Não demorou muito até que chegássemos onde era a funerária e onde também ficava a capela que haveria o velório da vovó.
Hyun-Suk foi quem desceu primeiro do carro, buscando minha mão para me ajudar a descer também. Vi o carro com meus amigos estacionar logo atrás. Rini desceu junto a Minah e Taeil e no carro logo atrás Jackson e Mark desceram com Sunhee.
Eles se aproximaram, assim como Hajun e JiHo que assim que estacionaram o carro ao lado de onde estávamos, vieram até mim e me abraçaram de forma confortável, sem dizer sequer uma palavra, mas me deixando aliviado de certa forma.
ㅡ Vamos entrar? ㅡ Hyun-Suk chamou.
Assenti, caminhando com ele e os outros para dentro da capela.
Nunca fui religioso, mas minha avó tinha um apego muito forte com o catolicismo. Meus pais haviam tido a cerimônia como a que ela teria, por tanto eu acreditava que aquilo era o certo a se fazer, pois ela sempre dizia que, mesmo com a morte, nada era o fim. Talvez agora eles estivessem juntos.
Queria acreditar nisso.
A capela não era muito grande, mas parecia confortável em seu tom amadeirado e dourado, com imagens santas sobre o altar e velas acesas em todos os pontos próximos das janelas. Os bancos se estendiam em algumas fileiras, mas não havia muitas pessoas naquela despedida, era apenas eu, meus amigos e alguns amigos que a vovó havia feito em sua curta jornada na clínica, então dois ou três seriam preenchidos.
Meus amigos adentram o lugar primeiro. Meus pés me fizeram frear. Meus olhos seguiram para o altar outra vez e repousaram sobre o caixão da vovó.
Ele estava aberto, todos tiravam um segundo para dar o último adeus, mas, por mais que agora eu quisesse que acabasse, não estava pronto para dar-lhe adeus.
Pensei em correr, fugir, mas senti a mão de Hyun-Suk repousar em minha cintura outra vez, o que me fez lhe olhar. Tinha certeza que os meus olhos estavam arregalados, tal como o de um garotinho assustado, mas os dele estavam calmos. Mesmo opacos e tristes, os olhos de Hyun-Suk estavam calmos.
Voltei a olhar para o altar e senti meu peito ser comprimido até quebrar em pedaços tão pequenos como grãos finos de areia.
Não conseguia reagir.
ㅡ Vamos até lá. ㅡ ele chamou baixo.
Mas mesmo que Hyun-Suk ainda me segurasse, que me chamasse para ir até lá, ele me esperou. Demorou até que eu desse o primeiro passo e uma lágrima escorresse pelo meu rosto no mesmo segundo, enquanto eu tentava segurar qualquer emoção para não explodir bem ali.
O segundo passo foi dado e parecia que o altar estava ainda mais distante. Segui com Hyun-Suk, eram poucos metros, mas foi como se quilômetros estivessem sendo traçados por mim.
Parei a cerca de um metro de onde o caixão estava. Respirei fundo quando tomei coragem de olhar para dentro e foi como se empurrassem meu peito com muita força, tal que cheguei a dar um passo para trás, sem controle, mas Hyun-Suk outra vez me segurou.
Meus olhos embaçaram. Minha respiração se atrapalhou. Vovó estava bela, estava com um vestido branco, parecia em paz, mas ainda estava morta.
Tentei me aproximar, mas não consegui.
Não conseguia.
Eu a queria viva, a queria comigo, eu a queria de volta. Minhas mãos tremeram. Meus pés seguiram incertos a um passo a mais para frente e minha mão se ergueu.
Eu já não conseguia parar de tremer. Apertei meus lábios para prender o choro que quis explodir, mas respirei fundo quando a toquei e a senti fria.
Meus dedos trêmulos sentiram a morte naquele instante.
Eu quis gritar, quis morrer com ela, quis abraçá-la e implorar para que voltasse comigo, que seria injusto morrer por quem a havia maltratado, enquanto quem a amava ficaria sozinho em um mundo tão grande e assustador.
Mas nada fiz.
Meus dedos se desprenderam de sua pele gélida e meus olhos se desconectaram de sua face sem vida.
Movi meus pés, guiei meu corpo da dor e sentei no primeiro banco, abaixando meus olhos porque ainda não conseguia olhá-la outra vez.
Hyun-Suk se despediu, de forma menos dramática e dolorosa, ele se despediu da vovó e sentou-se ao meu lado sem falar nada.
Ele me respeitou outra vez.
