do quarto, leu mais um capítulo do livro de Brontë, olhou de Alexander para o livro, sublinhou um trecho e respirou fundo.
― Por que você está suspirando? ― Ele colocou a caneta azul em cima do caderno. ― Você passou a tarde com esse livro.
Alexander pegou as anotações com a diagramação da base de crânio e colocou os papéis no livro de Anatomia. Arrumou a haste dos óculos.
― Eu não estou suspirando!
Nicole marcou a página e fechou. Levantou da cama.
― Você é muito curioso!
Ela cruzou os braços e deu alguns passos até a enorme porta dupla que dava para a varanda do quarto. Sentiu o aroma da grama molhada pela chuva.
Apreciava o frescor da brisa com os olhos fechados, entretanto, o seu momento de quietude foi interrompido pela voz grossa que lia o trecho de O morro dos ventos uivantes em que Heathcliff escutou uma conversa na qual Catherine confessava para a governanta que não se casaria com ele porque a união estragaria a sua reputação e status social.
― O que você está fazendo? ― Nicole tomou o livro da mão dele. ― Você precisa respeitar o meu espaço.
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