A noite caiu como uma sentença sem apelação.
O céu, carregado de nuvens pesadas, parecia esmagar a cidade com o seu peso. As luzes dos postes e letreiros piscavam como olhos cansados, indiferentes às tragédias que se desenrolavam entre os becos e avenidas.
E ali, perdido entre as sombras e a pressa apática dos transeuntes, andava Ethan Carter.
Não era mais o homem confiante, poderoso e invencível que tantos temiam e admiravam. Era apenas um corpo movido pelo desespero, arrastando-se pelas ruas como um condenado prestes a enfrentar sua própria execução.
O casaco batia contra as pernas com o vento frio, a camisa estava amarrotada. Os olhos vermelhos, cavados pela insônia, denunciavam a alma dilacerada. Cada passo doía. Cada respiração era uma batalha.
Ele queria fugir.
Fugir da lembrança daquele beijo.
Helen e James.
O amor da sua vida… nos braços de outro.
Não sabia como chegou ali. Só percebeu quando se viu diante de um pequeno bar de esquina, mal iluminado, com um letreiro em vermelho piscante: Devil’s Whisper.
Parecia apropriado. Ele sorriu e empurrou a porta sem pensar duas vezes.
O interior do bar era abafado, impregnado de fumaça de cigarro, bebida barata e derrotas silenciosas. As mesas eram dispersas, os rostos indistinguíveis sob a penumbra. A música, um blues arrastado, parecia zombar da dor que Ethan carregava no peito.
Ele atravessou o ambiente e escolheu a última mesa, perto de uma janela quebrada. Sentou-se com um peso que parecia pertencer a um homem cem anos mais velho.
— O que vai querer? — perguntou o barman, com voz arrastada.
— Uísque. — respondeu Ethan, rouco. — Duplo e mantenha vindo.
O homem não questionou. Estava acostumado com aquele tipo de pedido.
A primeira dose queimou a garganta como fogo líquido. A segunda, ele mal sentiu descer. A terceira… trouxe Helen, não fisicamente, mas em lembranças que cortavam mais fundo do que qualquer lâmina.
O sorriso dela, tímido e terno. O jeito que ajeitava os cabelos atrás da orelha quando ficava nervosa. O olhar apaixonado que o fazia esquecer quem era, o impiedoso Ethan Carter e se sentir apenas… humano. As risadas compartilhadas debaixo dos cobertores em dias de chuva. O cheiro doce do perfume dela, impregnado em sua pele.
E então…
A imagem cruel de James segurando o rosto dela e a beijando com amor, com ternura… com tudo que, um dia, foi só dele.
Ethan fechou os olhos, apertou o copo com força. A dor era tão intensa que era quase física. O peito doía, a garganta ardia, o estômago revirava.
Ele lembrava de tudo. Lembrava de tudo o que tinha feito Helen sofrer. Lembrou do seu casamento, da lua de mel… lembrou de como ela tentou fazer esse casamento dar certo. Ethan sabia até quando tudo havia mudado, que depois daquela noite em que ele a ouviu chorar, ele se permitiu conhecer essa mulher incrível e apaixonante que era Helen Carter…
Helen Carter… ela não carregava mais seu sobrenome, o divorcio ja fora assinado, agora ela voltou a ser Helen Bennett, livre para amar, livre para ser feliz com outro. E James estava disposto a conseguir o que sempre desejou.
Ethan não odiava James. Bem… não de verdade, porque se Helen estava com ele agora, foi por sua culpa porque ele foi um idiota e não soube dar valor a mulher incrivel que ele tinha ao seu lado. Ele havia sido um idiota e entregou de bandeja a mulher mais incrivel que Ethan havia conhecido.
Deus como ele a amava… mas até mesmo quando se ama, tem que se reconhecer quando se perde e deixar partir…
Ethan levou o copo à boca com as mãos trêmulas. A quarta dose desceu como água. A quinta… como veneno.
As imagens agora começavam a se misturar:
Helen sorrindo.
Helen chorando.
Helen partindo.
Helen… amando outro.
Ele bateu com força na mesa, fazendo o copo saltar. O barman olhou de relance, mas não interviu. Aquele tipo de dor era reconhecível e não havia cura para ela.
Uma explosão de som.
E então, o impacto.
O carro de Ethan girou no ar como um brinquedo quebrado. O estilhaçar do vidro foi ensurdecedor. O metal retorceu-se com um grito agônico. O cinto de segurança não aguentou, Ethan foi arremessado com brutalidade contra o painel. O volante atingiu seu peito com força, esmagando-o contra o banco.
As costelas estalaram. O mundo virou de cabeça para baixo. O cheiro de sangue, de metal queimado, encheu suas narinas e o gosto amargo do desespero explodiu em sua boca.
Um dor lancinante tomou conta de si. O ombro esquerdo foi lançado contra a porta com tanta força que algo quebrou. A cabeça bateu contra o vidro já estilhaçado, abrindo um corte profundo na sua testa. Ele tentou se mover, tentou gritar, mas o corpo não respondeu.
O carro parou após capotar três vezes, de lado, amassado, destroçado. A fumaça saía do motor. O vidro espalhava-se pelo asfalto como fragmentos de uma vida que agora pendia por um fio. Ethan mal conseguia manter os olhos abertos. O som do próprio coração era um tambor fraco, morrendo aos poucos. As luzes da rua dançavam em sua visão turva.
— Helen… — ele sussurrou, sentindo o sangue escorrer pelo seu rosto.
A dor era tanta que não conseguia distingui-la do resto do corpo. Podia ouvir gritos vindo de todos os lados. Sons de carros e de sirenes ao longe. Ethan sentiu a consciência esvair e a última imagem que sua mente havia projetado antes de desmaiar era de Helen.
Suspirou fundo e fechou os olhos deixando a escuridão o envolver.
Sem resistência.
Sem medo.
Sem esperança.
Ethan Carter desmaiou, com o corpo quebrado, a alma despedaçada.
Enquanto o mundo lá fora seguia girando, indiferente à queda de um homem que, no fundo, já havia morrido muito antes daquela batida.
Morrido… no lado mais escuro do amor.

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