O caixão da vovó enfim foi fechado. A cerimônia breve deu início com o padre guiando sua alma para fosse o lugar onde ela acreditava ser o paraíso e mesmo que aquilo ainda tenha me tirado algumas lágrimas a mais, já estava conformado que ela não estava mais sequer dentro daquela caixa de madeira.
Talvez seu corpo ainda permanecesse ali, mas não o seu espírito bom. Sua alma boa.
Queria acreditar que a vovó agora estava em um lugar de paz, talvez abraçando a mamãe e contando-lhe como sinto sua falta e como, talvez, eu não seja um homem tão ruim...
O dia estava bonito. Ao redor haviam muitas árvores ao redor e um campo verde de grama. O local era espaçoso, alguns prédios pequenos onde os cinerários ficavam no fundo e todos eram revestidos de pedras escuras.
A vovó ficaria em um daquele prédios, ficaria em paz e logo suas cinzas ficariam ao lado da dos meus pais, pois já havia decidido que os queria perto de mim também, para que em datas especiais ou apenas quando eu sentisse saudade e quisesse levá-los flores, pudesse fazer em um lugar tranquilo, digno e bonito.
Nos erguemos quando o rito chegou ao fim. Hyun-Suk, eu, Jackson e Taeil, nos aproximamos outra vez do caixão da vovó.
Naquele momento pude passear meus dedos pela madeira polida, me despedindo enfim dela.
Cada um segurou em uma das alças do caixão e o erguemos. Caminhamos juntos para o lado de fora, Hyun-Suk estava bem ao meu lado.
Respirei fundo quando repousamos o caixão com delicadeza sobre o carro fúnebre que levaria a vovó até o crematório. Ele estava bonito, haviam flores de todos os tipos se misturando a flores de dálias, a que a vovó mais amava ver nos jardins da clínica.
Me afastei alguns passos, sentindo Hyun-Suk tocar sobre meu ombro e esperei até que o carro saísse, para poder segui-lo junto aos demais.
Outra vez aquilo não demorou. Alguns se despediram para sempre da vovó antes que pudéssemos entrar, mas Hyun-Suk e Jackson permaneceram ao meu lado, assim como todos os meus amigos também.
Haviam muitas flores para ela. Flores que ela iria adorar sentir o aroma.
O caixão da vovó foi posicionado sobre a plataforma de metal que a levaria para dentro da urna.
Tudo naquele momento era silencioso. Um a um dos meus amigos outra vez se despediram da vovó, tocando sobre seu caixão, ditando palavras bonitas, mas eu apenas fiquei quieto, optando por ficar por último por ainda não saber como agir.
Hyun-Suk buscou uma dália. Ele me entregou e sorriu.
Encarei a flor, seu tom rosa me fez sorrir. A vovó realmente a amava.
Deixei um beijo sobre as pétalas, imaginando que ali era a mão da minha avó, imaginando que aquela despedida era como as que aconteciam na clínica, como quando, infelizmente, se encerrava o horário de visitas e eu buscava sua mão para dar-lhe um beijo, prometendo que voltaria para lhe ver.
Não a veria mais senão por fotos ou lembranças, mas quis beijá-la ainda assim.
Repousei a flor no centro de seu caixão e deixei outro beijo ali, na madeira, prometendo mentalmente a vovó que continuaria tentando, que continuaria melhorando e que um dia a encheria de orgulho.
Quando observei o caixão ir, adentrando a urna, nada mais fazia sentido para minha vida.
Toda ela havia acabado. Metade quando eu tinha apenas oito anos, quando vi meus pais caídos no centro da casa, com o carvão ainda queimando, as janelas lacradas e seus corpos sem oxigênio, mortos.
E a outra metade ali, tal como o carvão que queimou e os levou, mas desta vez tendo a fornalha que queimava e a levava por completo de mim.
A cremação demorava um pouco. Ainda tínhamos que aguardar para levar as cinzas da vovó até o cinerário, mas eu não conseguiria aguardar ali, ouvindo o som do fogo queimando, despertando dores tão antigas que eu sabia que não me fazia bem.
Meus amigos foram quem me levaram para fora. Hyun-Suk manteve-se longe, talvez aquilo despertasse gatilhos em si também e por tanto ele se afastou indo pela grama quando saímos, seguindo por debaixo de algumas árvores, optando por ficar só.
Talvez ele pensasse em seus pais naquele segundo e sentisse o luto outra vez.
