Carmélia levantou aquela manhã com o sol ainda escondido sobre as montanhas. Havia um silêncio morno e concentrado, rompido apenas pelo canto do galo. Ela precisava se apressar se quisesse evitar a partida repentina de Antonela.
Caminhou sobre as pontas dos pés. Passou em frente aos quartos onde elas dormiam e avistou Adam, e os olhos dela se encheram de lagrimas. Carmélia não permitiria que aquele garoto fosse arrancado de seus braços assim. Faria por Francesca também.
Antes de sair, ela verificou se Henrico ainda estava internado no hospital. Mandou mensagem para uma amiga enfermeira que trabalhava no local e assim que obteve uma resposta positiva, saiu de casa, na esperança de que tudo se resolvesse.
Era uma missão impossível, concluiu ela assim que entrou no ônibus. Henrico a detestava desde o tempo em que se casara com Francesca. Lembrou-se que ele não suportava nem sequer ouvir o nome dela, mas não havia alternativas. Ela tinha uma certeza repentina e irracional que apenas Henrico poderia evitar a partida de Antonela.
Chegou ao hospital, sendo recebida pela enfermeira que a conduziu até o quarto onde Henrico estava.
— Ele recebeu alta essa manhã – disse ela, olhando para os lados como se temesse ser descoberta – apresse-se.
Carmélia ficou parada diante da porta com o olhar atento aos passos apressado da enfermeira que se afastou rapidamente. Quando se viu sozinha, encheu os pulmões de ar e soube que o momento havia chegado. Segurou a maçaneta da porta e a girou. O quarto estava iluminado e Henrico permanecia de costas para a entrada, arrumando seus pertences para partir.
Carmélia olhou para ele com os olhos azuis desbotados que não expressavam nada, nem perplexidade. O coração dela despencou. Carmélia detestava aquele homem por tudo o que ele havia feito com Francesca e com as filhas também. Não gostava de olhar para ele, muito menos de pedir qualquer favor, e aquilo era um péssimo sinal.
Ela deu um passo à frente. Henrico não havia percebido sua presença, quando seus lábios rachados sem batom se abriram e ela disse:
— Oi, Henrico.
Lentamente ele se virou, porque reconhecia aquela voz, que por sinal há muito tempo não ouvia. Ele conseguiu levantar a cabeça um pouco, com os olhos desviando para Carmélia, frios como gelo.
Henrico franziu a testa criando rios de rugas. Seu semblante tornou-se obscuro e se modificou.
Ele pensou que ela estava ali exclusivamente para estragar seu dia. Os dois observavam, silenciosamente, a fúria invadindo o coração de Henrico. O medo impedindo Carmélia de confrontá-lo para, enfim, dizer a verdade.
— Precisamos conversar, Henrico – finalmente disse e em seguida fez uma pausa reflexiva – é muito importante.
Henrico se virou e fechou a mala. Agora, com ela em punho, se afastou, passando a mão no cabelo grisalho, finalmente diz:
— Eu nunca tive nada de importante para falar com a senhora – diz, enquanto olhava diretamente para o rosto dela – se me permite, eu já estou de saída.
Carmélia congelou, ela imaginou que aquilo aconteceria, afinal Henrico era um homem orgulhoso e que não gostava de voltar ou se arrepender de suas decisões. Percebendo que ele caminhava em direção à porta, na intenção de deixá-la sozinha, ela o interrompeu com suas declarações.
— É sobre a Antonela – disse, sentindo o ar fugir de seus pulmões – ela está indo embora, Henrico e eu não posso permitir que isso aconteça.
— Sei que levará um tempo para que você entenda o que está acontecendo nesse momento – ela prosseguiu, tentando relevar a última declaração dele – mas não pode deixar a Antonela partir pela segunda vez.
— O que você quer que eu faça, então? – olhou para ela com fúria – que aceite uma mãe solteira em minha casa e finja que nada aconteceu?
— Perdoá-la já é o suficiente – as palavras de Carmélia fizeram Henrico rir – afinal, você e a Carlota estão cometendo uma injustiça com ela. Está forçando a irmã mais nova a casar com o pai do filho dela.
Henrico arregalou os olhos e, colocando a mão sobre o coração, achou que infartaria pela segunda vez. Ele desabou sobre a cadeira logo atrás dele e sentiu o ar fugir dos pulmões. Fechou os olhos tentando se acalmar. Não estava disposto a passar mais uma semana preso naquele hospital.
Não viu Carmélia se aproximar e se inclinar para olhar para ele. Quando abriu os olhos, ela estava ali, suplicando pela sua ajuda.
— Deixaremos nossas diferenças de lado e vamos juntos à minha casa impedir que Antonela vá embora – não foi um pedido e Henrico entendeu aquilo – você vai amar o Adam. Ele é o menino mais doce e amável que eu já conheci. Se a Francesca estivesse aqui…
As palavras faleceram em sua garganta de repente e, percebendo a emoção tomar conta de seus sentidos, Carmélia se ergueu e voltou para a porta. Esperou que Henrico se levantasse e fosse com ela, mas ele permaneceu parado no mesmo lugar durante muito tempo, afundado nos próprios pensamentos e imaginando que agora ele tinha um neto.
Um neto, menino.

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