POV: Jaejun
Meus olhos estavam pesados. Fazia quatro dias que eu intercalava os dias e noites entre meu apartamento e o hospital.
Para ser sincero, eu não conseguia dormir na minha cama ou descansar em casa enquanto sabia que a vovó estava correndo risco de vida.
Ela havia acordado há dois dias, mas outra vez ficou inconsciente e voltou a dormir, e desta vez foi assustador.
Tive que ouvir todas aquelas máquinas descontrolarem-se. Hyun-Suk não estava comigo naquele segundo, mas eu não estava sozinho. Jackson e Rini estavam comigo naquele dia, e enquanto eu via os médicos adentrarem as pressas no quarto e checarem os sinais da minha avó, foram eles que seguraram o meu corpo que entrou em desespero.
Hyun-Suk chegou apenas horas depois, já estava me sentindo acabado. Minha avó estava estabilizada, mas recebia oxigênio e seus batimentos eram baixos.
Ele me abraçou e se desculpou por não estar ali para me proteger da realidade dolorosa, mas não seria ele a impedir que algo como aquilo acontecesse. Ninguém mais tinha controle sobre a saúde da vovó senão o destino.
Mas dois dias já haviam se passado e eu a observava cada vez mais fraca.
Ela não parecia mais querer viver. A pensar que ela sofreu com a síndrome do coração partido, a vovó talvez encontrasse mais paz partindo do que vivendo no mesmo mundo que Su-ji. Mas eu não admitia que talvez ela pensasse assim.
Eu ainda estava ali, estava vivo e ao seu lado. E ela era tudo o que me restava.
ㅡ Você precisa comer um pouco. ㅡ ouvi Hyun-Suk dizer, me ajudando a se erguer para caminhar até a sala separada do quarto.
Me sentei sobre a mesa, me sentia fraco. Ele buscou o almoço servido pelo hospital e o colocou à minha frente.
Não conseguia sentir fome. Não conseguia mais sentir nada.
Mas Hyun-Suk ainda parecia sentir muita coisa por mim. Ele se sentou na cadeira à minha frente, a puxando para mais perto e buscou os talheres, cortando a carne antes de buscar um pouco do arroz e do Kimchi, erguendo-o na altura da minha boca.
O olhei, ele sorriu e me incentivou a abrir a boca. Pouco a pouco fiz aquilo. O gosto não era nada bom, um peso me tomava e me fazia sentir preguiça até de mastigar, mas ainda o vendo tão esperançoso para que eu me alimentasse bem, mastiguei aquela porção e engoli, vendo-o sorrir e buscar mais um pouco para me dar na boca novamente.
ㅡ Me desculpa. ㅡ pedi baixo, abaixando o olhar enquanto tocava o fio solto da calça com um rasgo no joelho que ele usava.
ㅡ Sem desculpas dessa vez. ㅡ ele me fez erguer o rosto e colocou mais comida na minha boca. ㅡ você não tem culpa nenhuma, já te disse.
ㅡ Eu queria poder ajudar. Se eu pudesse, tiraria meu próprio coração e a dava. Não vou aguentar perdê-la também, Hyun. É tudo o que eu tenho de família.
Hyun-Suk tocou minha mão e a apertou. Olhei em seus olhos, eles pareciam ter brilho, esperança, mas eu já havia perdido qualquer resquício daquilo em mim.
ㅡ Sua avó vai ficar bem, Jaejun. E você tem a mim, pode me ter como sua família também. Seremos nós três, uh? O que me diz?
Sorri fraco, assentindo somente por fazer.
Hyun-Suk voltou a cortar a carne, separando pedaços pequenos para voltar a me servir na boca.
Era quase patético que aos dezenove anos, um homem de trinta e um tivesse me alimentando daquele modo. Mas ele fazia aquilo de forma tão tranquila, tão a vontade que eu acabei aceitando com facilidade.
Foi devido à Hyun-Suk que, em dias, fiz uma refeição completa naquela tarde.
Passamos mais algumas horas juntos na sala do hospital. Pela noite, Hyun-Suk me convenceu em ir para casa com ele, mas não para meu apartamento.
ㅡ Olá! ㅡ ouvi a voz animada de Sunhee no topo da escada, mas ao que ela descia os degraus, seu sorriso foi morrendo aos poucos, e quando já estava bem a minha frente, suas mãos tocaram meu rosto e, sem pedir permissão, ela fez um breve carinho e me puxou para um abraço sem força, mas reconfortante. ㅡ você está bem?
Dei de ombro, mas talvez era só me olhar para ver que não.
ㅡ Nós vamos direto para o quarto. ㅡ Hyun-Suk avisou.
