Olhei em minha volta e percebi que não tinha ninguém por perto, então, tirei do bolso do short um bombom que derretera por causa do calor e o entreguei a Madeleine. Seus olhos gentis pousaram em mim, um sorriso largo se desenhou em seu rosto, e as mãos enrugadas roçaram as minhas.
— Oi — eu disse, levando a mão até sua cabeça. Acariciei seus cabelos louros desbotados, e notei que ela tentava se esforçar para me reconhecer. — Sou eu, Annelise. — O tom da minha voz era calmo e agradável.
Quando eu fico muito confusa com alguma coisa, ou se um problema parece ser impossível de ser solucionado, venho até a casa de repouso e converso um pouco com Madeleine. Todas as vezes, eu acredito, mesmo que por alguns segundos, ela lembra de mim, mas ao contrário do que os enfermeiros dizem, ela não faz ideia de quem eu seja.
— É o nosso segredinho particular — pisquei. Ela alargou o sorriso.
Seus olhos azuis perderam o brilho que os chamuscava. Ela era uma mulher belíssima, um verdadeiro exemplo a ser seguido, mas os anos não fizeram-lhe bem. Os sinais da esquizofrenia a tomaram quando completou cinquenta e um anos. Logo depois disso, os sintomas se agravaram, até que passou a depender de enfermeiros para quase tudo. Ela se tornou agressiva em alguns episódios, isso se devia aos medicamentos e sintomas da doença. A confusão, desorientação e estresse lhe impediram de muita coisa, inclusive de continuar cuidando de mim e de Abby.
Olhei seus olhos, eram tão vazios, mas ao mesmo tempo tão cheios. Era estranho estar com uma pessoa que cuidou de você, que o amou, mas, de repente… esqueceu de quem você é. Eu sabia que a doença lhe causou isso, porém, não deixa de ser triste e doloroso.
Eu cobri sua mão com a minha e fiquei ali, ajoelhada na frente da poltrona de seu quarto. Ela inclinou a cabeça para o lado e trouxe uma mão, pousando-a em minha cabeça. Madeleine começou a me avaliar, passando os dedos pelos cabelos.
Eu ri.
Ela parecia muito empenhada.
— Annelise — a voz rouca soou baixinha e meus olhos se afogaram em lágrimas. Eu fiz que sim com a cabeça lentamente, ela segurou meu rosto com as duas mãos e inclinou a cabeça para o outro lado, me estudando atentamente.
Eu não sabia bem como isso havia acontecido, porque sempre pareceu, quando eu cutucava a minha mente, que foi de uma hora para outra, mas sabia que sentia falta. Muita falta.
Ela era a mesma mulher que me ensinou que um par de meias deve ser usado com duas meias iguais. Que me ensinou que xarope combina com panqueca e que deixava um dólar debaixo do travesseiro mesmo eu sabendo que a fada do dente não existia. Parecia ter se passado tanto tempo, mas por algum motivo, eu não o percebia. Nunca.
— É. Sou eu. — Afirmei.
— Eu — ela murmurou, fechou a boca e pareceu não ter certeza do que ia dizer, mesmo assim, disse: — gosto desse nome.
— Obrigada. Eu também gosto muito dele. — Assenti, voltando os olhos para suas mãos. Acariciei o dorso da mão com o polegar. Ela continuou avaliando o meu cabelo.
— Você é muito bonita.
Ela desembrulhou o bombom e comeu um pedaço. O sorriso praticamente se tornou de orelha a orelha.
— Madeleine, eu… — levantei os olhos e encarei seu olhar. — acho que fiz uma coisa muito idiota. Talvez eu tenha sido um pouco confusa e agora… eu não sei o que fazer. — Ela piscou, comeu o outro pedaço e olhou para mim. — Eu estraguei tudo.
— O quê? — Perguntou. — O que você estragou? — Ela franziu a testa e eu disse:
— Eu estava conversando com um cara, e mesmo que ele fosse um babaca, sabia que não era tão babaca, entende? E meio que as coisas se intensificaram. Ele começou a gostar de mim, mas eu nunca disse quem era, por mais que ele exigisse isso. Então, eu o fiz acreditar que também gostava dele. — Ela pareceu confusa, mas assentiu, então continuei:— e meio que ele é meu chefe, o que torna tudo pior uns trezentos por cento.
— Interessante — ela disse. Madeleine se inclinou na minha direção. — Já tentou conversar com ele?
Eu fiz que não.
Eu já tinha imaginado a cena milhares de vezes na cabeça, mas a verdade é que eu sempre dizia a mim mesma que ele iria surtar. Qual a possibilidade de isso não acontecer? Ele iria ficar furioso. Eu não poderia, simplesmente, deixar que soubesse que eu era o tempo todo A., mesmo que fosse para uma boa causa. Contar a ele a verdade era a melhor opção, mas também a mais difícil delas. Eu estava cercada e não encontrava nenhuma saída lógica.
