— O que você acha, mãe? Não é um dia bom para um piquenique? — a voz de Joaquim desperta minha atenção.
Desvio os olhos do celular, onde estou conversando com Alessandra desde cedo. Depois da festa de Theo, é o único lugar por onde temos nos falado. Ela ainda se recusa, terminantemente, a colocar os pés no casarão e eu decidi não levantar suspeitas indo até sua casa.
Ela está empolgada e cheia de planos mirabolantes como sempre. Mas, dessa vez, não tive outra alternativa senão concordar com ela. Desde o sequestro de Quim, quando Theodoro me trancou no quarto, algo dentro de mim se quebrou e perdeu para sempre. Todo o desejo que sinto por ele parece aumentar a ponto de explodir, mas o medo, a raiva e a amargura brota nos momentos que menos espero. E sei que não posso conviver com nada disso.
Mas, o pior de tudo? Não posso viver ao lado de um homem que não tem em mim a confiança que eu mereço.
Sentada à mesa, percebo que mal toquei no café da manhã. Venho me sentindo muito estressada nos últimos dias. Uma tensão permanente tomou conta de mim e o meu corpo parece mole, fraco, como se eu estivesse doente. Apesar disso, cada vez que Theodoro aparece em meu quarto, me roubando para o dele, meu corpo estúpido mostra uma resistência da qual nunca pensei que pudesse ser capaz. Eu me encho de fogo, paixão, desejo e todas as sensações libidinosas que só o cappo maldito é capaz de despertar em mim.
Fora isso, eu ando distante, triste e apagada. E isso, obviamente, não passou despercebido a ele.
—Mãe, eu falei com você — Quim reclama.
— Certo, claro... eu acho uma ótima ideia — balbucio sem interesse, brincando com um copo de suco sem realmente tomá-lo.
— Eu também — a voz grave de Theodoro chama minha atenção. Olho para ele à cabeceira da mesa, limpando a boca com um guardanapo de linho. O cabelo molhado e o cheiro incrível de sabonete e loção pós barba chegam até mim, despertando os meus cinco sentidos. Essa manhã, transamos como dois selvagens na banheira do quarto principal, enquanto os garotos nos aguardavam à mesa para o café. Ainda estou ardida e dolorida, mas o pior de tudo... com vontade para muito mais. — E vou adorar comparecer. Se estiver convidado, claro.
— Irado! — Joaquim faz um gesto com o braço, simbolizando sua vitória. — Você não tem que trabalhar, pai?
— Hoje, não, Joaquim.
— Mas você vai sair com a gente assim? — meu filho mede o cappo da cabeça aos pais, quando ele se levanta da mesa.
— Assim como? — ele olha para si mesmo, estreitando as sobrancelhas para Joaquim. — O que tem de errado com as minhas roupas?
Quim faz uma careta.
— É que elas são meio... sem sal.
— Quim!
Eu tento reprovar seu comentário, mas acabo rindo porque é mesmo verdade.
O senso de moda de Theodoro se baseia em um conjunto de ternos e camisas sociais impecáveis, encimadas por uma gravata de grife. O que deve funcionar muito bem no seu dia a dia, mas em um piquenique é, no mínimo, sem noção alguma.
Minha risada é suficiente para fazer brotar um sorriso nos olhos de Theodoro, que se suavizam. Ele anda preocupado com o meu distanciamento emocional, eu posso sentir isso a quilômetros, mas agora, sorri para mim, de um jeito de moleque levado que ele não fazia há anos.
O meu coração palpita, desejoso. Se ele ao menos pudesse entender que eu nunca fiz nada para machucá-lo, que nunca poderia ter pensado em tramar sua morte... como ele pode sequer se atrever a levar em conta algo assim?
Esse pensamento é o bastante para fazer a raiva dentro de mim borbulhar.
— Acho que eu quis dizer: formais — Joaquim se corrige, com uma cara espertinha. — É isso, suas roupas são formais demais.
— E será que vocês dois podem me ajudar com isso? — Theo pisca um olho para Joaquim, virando-se para Heitor com uma sobrancelha erguida. — Heitor, o que me diz?
O garoto que, até então, permanecia calado na mesa, levanta os olhos para o pai.
— Você está me chamando, também?
O olhar de Theodoro se apaga. Ele parece desconcertado e o meu peito se comprime. Não por ele, mas pelo meu filho. Heitor não merece tanta mágoa e tanta insegurança, sendo apenas uma criança, com pouco mais idade do que Joaquim.