ㅡ Claro. Vocês já jantaram?
ㅡ Ainda não. ㅡ Hyun-Suk respondeu, ela suspirou e estalou alguns ossos do corpo ao se alongar. ㅡ pode pedir para que algo seja levado no quarto?
ㅡ Claro. Podem ir, e Jaejun... ㅡ ela voltou a me olhar nos olhos e sorriu. ㅡ seja lá o que esteja acontecendo, passará. Você é jovem e tem brilho demais para estar com esses olhos tão tristes. Eu desejo que tudo fique bem.
ㅡ Obrigado, Noona.
Sunhee manteve o sorriso quando Hyun-Suk e eu subimos até o quarto.
Me sentei na beirada da cama, observando um ponto neutro quando muito provavelmente, Hyun-Suk me observava.
ㅡ Ei. ㅡ ele se abaixou a minha frente e sorriu de modo doce. ㅡ quer tomar banho?
ㅡ Quero, mas... farei isso sozinho. Tudo bem?
ㅡ Claro que está tudo bem, amor. Pode ir tomar banho, vou separar algo para que vista.
Assenti e me ergui. Sabia que Hyun-Suk ainda me observava, mas não o olhei, apenas adentrei o banheiro e me tranquei ali.
Quis ficar sozinho por dois motivos. O primeiro era que eu podia me ver. Retirando cada uma das peças de roupas que cobria meu corpo, pude encarar minha imagem derrotada no espelho.
Eu estava péssimo, meu olhos pareciam mesmo tristes e haviam marcas de noites em claro bem abaixo.
Levei minha mão até a altura do peito e senti meus batimentos. Estava tranquilo, meu coração parecia saudável e isso me fez sentir raiva outra vez.
Me perguntava o que estava acontecendo para que o universo estivesse demorando tanto para dar a vovó um novo coração.
Mas a sensação de frieza e um arrepio me tomou no segundo em que reconheci o meu desejo.
Eu pedia por um coração, mas para que a vovó o ganhasse, outra pessoa teria que perder.
E sem que essa pessoa pudesse ser eu, senti o nó na garganta ao entender que eu estava rogando ao universo para que matasse outra pessoa para que a minha avó sobrevivesse.
Meu corpo arrepiou outra vez e meus olhos se encheram de água. Corri para o box, abri o chuveiro em todas as passagem de água e me deixei chorar sem que Hyun-Suk me ouvisse e se sentisse mais preocupado.
O som era abafado e isso me fez ficar mais tempo do que eu realmente desejava.
Mas quando enfim pude me recompor, secando minhas lágrimas e meu corpo cansado, sorri ao sair do banheiro e encontrar Hyun-Suk e Mingu sobre a cama.
Ele me olhou, mas foi o gatinho laranja quem pareceu surpreso. Mingu miou ao me ver e quando me aproximei e sentei sobre a cama, ele simplesmente se jogou de barriga para cima e ergueu as patinhas, me convidando a lhe dar carinho.
Aquilo me fez rir. A primeira risada em dias tão turbulentos.
Hyun-Suk nos apreciou e parecia calmo com a minha imagem com Mingu.
Vesti as roupas que ele me deu e me deitei na cama para poder brincar mais com o gatinho, ele parecia ter o poder de me desligar do mundo, mas me atentei quando bateram na porta e dois dos trabalhadores da casa de Hyun-Suk adentraram com bandejas como se estivéssemos em um restaurante caro.
ㅡ Obrigado. ㅡ Hyun-Suk os agradeceu ao se erguer e ergueu a mão para mim. ㅡ vamos jantar?
Assenti, antes voltando para o banheiro para lavar as mãos e me sentei na mesa do quarto consigo, apreciando o cheiro de comida com vida e tempero.
ㅡ Coma bastante, quero te ver feliz. ㅡ ele disse ao me servir.
Busquei a colher e experimentei um pouco do Doenjang-guk servido.
ㅡ O que achou? ㅡ Hyun-Suk perguntou após provar também.
ㅡ Está muito bom.
ㅡ Coma tudo, tudo bem? Os vegetais principalmente, precisa se manter forte.
Assenti devagar e tomei um pouco mais do caldo da minha sopa antes de buscar os chopsticks e experimentar os vegetais cozidos.
Estava mesmo bom, tão bom que outra vez comi a refeição inteira. Hyun-Suk recolheu os pratos, optando por ele mesmo levar até a cozinha e me deixou ficar um pouco mais com Mingu, mesmo que ele agora dormisse e eu só pudesse fazer carinhos em suas orelhas listradas.
ㅡ Vou levá-lo para o quarto. ㅡ Hyun-Suk o buscou e o gatinho sequer acordou.