Sunhee caminhou junto a Hajun até onde ele estava. Ela parecia conhecer Hyun-Suk mais do que eu mesmo conhecia, mas era compreensível, eles se tinham a anos, enquanto eu o conhecia a alguns meses.
Vi quando ela o abraçou de modo que se demoraram no toque e Hajun o tocou sobre o ombro. Hyun-Suk parecia confortável com ambos.
Sunhee e Hajun permaneciam lá, ao seu lado, enquanto eu fui até o alto de um pequeno monte e me sentei em um dos bancos de madeira que havia por ali. Ainda conseguia ver Hyun-Suk e eles afastados, conseguia ver as árvores e agora ouvia o som calmo dos pássaros que cantavam em seus ninhos.
Meus amigos continuavam ao meu lado. Eles eram como Sunhee e Hajun. Não me deixavam sozinhos mesmo se eu pedisse. Mas já não queria mais aquilo, estava me sentindo em paz enquanto Jackson afagava minha mão e Rini deitava a cabeça em meu ombro. Taeil manteve-se de pé, buscando acalento em JiHo quando deitou em seu ombro e Minah e Mark apenas ficaram quietos.
Daquele modo, todos eles esperaram ao meu lado.
Quando Hyun-Suk enfim se aproximou, parecendo ter chorado por seus olhos estarem mais vermelhos, sorri para si e o chamei para meu lado, forçando meus amigos a sentarem no banco ao lado, nos deixando em nosso sofrimento.
Busquei sua mão, e deitei a cabeça em seu ombro. Nos mantivemos quietos, nos sentindo. Compartilhando dor e acalento de uma forma tão forte que chegava a ser boa.
A cremação do corpo da vovó se findou minutos após aquele momento. Ele seguiu ao meu lado, me entregando um pequeno buquê de dálias para a vovó, e, mesmo que eu me sentisse um pouco melhor naquele instante, senti todo o meu corpo esfriar e entrar em choque quando vi no alto do lugar, perto de onde ficava a entrada, o vislumbre de Su-ji.
O meu pânico foi exato, meu ódio também.
Hyun-Suk olhou naquela direção, ofegando baixo quando também a viu. Meus punhos se fecharam, meu corpo quis ir até ela, eu quis fazê-la sentir a dor que eu sentia, mostrá-la o que ela havia feito e como ela deveria estar feliz por enfim destruir toda a minha vida, por me tirar tudo o que tinha.
Mas Minah segurou minha mão. Mark olhou em meus olhos e Rini pediu para não me importar.
Ela estava longe, ela não estava ali como os que amavam a vovó, como os que foram lhe dar uma última homenagem.
Ela era apenas a culpada que sentia o peso dos atos.
Precisei fechar meus olhos com força, tentar não ligar para Su-ji ali, mas quando abri meus olhos, a vi entrar em um táxi, talvez o que ela havia contratado para ir até ali, já que a esperava, e assim ir.
Meu coração, por incrível que pareça, doeu ainda mais.
Seguimos após aquilo. Adentramos o terceiro cinerário e pude sentir paz ao observar os columbários com urnas, fotos, flores e enfeites de cada parente que foi ali visitar seu ente querido.
O funcionário dali era quem segurava a urna em mármore preto com detalhes dourados com as cinzas da vovó.
Hyun-Suk quem havia escolhido o local onde a vovó ficaria, mas me surpreendi quando o funcionário foi até o final do lugar, indo até um columbário que parecia ser inteiramente particular e a colocou no espaço designado a si.
Diferente dos outros, o columbário era preto também. Haviam detalhes em dourado, azul turquesa e vermelho. Desenhos bonitos e que demonstravam riqueza.
A placa com o nome "Jeon Hyelim" estava ao lado das placas "Park Min-Suk" e "Park Da-Bin".
Observei-as com cuidado, até arregalar meus olhos molhados e encarar Hyun-Suk que tinha um sorriso terno nos lábios.
ㅡ Esse é o lugar da minha família. Senhora Hyelim foi também minha avó, mesmo que por um tempo breve. Espero que não se importe de deixá-la ao lado dos meus pais.
ㅡ Seus pais? ㅡ perguntei, ainda surpreso.
Hyun-Suk assentiu. Voltei a olhar a urna da vovó e as outras duas ao seu lado.
Fiz uma longa reverência em respeito.
ㅡ Vovó, esses são meus pais. ㅡ Hyun-Suk falou, fazendo-me lhe olhar outra vez. ㅡ são Park Min-Suk, meu pai, e Park Da-Bin, minha mãe. Espero que se encontrem do outro lado e possam sorrir juntos.