Theo balança a cabeça.
— Sim, é claro que estou chamando você, Heitor. Você vem?
— Acho que eu prefiro ficar com a Vitória — Heitor consulta a reação do pai com os olhos. — Se não tiver nenhum problema.
Pela expressão em seu rosto, Theo desmorona.
Tenho vontade de dizer que é bem feito, mas freio a minha língua. Além disso, uma parte pequena dentro de mim fica triste por ele também. Lembro de quando Heitor nasceu, da felicidade estampada em seus olhos, do amor e ternura que ele sempre dedicou a nosso filho. Thedoro sempre foi frio e cruel nos negócios, mas com Heitor, era apenas um pai de primeira viagem, loucamente apaixonado pelo seu filho.
O que terá acontecido entre os dois?
— Mas você vem com a gente, não vem? — Joaquim segura a mão do irmão por cima da mesa. — No piquenique, eu quero dizer.
Heitor suspira e balança a cabeça, parecendo nem um pouco entusiasmado.
— Eu vou sim.
— Irado! — Joaquim repete, animado, mas meu coração continua apreensivo.
Ele e Theodoro saem da mesa e o cappo lança um último olhar a Heitor, antes de dar as costas e subir as escadas acompanhado do filho mais novo.
Sem poder me controlar, dessa vez sou eu quem seguro a mão de Heitor, mas, agora, ele se encolhe.
— Tem alguma coisa que queira falar comigo?
— Não — diz, baixo.
— Então por que você parece sempre chateado com o seu pai? Sei que ele não tem sido muito presente, mas ele está tentando mudar.
Ele me olha, cético.
— Você acha mesmo?
— É claro que acho.
— Mas eu não — ele discorda, mau humorado. — Meu pai está empolgado com Joaquim, por isso, está tentando se parecer com outra pessoa. Um pai que ele não é, nem nunca vai ser.
— Você disse isso a Joaquim?
Ele balança a cabeça, negando.
— E por quê?
— Não quero partir o coração dele — suas palavras me devastam. Meu Deus, coitado do meu filho! Tão pequeno e tendo que suportar tanta coisa. — Hoje, eu sei que o meu pai só me incluiu para não ficar chato e para o Joaquim não ficar triste. Mas tudo bem, eu não ligo mesmo
— E você está com ciúmes do seu irmão?
Ele dá de ombros, remexendo o cereal de chocolate favorito no prato.
— Às vezes, eu acho que sim. Mas eu gosto de ter Joaquim aqui. A vida ficou muito mais legal depois que ele chegou — ele me olha por cima do prato com o olhar vacilante. — Depois que vocês dois chegaram.
Os meus olhos se enchem de lágrimas. Com certeza, esta foi a declaração e amor mais bonita que já recebi na vida. E a mais espera também. Preciso me dedicar muito mais a Heitor. Estabelecer um elo de confiança inquebrável entre a gente e consertar os estragos que a criação fria e impessoal de Theo possa ter causado a ele.
— Você é um garoto muito especial, sabia?
— Eu não acho — ele abaixa a cabeça com um pequeno suspiro.
— Você não acha ou acredita que o seu pai não acha?
Heitor dá de ombros de novo.
— Eu tenho certeza de que o seu pai sabe o quanto você é especial — aviso, com o coração angustiado quando ele me encara com um par de olhos brilhantes.
— Ele disse isso a você?
Ai, merda.
— Ele não precisou, eu vi nos olhos dele — afirmo, convicta. — Na verdade, vejo isso o tempo todo. Não percebeu como ficou triste quando você não quis subir com ele e seu irmão?
— E por que ele não disse, então?
— Bom, talvez tenha achado que não ia adiantar falar.
— É, mas adiantaria — o garoto se arrasta para fora da mesa, com um olhar sem vida. — Pelo menos, eu gostaria de ouvir.
— Aonde você vai, Heitor?
— Me arrumar para o piquenique idiota. Você não vem?
Meu coração acelera e eu me empertigo toda na cadeira.
— Talvez. Você gostaria que eu fosse?
— Seria bom, você sabe... ter uma amiga perto.
Meu coração, agora, dá um salto triplo mortal dentro do peito.
— Tudo bem, eu vou.
— Legal.
Fico observando Heitor subir as escadas com o coração dando pulos de alegria. Ele ainda não me chama de mãe, mas estou cada vez mais perto de reconquistar o meu filho.
E então sumir com os dois, de uma vez, daquela casa.
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