Parecia um pai e seu bebê.
Quando Hyun-Suk retornou, meu coração já se sentia quebrado outra vez por minha mente me fazer lembrar da vovó. Mas ele me abraçou, nos colocou debaixo da coberta quentinha e me permitiu ter uma noite completa de sono, descansando meu corpo.
Quando um novo dia se iniciou, meu corpo parecia novo. Minhas forças, mesmo que poucas, pareciam estar renovadas para voltar a lutar por algo que eu não tinha controle e o som do canto dos pássaros me fez sorrir como um lembrete de que nem sempre tudo era escuridão.
Guiei meus olhos para a cama vazia e procurei Hyun-Suk pelo quarto. Ele não estava ali. Me sentei sobre o colchão, me espreguiçando e bocejei, me erguendo da cama.
ㅡ Hyun-Suk? ㅡ chamei em direção ao banheiro, mas não obtive respostas.
Franzi o cenho, ele já devia estar de pé há muito tempo para não estar ali, e isso me preocupou. Busquei o celular para ver o horário e se tinha alguma ligação do hospital, mas me tranquilizei ao ver que não haviam ligações e não passava de oito e meia da manhã.
Decidi procurá-lo no quarto de Mingu, mas ele também não estava lá. Olhei do topo da escada, conseguia ver alguns trabalhadores da casa a organizando e limpando e sentia vergonha de descer e trazer olhares para mim, mas o fiz mesmo assim, desejando bom dia a todos os que estavam ali, enquanto rumava para a cozinha.
Mas eu sequer cheguei lá.
Ouvi a voz alterada de Hyun-Suk e olhei na direção da sala dos quadros. A porta estava entreaberta e ele parecia bravo com alguma coisa lá.
Me aproximei, parando perto da porta para entender o que acontecia lá.
POV: Hyun-Suk
Não consegui dormir por mais de três horas.
Me levantei antes do sol nascer e não consegui me sentir bem enquanto via Jaejun se encolher e gemer sobre a cama quando, possivelmente, sonhava com algo ruim.
Ou talvez era somente seu corpo cansado de tanta carga.
Decidi descer para o andar debaixo e deitei sobre o sofá. Abri as cortinas, dava para observar o céu e a lua dali.
Suspirei, queria poder fazer mais, queria poder dar mais felicidade a Jaejun, mas nada parecia de fato o animar enquanto tudo de ruim acontecia com a sua avó.
E me sentia pior ainda por lembrar que a causadora estava impune, possivelmente dormindo numa cama quente, com seu coração mal e saudável batendo em seu peito.
Isso me tirou ainda mais o sono.
Quando o dia amanheceu, Jihoo apareceu na cozinha e se surpreendeu quando me encontrou já de pé.
Ela se preocupava comigo, tinha um sentimento fraternal entre nós dois e não consegui me conter e passar minutos desabafando consigo enquanto preparava tudo na cozinha.
Ela me serviu café, disse que prepararia algo doce para Jaejun assim que ele acordasse e me pediu para ir dormir, que talvez uma ou duas horas de sono pudesse me ajudar também.
Mas já estava tarde, já passava das sete e meus funcionários começavam a chegar e me cumprimentar, então não podia mais simplesmente voltar para a cama.
ㅡ Senhor Park? ㅡ ouvi a voz de uma das minhas funcionárias e olhei em sua direção. Ela segurava um grande buque de rosas-vermelhas. ㅡ acabaram de serem entregues para o senhor.
Me ergui e o busquei. O cartão preso em si continha a frase "sinto muito".
Bufei, só me veio uma pessoa na mente e a tal Su-ji não seria cara de pau o bastante para enviar flores assim.
ㅡ Vou estar na sala dos quadros. ㅡ avisei a Jihoo.
Caminhei a passos pesados até ali, me sentindo ainda mais enraivecido e joguei a porcaria das flores numa das poltronas no centro, abrindo a porcaria do cartão para ver que eu mesmo havia me enganado.
Não era um cartão enviado por Su-ji.
Era um cartão enviado por Hesun.
"Sinto muito por ter que passar por momentos assim".
Franzi o cenho, lendo e relendo aquilo e encarei as flores.
Com qual propósito ele havia me enviado aquilo com tal mensagem?
Senti meu celular vibrar e suspirei a não ter mais o nome "Contato um", mas por ainda reconhecer seu número.
E eu sei que já deveria ter bloqueado ele há muito tempo.
ㅡ O que você quer?! ㅡ perguntei controlando o tom da minha voz, mas ouvi sua risada e respirei fundo.
ㅡ Recebeu meu presente, amor?
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