Jackson e Mark sorriram, fazendo uma reverência a eles também, fazendo os outros lhes imitarem.
Pouco a pouco foram saindo. Sabiam que aquele momento era o último em que eu ficaria com minha avó naquele dia tão triste, então até mesmo Hyun-Suk me deixou outra vez sozinho após ditar que me esperaria sem pressa.
Havia um estofado em frente ao columbário e sentando-me lá pude ver às três urnas lado a lado. Era estranho porque eu não tinha sogros vivos, mas olhando as urnas dos pais de Hyun-Suk, sentia que precisava me sentar até mesmo numa postura correta, que deveria mostrar que o homem ao lado de Hyun-Suk também era alguém bom.
Mas eu era uma fraude, não conseguia mentir sequer para urnas em um columbário. Meus ombros estavam baixos, meu semblante era o pior. Meu ódio por ter visto Su-ji ali ainda estava presente e minha tristeza por perder a única família que eu tinha era ainda maior.
Eu estava um lixo de pessoa.
Me ergui, ainda segurava o pequeno buquê de dálias nas mãos. O deixei para a vovó, sentindo que precisava encerrar a despedida ali. Fiz uma nova reverência para os pais de Hyun-Suk e me virei para sair. Não quis dizer nada.
Encontrei com meus amigos e Hyun-Suk, e daquele modo fomos embora.
Não procurei por Su-ji, não olhei para trás, não quis ter a sensação de que estava mesmo indo embora e deixando a vovó para trás.
Mas era o que de fato estava acontecendo, e me autossabotar era mais fácil do que enfrentar a realidade, por tanto o retorno para a casa de Hyun-Suk foi silencioso outra vez.
Me despedi dos meus amigos quando cheguei lá e pedi a Hyun-Suk para ficar em um dos quartos de hóspedes.
Ele não fez perguntas, disse que preparariam o quarto para mim e que me incomodaria apenas quando fosse o horário do jantar. Se eu não quisesse me juntar a ele e Sunhee a mesa, serviriam no quarto sem problemas também.
O agradeci. Ele era uma pessoa boa e estava dando o melhor para que eu me sentisse confortável em um momento tão ruim.
Segui para o andar de cima junto a uma das moças que trabalhavam ali e adentrei o quarto, esperando-a trocar os lençóis da cama enquanto via através da janela como era vasto o quintal verde de Hyun-Suk.
Era tão grande e não havia nada ali.
Quando ela se foi, fechei as janelas e as cortinas. Quis o escuro. Me despi e tranquei a porta do quarto.
O banheiro dali não era diferente de um banheiro de hotel, exalava o luxo que qualquer cômodo da casa de Hyun-Suk tinha, mas era menor que o do quarto dele.
Mas estranhamente me senti mais confortável no espaço menor.
Deixei que a banheira dali fosse cheia. Optei desta vez por usar a água quente e quando a água chegou ao limite da porcelana branca, adentrei sentindo meu corpo afundar na água.
Como uma pedra pesada é levada para o fundo do mar.
O cômodo também estava escuro, desse modo me trazia paz interior.
Tentei não pensar nos momentos em que tive com a vovó ou até minha partida de Busan para Seul e o nosso reencontro um tempo depois.
Mas cada uma das vezes havia um poder sentimental absurdo e foi quase impossível não voltar a chorar.
Mas sozinho no quarto, tive a liberdade de pôr os meus soluços para fora. Ninguém me ouviria, e se ouvissem, me respeitariam.
Assim como respeitaram Hyun-Suk.
Quando meus pulmões precisaram de oxigênio, tentei me controlar.
Afundei na água e deixei a água cobrir meu corpo até o limite da minha boca. Fechei os olhos, precisava acalmar meu corpo, e mesmo cansado, relaxar era difícil.
Desistindo de me acalmar com os olhos fechados, os abri. Mirei o teto, borrado e apagado e tentei visualizar minha vida no futuro, mesmo que em um não tão longe dali.
Não consegui ver nada.
Parecia que minha vida era nula, ou talvez uma vida simples, sem importância ou feitos marcantes. Não havia nada a se pensar a fazer no futuro.
Então me peguei pensando: O que serei?
O que farei agora?
Não tive respostas, é claro. Mas de uma coisa eu precisava ter certeza, se eu não reagisse, se não encontrasse logo um objetivo para continuar lutando e vivendo, aquela sensação de ser uma pedra indo para o fundo do mar continuaria, e no fim, nada mais me restaria senão a morte.
E uma morte quieta, solitária e talvez até aliviadora.
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