— Eu não sei se é uma boa ideia.
— Talvez — ela murmurou, segurando o queixo. Fez uma cara pensativa. — Então por que não se aproxima dele? Você pode controlar o lado que quiser, então pode resolver o problema! — Ela pareceu eufórica, os olhos arregalados e sorriso largo.
Franzi a testa e avaliei a ideia.
Eu sabia que, provavelmente, ela não havia entendido nada do que eu falei e estava falando algo completamente diferente, mas que mesmo assim, se encaixava na situação.
— É… não é uma má ideia.
Quando eu estava com Chase, algo o fazia se livrar do babaca rabugento que sempre parecia irritado. Era bom, para variar, saber disso. Quando eu conversava com ele no chat, sempre via o outro lado, o lado que não era profissional, inabalável e cheio de si. Eu sempre tive uma visão ampla sobre ele, e sempre pude dominá-lo — ambas as partes. Eu tinha que trazer A. de volta. Eu não queria que ele piorasse cada vez mais, fosse para o meu bem, para o dele ou para toda a nação.
Mas… por outro lado, ele ficou muito chateado com A., porque ela o rejeitou. Achei que só uma de mim fosse capaz de deter o monstrinho chamado Chase, mas a verdade é que ele precisava das duas partes. Quando eu disse a ele que seria melhor parar, não sabia o quanto iria me fazer falta. Ele tinha razão. Estávamos acostumados um ao outro, mas isso não significava algo ruim. Gostávamos da nossa companhia, todas as noites, as provocações… mas tudo parecia estar saindo do controle rápido demais. E aquela proposta… eu quase a aceitei. Seria um prazer dar prazer a ele — literalmente.
Eu não sabia até onde isso iria parar, e talvez tivesse receio de como fosse acabar, mas também sentia falta de como estava.
Eu respirei fundo.
De repente, escutei três batidas na porta. Virei a cabeça na direção e mandei entrar. Chris, a enfermeira que cuidava de Madeleine entrou, com as mãos enfiadas no uniforme azul claro. Ela ostentava um sorriso enorme, a pele negra dava um tom celestial aos olhos marrons.
— Olá — ela disse, parando ao meu lado. — Alguém aqui precisa descansar um pouco.
Eu sempre tinha um tempo delimitado para conversar com Madeleine. Entendia o motivo, mas, mesmo assim, a despedida era difícil. Eu pouco a via, e quando conseguia fazê-lo, o tempo era muito curto.
— Vamos lá? — Ela passou por mim. Eu levantei, afastei-me e a vi ajudar Madeleine a levantar da poltrona vermelha. Chris ajudou Madeleine a andar até a cama. Ela desvencilhou dos braços da enfermeira e sentou na beirada, sem reclamar. — Isso.
— Chris — eu chamei.
Ela deu os remédios e colocou Madeleine para dormir. Para ter certeza, verificou se estava bem, então virou, passou o dorso da mão no rosto e veio em minha direção. Chris pegou meu braço de leve, se inclinou na minha direção e contou:
— Ela fica melhor quando a vê. Mad tem sorte de ter você. Por mais que seja complicado estar nessa situação, você sempre está por aqui, ajudando. — Ela cobriu minha mão e eu sorri agradecida.
— Como ela está?
— Basicamente na mesma, embora apresente leves sinais de melhora. Pode ficar despreocupada, ela é forte. — Garantiu. Eu deixei o ar que prendia escapar, e foi como se voltasse a respirar de novo.
Desde que encontrei com Chase mais cedo, não tenho me sentido cem por cento bem. Parece que uma parte de mim foi arrancada, e isso meio que dói.
— Mas o que queria falar?
Meus olhos procuraram os dela. Era um assunto difícil. Eu devia quase cinco mil dólares à casa de repouso. Eu deixei de pagar por um tempo, porque não tinha emprego, e agora, a casa de repouso cobrou, mas eu também não tenho dinheiro o suficiente. Se eu não pagar, Madeleine vai para a rua, e nada pode ser feito contra isso.
Isso me fez pensar na maldita proposta de Chase. Aquele dinheiro seria ótimo, o que me irrita de todos os jeitos, porque seria como declarar que ele havia vencido um jogo que eu nem sabia que estava jogando.
— É sobre o dinheiro… — eu procurei seus olhos, e encontrei doces e grandes olhos castanhos. — Eu sei que estou devendo muito, mas… eu tenho estudado algumas alternativas que podem saldar a dívida.
Ela respirou fundo, olhou para trás e abriu a porta. Eu passei, ela passou em seguida, fechando-a levemente para não fazer barulho.
Parou de costas para a porta, enfiou as mãos nos bolsos e olhou para mim.
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