Dias atuais...
Caminho por entre as árvores e ergo minha cabeça para absorver o calor do sol que queima o pouco de pele à mostra que tenho. Fugi do convento com a intenção de vir ao vilarejo brincar um pouco com as crianças que moram na rua e que trabalham na feira. Sei que não deveria fazer isso, pois, se for pega, sei que vou pagar caro por este pequeno deslize, mas, apesar disso, não resisti ao fato de ter um pouco de liberdade, nem que para isso, sofra um castigo severo da madrevóla, é assim que chamo a Madre Superiora.
Ao passar por entre as pessoas, que me olham com certa curiosidade, por causa do meu hábito de noviça, noto alguns homens que fazem parte do Cartel, que comanda tudo por aqui, me olharem com cobiça, apesar das minhas vestes, e isso me deixa em alerta, pois não gosto da maneira como me acompanham com o olhar, então, resolvo apressar o passo para chegar o mais rápido possível ao meu destino.
Viro a esquina e respiro aliviada ao me deparar com os meninos brincando na rua. Eu os conheci, quando vim com uma das freiras fazer as compras para a cozinha do convento, e quando passamos pela feira da cidade, me deparei com várias crianças que trabalhavam ajudando as senhoras a carregar suas compras, e foi assim, que conheci o Miguel, pois foi ele que nos ajudou a levar as compras para o convento. Ficamos amigos de cara e, dessa mesma forma, conheci os outros, porque fiquei encarregada de ajudar a freira nas compras para a cozinha.
Juan é o primeiro que me vê, e acena feliz em minha direção, já vindo até mim com um lindo sorriso no rosto, o que faz com que os outros meninos sigam seu exemplo.
─ Oi, Mel! ─ Ele diz depois de me dar um abraço gostoso.
Sorrio feliz quando todos os meninos fazem o mesmo e tudo vira uma algazarra.
─ Oi, meninos! Sentiram minha falta? ─ Questiono após o abraço coletivo cessar.
─ Siiiiiim! ─ Eles gritam em uníssono.
Como é bom poder sorrir um pouquinho, depois de tanta dureza e falta de amor. Desde que papai morreu, eu nunca mais soube o que é ser amada e querida por alguém. Assim que, fui jogada naquele convento, só conheci a dor, humilhação e dureza. Lá não tenho nenhuma amiga, e as freiras nos tratam como bichos. A madre nos obriga a trabalhar incansavelmente do nascer do sol ao anoitecer. Ela nos escraviza e retém qualquer objeto de valor que tenhamos.
Tudo o que mais desejo nessa vida é sair daquele inferno. Todas as noites tenho pesadelos com o dia que fui abandonada no convento, são flashes do pior dia da minha vida, pois nesse mesmo dia perdi meu pai e fui abandonada por um homem que não sei quem é. Não lembro do seu rosto ou como ele era, minha mente bloqueou sua imagem assim como as imagens da morte de papai. A única coisa que consigo visualizar, nos sonhos, são seus olhos negros e o fato de ele estar vestido de branco, mas os sonhos são tão fantasiosos que muitas vezes chego a pensar que são alucinações.
─ Mel, vamos brincar? ─ Miguel pergunta, o que me faz despertar dos meus pensamentos e mirar a carinha linda dele todo esperançoso.
─ Eu vim justamente para isso, Miguel. ─ Ao ouvir minhas palavras a criançada pula eufórica. ─ Vão decidindo do que iremos brincar, pois vim passar a tarde com vocês e depois tenho que voltar correndo para o convento antes que a madrevóla dê por minha falta. ─ Ao ouvir o apelido que criei para a madre, as crianças começam a gargalhar. Sorrio também me sentindo feliz por estar com eles.
A tarde foi maravilhosa, brinquei e me diverti horrores com meus meninos lindos. E agora, caminhando ao lado de Juan e Miguel, que fizeram questão de me acompanhar até o convento, vamos passando pelas ruas do pequeno vilarejo de El Camiño, quando passamos em frente ao Centro Médico da cidade. Toda vez que tenho que passar em frente ao prédio, meu coração se aperta e fica pequenininho, pois é neste lugar que as lembranças do meu pai são mais fortes. Lembro-me quando ele me trazia para passar o dia com ele porque, segundo papai, eu era a enfermeira mais dedicada que ele tinha. Sorrio, pois eu mais atrapalhava do que ajudava por ser muito pequena e não entender direito o que meu pai fazia. Na verdade, tudo era uma grande brincadeira para mim e, na minha cabeça de menina, papai era um herói, porque via como as pessoas gostavam dele, pois ele as tratava com doçura e compaixão, sempre com um sorriso nos lábios e ternura no olhar.
Porém, as lembranças não são só felizes, existe também a única lembrança ruim que tive dali e, consequentemente, a pior de todas elas: o dia da morte do meu pai. É bem verdade que não lembro de tudo detalhadamente, pois o que eu tenho são só flashes desse dia e, mesmo assim, desencadeados através de pesadelos. Mas de uma certeza eu tenho: é de que ele morreu bem em frente a esse prédio.
Quando atravessamos a rua, o que nos obrigou a passar pela entrada do Centro Médico, vi um homem alto e forte sair de dentro do prédio, passando as mãos freneticamente pelos vastos cabelos negros. Parece bastante nervoso e angustiado, mas não foi seu estado de espírito que me chamou a atenção, mas sim uma sensação estranha de conhecimento. A sensação foi tão forte que me fez parar no lugar e olhar bem para ele, o que só piorou mais ainda quando ele percebeu a minha presença e olhou bem dentro dos meus olhos.
Nessa hora, uma brisa sopra e meu corpo todo se arrepia, apesar do calor de trinta e cinco graus que faz no momento. Quando seus olhos negros colidiram com os meus, um tremor me percorreu por inteiro e eu não consegui me mover, apenas ficar lá parada e sem nenhuma reação, era como se meu corpo não me pertencesse mais e que, mesmo eu querendo me mover e fugir daquela força que me dominava e que me colocava em estado de letargia, eu não conseguia, pois era mais forte que eu.
─ Mel? ─ Sou tirada do meu transe quando Juan puxa meu hábito para chamar minha atenção. Olho para ele rapidamente tentando me recuperar da força arrebatadora causada pelo homem estranho.
─ Oi. ─ Respondo com a voz afetada.
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